Sensível mundo de Leila ganha registro ao vivo
Título: Nos Horizontes do Mundo - Ao Vivo
Artista: Leila Pinheiro
Gravadora: Biscoito Fino, Canal Brasil e Tacacá Music
Cotação: * * * (CD) e * * * * (DVD)
Depois de alguns discos nascidos mais da vontade de gravadoras e empresários do que dela própria, Leila Pinheiro se reencontrou no mercado fonográfico ao lançar o CD Nos Horizontes do Mundo (2005), de repertório marcado por salutar diversidade, da mesma forma que Outras Caras (1991) e Na Ponta da Língua (1998), outros dois belos discos da artista. Nos Horizontes do Mundo marcou o ingresso de Leila na Biscoito Fino, companhia por onde ela está lançando em CD (o 13º) e DVD (o 2º) o registro ao vivo do show baseado no disco. O projeto inaugura seu selo, Tacacá Music.
É show que busca intimidade - a começar pelo charmoso cenário, que reproduz com fidelidade a sala-de-estar do apartamento da artista. E a sintonia vem do canto de Leila, cantora de técnica tão apurada que consegue reeditar no palco o requinte dos registros de estúdio. Nos Horizontes do Mundo - Ao Vivo foi gravado em agosto de 2006, no Teatro do Sesc Pinheiros, em São Paulo (SP). Os arranjos econômicos perseguem a linha "menos é mais" - perceptível já na abordagem do samba Escravo da Alegria, hit da dupla Toquinho & Vinicius nos anos 70, inédito na voz da artista.
Sim, além de rebobinar nove músicas do CD que originou o show, o roteiro agrega músicas nunca gravadas por Leila. Essa Mulher aparece introduzida por terno depoimento em que Leila narra seu encontro com Elis Regina (1945 - 1982) no camarim do Theatro da Paz, em 1979. A Pimentinha apresentava justamente o show Essa Mulher em Belém (PA). Na época, Leila cursava medicina e tinha vontade de ser cantora, mas não se decidia pela profissão. E o fato é que, um ano depois daquele rápido encontro com Elis, a novata paraense já estreava profissionalmente com um show no mesmo Theatro da Paz. Daí o (afetivo) tributo prestado à saudosa colega...
Para quem emergiu no meio musical sob o efeito de comparações com Elis, a propósito, Leila Pinheiro - aos 27 anos de carreira - há muito provou ser ela mesma, continuando em cena com invejável técnica e, sim, emoção. Para quem insiste em negar a emoção que também brota em sua voz, o sensível bloco de voz-e-piano dissipa qualquer dúvida. É o momento mais intenso e belo do espetáculo. A cantora alinha duas músicas de Guilherme Arantes - Brincar de Viver (1983) e a comovente O Amor Nascer (1982), prova da boa influência erudita na obra do compositor - ao lado de Onde Deus Possa me Ouvir (a música de Vander Lee que Leila canta com dose exata de tristeza em interpretação muito superior à de Gal Costa) e do medley que une Serra do Luar e Coração Tranquilo, de Walter Franco. Este bloco entrou apenas no DVD e vale o vídeo por si só.
Após revisitar o samba Verde (marco inaugural de sua carreira em âmbito nacional), recitar texto da poeta Adélia Prado (Rodando, do livro Filandras) e reviver o repertório de Renato Russo (Mais uma Vez, parceria com Flávio Venturini), a cantora fecha o show com os sambas Isso Aqui o Que É e Brasil Pandeiro. Além dos 23 números do roteiro, o DVD ainda traz - nos protocolares extras - making of, o clipe de Hoje e galeria de fotos. Já o CD condensa 18 músicas em 14 faixas e tenta preservar o encadeamento original.
Por captar com sensibilidade o mundo musical e sensorial de Leila Pinheiro (capaz de tirar do baú uma pérola de Sueli Costa e Abel Silva do baú - caso de Amor É Outra Liberdade, belíssima canção lançada por Selma Reis e regravada por Alaíde Costa em registros obscuros), a gravação ao vivo de Nos Horizontes do Mundo é indicada para os que gostam de cantoras de técnica, voz e gosto apurado para captar e reapresentar o que há de eterno na tal MPB.