Resenha de CDTítulo: É Tempo de AmarArtista: Zé RenatoGravadora: MP,B / Universal MusicCotação: * * * * *Tem muita erva venenosa no terreno da Jovem Guarda. Um dos méritos deste estupendo álbum dedicado por Zé Renato ao cancioneiro daquelas tardes dominicais da década de 60 é separar bem o joio do trigo. Com sua voz de emissão límpida, o cantor refina esse raro trigo sob a produção de Dé Palmeira, que consegue dar moderno tratamento harmônico às treze canções sem pisar em solo modernoso e sem procurar complicar o que já é simples em sua boa essência. Em português claro, as músicas ganharam banho de loja, mas têm preservada essa tal simplicidade - aliás, segredo da longevidade desse cancioneiro na memória afetiva do povo brasileiro. Em texto escrito para o encarte do CD, a propósito, Zé conta que as músicas da Jovem Guarda eram a trilha sonora das férias passadas em Vitória (ES) e que a primeira música que aprendeu a tocar no violão foi
Namoradinha de um Amigo Meu, o hit de juvenil de Roberto Carlos. É nesse violão que está estruturado
É Tempo de Amar - ainda que o produtor Dé Palmeira tenha agregado ao disco o som
vintage dos teclados pilotados por Roberto Pollo e programações como as feitas por Marcos Cunha em
Por Você, boa supresa do repertório. A parceria de Vinicius de Moraes (1913 - 1980) com Francisco Enoé foi a única incursão do
Poetinha pelo mundo pueril do iê-iê-iê, tendo sido lançada em 1967 - na voz de Ronnie Von! - na trilha sonora do filme
Garota de Ipanema, de Leon Hirszman (1937 - 1987).
É Tempo de Amar não evita os clássicos, mas prima por tirar do baú várias canções que sempre obtiveram menor projeção nos incansáveis tributos à Jovem Guarda. É o caso da faixa-título, parceria de Pedro Camargo com José Ari, gravada por Roberto Carlos no disco que serviu de trilha sonora para o filme
Roberto Carlos em Ritmo de Aventura, lançado em 1967. Aliás, é óbvio que o repertório do
Rei - terreno que concentra o trigo mais puro da Jovem Guarda - predomina na seleção de Zé Renato. São pérolas como
Nossa Canção (bissexta obra-prima de Luiz Ayrão, recentemente regravada por Maria Bethânia e Vanessa da Mata),
O Tempo Vai Apagar (tema melancólico de 1968 cuja regravação feita com cordas suntuosas, sob encomenda para a trilha sonora da novela
A Favorita, originou a idéia do disco),
Quero Ter Você Perto de mim (canção de Neneo, revivida por Renato no tempo da delicadeza para realçar toda a beleza de música que foi abafada no álbum de 1969 que trouxe
As Curvas da Estrada de Santos e
Sua Estupidez, entre outros clássicos) e
Custe o que Custar (pontuada pelo acordeom de João Carlos Coutinho). É tudo tão melódico e bonito que até o
Lobo Mau uiva com elegância em tom mais refinado do que o ouvido nos registros de Renato e seus Blue Caps e de Roberto Carlos, intérpretes mais conhecidos da versão de Hamilton Di Giorgio para
The Wanderer, rock de Ernest Mareska.
Duas participações realmente especiais reforçam o requinte da abordagem de Zé Renato para o cancioneiro da Jovem Guarda. Vocalista da Orquestra Imperial, Nina Becker faz dueto com o cantor em
Eu Não Sabia que Você Existia, hit da dupla Leno & Lilian repaginado também com o cello de Jaques Morelenbaum. Já Marcos Valle põe seu piano em duas músicas lançadas por Roberto Carlos. Valle adiciona seu piano acústico a
Ninguém Vai Tirar Você de mim (Edson Ribeiro e Hélio Justo, 1968), canção introduzida por Renato com vocais
a capella numa prova de sua afinação absoluta. Já em
Não Há Dinheiro que Pague, faixa de atmosfera roqueira, o antenado piano de Valle soa naturalmente mais elétrico (em todos os sentidos). A música também é de 1968.
Enfim,
É Tempo de Amar é um grande disco porque reúne grandes canções na voz de um grande cantor. Ouvir músicas como
Coração de Papel (o único hit nacional emplacado por Sérgio Reis antes de ele pegar a estrada sertaneja),
A Última Canção (sucesso de Paulo Sérgio, gravado por Renato somente com seu violão em registro pungente) e
Com Muito Amor e Carinho (linda parceria de Eduardo Araújo com Chil Deberto) na voz aquática de Zé Renato é constatar que, sim, há muito ouro escondido no baú da Jovem Guarda entre tanta bijuteria. Zé Renato soube garimpar esse ouro e dar a essas pepitas o tratamento adequado sem ranço saudosista e sem a nostalgia da modernidade. Por isso mesmo,
É Tempo de Amar soa tão moderno na eternidade de suas canções tão pueris.