4 de outubro de 2008

Jussara, Wisnik e Nestrovski na poesia do som

Resenha de show
Título: Projeto Interseções
Artista: José Miguel Wisnik, Jussara Silveira e Arthur
Nestrovski
Local: Sala Cecília Meirelles (RJ)
Data: 3 de outubro de 2008
Cotação: * * * * 1/2

Pianista e compositor, Zé Miguel Wisnik é dono de refinada obra de textura poética que pede vozes de técnica apurada e registro mais cool - como a voz límpida de Jussara Silveira, cantora que, à vontade, dividiu o palco com Wisnik e com o violonista (e também compositor) Arthur Nestrovski num envolvente espetáculo que embaralhou os conceitos de música e poesia, tangenciando o universo erudito. Apresentado na Sala Cecília Meirelles (RJ), dentro do projeto Interseções, o recital apresentou roteiro irretocável que combinou músicas de Wisnik e quatro versões de temas de compositores eruditos como o austríaco Franz Schubert (1797 - 1828) e o romântico alemão Robert Schumann (1810 -1856). Assinadas por Nestrovski, como títulos como Clara e Serenata, tais versões tentam com êxito se enquadrar no universo da canção brasileira. Cantadas por Jussara, com Wisnik ao piano e Nestrovski no seu virtuoso violão, estes temas responderam por alguns dos muitos momentos em que o recital beirou o sublime. E a inclusão no bloco de Morena do Mar, de Dorival Caymmi (1914 - 2008), acentuou o parentesco brasileiro buscado por tais versões.

Mesmo sem grande volume, a voz de Wisnik serve bem às suas músicas - como ficou claro logo no número de abertura, quando o compositor entoa Tempo sem Tempo. Mesmo sem estar em atividade durante parte do show, Jussara brilhou a cada vez que solta a voz, como no choro Bambino, como no Baião de Quatro Toques - em dueto com Wisnik - e como em O Último Domingo, versão de música polonesa incluída na trilha sonora do filme O Sol do Imperador. Uma clima de salutar estranheza pontuou roteiro embebido em pura poesia. Se Mortal Loucura apresenta melodia de Wisnik sobre versos de soneto do poeta barroco baiano Gregório de Matos (1636 - 1696), Anoitecer - um dos números de maior beleza - insere o poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987), do livro A Rosa do Povo, na sofisticada atmosfera musical do recital. Os poetas aprovariam.

Falante, Wisnik divertiu a platéia ao recortar a aventura (única até o momento na música brasileira) de ter aceitado a incubência de criar uma letra para melodia já pronta de Chico Buarque. Tarefa difícil, pelos sinuosos contornos melódicos do tema, intitulado Embebedado, lançado por Gal Costa (no disco Hoje, de 2005) e revivido por Wisnik com inflexões que permitiram ao espectador perceber a engenhosa sintonia entre música e letra. Entre versos de poetas como Antonio Cícero e Eucanaã, musicados tanto por Wisnik como por Nestrovski, o recital se desenrola sedutor. Sobretudo quando Jussara Silveira assume também o microfone para fazer dueto com Wisnik em músicas como Pérolas aos Poucos e, no bis, As Pastorinhas, a bissexta parceria de João de Barro, o Braguinha (1907 - 2006), com Noel Rosa (1910 - 1937). Luxo só...

Até Nelson Rodrigues (1912 - 1980) entrou na dança poética do trio. Depois de cantar A Serpente, belo tema que compôs para montagem da peça homônima do dramaturgo, Wisnik emendou na seqüência Pecado Original, a música feita por Caetano Veloso - também dentro do passional universo rodriguiano - para o filme A Dama do Lotação. Enfim, um excelente show que, ao combinar versos e melodias com acabamento de alta qualidade, expôs toda a poesia contida no som pensante de Wisnik, Jussara e Nestrovski.

Lírio desvenda Teixeira em jornada emocional

Resenha de filme
Título: O Homem que
Engarrafava Nuvens
Direção: Lírio Ferreira
Cotação: * * * * 1/2
Em exibição no Festival
do Rio 2008
* 5 de outubro, Estação
Vivo Gávea 3 (às 15h40m e
às 22h10m)

Ao som de Légua Tirana, a atriz Denise Dummont, séria, caminha pelo cemitério rumo ao túmulo do compositor Humberto Teixeira (1915 - 1979), revelando logo de cara que pouco ou nada conhece sobre a figura deste homem, que, além de ter sido advogado e parceiro de Luiz Gonzaga (1913 - 1989) na criação de grandes clássicos do cancioneiro brasileiro (entre eles, Asa Branca), veio a ser também seu pai. Assim começa O Homem que Engarrafava Nuvens, documentário produzido por Dummont, com direção firme de Lírio Ferreira e fotografia de Walter Carvalho, para descobrir e mostrar quem foi Humberto Teixeira. Ao acompanhar a jornada emocional de Dummont, Lírio desvenda boa parte do véu que cobria o homem e o artista - este, aliás, nem sempre creditado como devido quando o assunto é o repertório áureo de Gonzaga, vitalício Rei do Baião.

Em off, a voz do próprio Humberto Teixeira - extraída de depoimento biográfico prestado pelo compositor em 1977 - costura a narrativa. Nascido em Iguatu, cidade interiorana de um Ceará castigado pela seca, o artista conviveu desde sempre com o baião - ouvido em sua forma seminal nas festas e cantorias nordestinas - e levou na bagagem essa intimidade com o ritmo quando partiu para o Rio de Janeiro (RJ) com o intuito de virar médico. O filme conta que ele virou, na verdade, advogado e que - anos depois - faria a viagem de volta como candidato a Deputado Federal pelo seu Ceará. Entre uma viagem e outra, Teixeira mostrou ao mundo como se dança e compõe o baião pela voz de Luiz Gonzaga. Mas somente depois de ter suas primeiras músicas rejeitadas por estrelas da época - como Carmen Miranda (1909 - 1955) e Orlando Silva (1915 - 1978). A primeira música gravada, Sinfonia do Café, abriu caminho para o registro do samba Deus me Perdoe, sucesso na voz de Cyro Monteiro no Carnaval de 1945. Mas nenhum sucesso dessa fase inicial se comparou ao estouro do baião, que, em seu apogeu, na primeira metade dos anos 50, fez o Brasil descobrir a sanfona. A era de ouro do gênero - que coincide com a industrialização do Brasil - começou a ser formatada em 1946 com a gravação de Baião pelo conjunto Quatro Ases e Um Coringa. O baião - como ressaltam os cantores Fagner e Otto nos depoimentos inseridos no bom roteiro assinado por Lírio Ferreira - era a música que expressava os sentimentos dos nordestinos saudosos que haviam migrado para o Sul para fugir da seca e da fome. "Ou você descia para São Paulo ou subia para São Pedro", ironiza o cearense Belchior, em vã tentativa de fazer humor negro.

O documentário entremeia gravações antigas com registros contemporâneos feitos em estúdio por cantores do naipe de Caetano Veloso (Baião de Dois), Gal Costa (Adeus, Maria Fulô - com o auxílio luxuoso da sanfona de Sivuca) e Chico Buarque (Kalu, sucesso de Dalva de Oliveira que teve como musa inspiradora Mafalda, caso extra-conjugal de Teixeira). Números captados na edição do Prêmio Rival de Música que homenageou Teixeira também pontuam a narrativa. Já Asa Branca é ouvida tanto no registro estilizado do norte-americano David Byrne - para exemplificar o alcance mundial da obra musical de Teixeira - como na ruminante releitura feita em 1971 por um triste e exilado Caetano Veloso (no LP Caetano Veloso), na visão mais roqueira de Raul Seixas (1945 - 1989) e ainda na intensa interpretação apresentada por Maria Bethânia no show Dentro do Mar Tem Rio, em 2006 e 2007. Primo-irmão da Asa Branca, Assum Preto é ouvido na memorável gravação de Gal Costa entre imagens de filme sobre a cantora feito pelo cineasta Antonio Carlos Fontoura.

Se o compositor é coberto de justos elogios, o homem tem desvendada sua face mais machista quando o assunto são as mulheres oficiais. A primeira delas, Ivanira Teixeira, lembra como Humberto a fazia tirar qualquer maquiagem mais vistosa. Já a pianista Margarida Jatobá, mãe de Denise Dummont, vai mais fundo e protagoniza o momento mais revelador do filme em conversa emocionada com a filha que foi impedida de criar por ter largado Teixeira - após longo período de desentendimentos e opressão - para viver um amor com Luiz Jatobá. "Ele queria me transformar na 'mulherzinha de Humberto Teixeira'. Não deu", justifica Margarida (morta em 2007), num depoimento pungente.

Por ter tomado as dores de Teixeira na separação de Margarida, a sociedade machista da época afastou Dummont de sua mãe e a uniu ao pai. Contudo, em seu depoimento final, a atriz conta que somente se sentiu realmente próxima do genitor na véspera da morte de Teixeira, em 3 de outubro de 1979. Um almoço dominical tornou meno frouxo o laço que ligava pai e filha. Laços que se estreitam postumamente nesta bela jornada documental e emocional empreendida por Denise Dummont para jogar luz sobre a obra forte de Humberto Teixeira e expor o homem por trás dela.

Designer carioca assina 'Casa Amarela' de Ivete

Nas lojas via Universal Music a partir de 8 de outubro, o disco infantil A Casa Amarela - assinado por Ivete Sangalo e Saulo Fernandes como Veveta e Saulinho - tem capa (foto à direita) assinada pelo designer Mig, um discípulo de Ziraldo que atua no estúdio carioca Megatério. O álbum exibe na capa e no encarte desenhos dos personagens abordados nas 11 músicas inéditas compostas por Ivete e Saulo - casos do menino do Funk do Xixi, do leão de Bicho (faixa eleita o primeiro single), do dragão da faixa-título, A Casa Amarela, e do cachorro e do papagaio do reggae É Bom Viajar. Além de Xuxa na faixa Sono, o disco traz as participações das crianças Davi Lins (filho de um dos empresários de Ivete) e de Letícia Costalima (filha de Radamés Venâncio, pianista da banda da cantora). Davi solta algumas palavras na música-título e em Mundo de Lela. Letícia faz dueto com Ivete em Frufru. Eis as 11 faixas do álbum A Casa Amarela:

1. Bicho
2. Fantasia
3. Frufru
4. A Casa Amarela
5. Mundo de Lela
6. Sensacional
7. É Bom Viajar
8. Funk do Xixi
9. Maria Flor
10. Sono
11. Enfim Vencer

No escuro do cinema, 'Morcego' ilumina Macalé

Resenha de filme
Título: Jards Macalé - Um
Morcego na Porta Principal
Direção: Marco Abujamra
e João Pimentel
Cotação: * * * *
Em exibição no Festival do Rio 2008
* 4 de outubro (Estação Vivo Gávea 3,
às 13h30m e às 20h10m)

Logo na primeira cena de Um Morcego na Porta Principal, Jards Macalé ameaça processar Marco Abujamra e João Pimentel, diretores do documentário que retrata uma das personagens mais estranhas da música brasileira. "Tenho medo que vocês destruam tudo o que construí", confessou Macalé diante das câmeras. Pois o parceiro de Waly Salomão (1943 - 2003) em Vapor Barato não tem o que temer. Em exibição no Festival do Rio 2008, o filme de Abujamra e Pimentel joga luz sobre a figura de Macalé sem desconstruir a imagem excêntrica arquitetada pelo próprio compositor. Ao contrário, Morcego... se alimenta das histórias colecionadas por Macalé para construir narrativa saborosa que prende a atenção do espectador em 71 minutos. Veja sem medo...

O humor permeia o roteiro, assinado pelos diretores. Somente o causo contado por Dori Caymmi já vale o ingresso: indignado pelo fato de Dori ter acrescentado um acorde na sua música Tarde Demais, Macalé abordou o colega num lotação e se fez passar por seu amante, inconformado por Dori o estar traindo com a "safada daquela mulher". Armado o barraco, Macalé desceu do ônibus e Dori seguiu viagem, constrangido diante da cena de vingança. Dez!

Entre cenas hilárias, o filme deixa de lado a verve do artista para ressaltar suas qualidades musicais. "O violão de Macalé é um dos que traduziu melhor os sons da Bossa Nova e do samba carioca", avaliza Gilberto Gil, ele próprio dono de suingue todo próprio ao violão. A militância política de Macao também é naturalmente enfocada. Num raro momento em que a narrativa escapa do tom convencional (incondizente com o espírito da obra de Macalé), o filme lança mão da sobreposição de vozes dos entrevistados (Capinam e Nelson Motta, entre outros) para recordar a vaia monumental tomada por Macalé ao defender Gothan City no IV Festival Internacional da Canção, em 1969. Foi quando ele pronunciou a célebre frase metafórica a que o filme se refere no bom título - "Há um morcego na porta principal" - para aludir à mordaça do regime militar que apertava o cinto naquele ano de chumbo. Em 1973, ao encenar o espetáculo O Banquete dos Mendigos no Museu de Arte Moderna (RJ), com adesão de nomes como Chico Buarque e Paulinho da Viola, Macalé atiçaria ainda mais a ira dos homi. "Acabamos no zero, mas, como ato político, foi fundamental", contabiliza Macalé em depoimento para o documentário, ressaltando que a intenção inicial do espetáculo - angariar fundos para ele próprio, então às voltas com dificuldades de trabalho - acabou se perdendo diante da proporção política tomada pelo evento, que reuniu uma multidão em torno do MAM.

A fama de maldito no mercado fonográfico - rótulo criado pela imprensa e alimentado por atitudes do próprio Macalé, que chegou a dizer publicamente que todos os diretores de gravadoras eram "atravessadores" - também rende alguns óbvios takes. "Maldito é a mãe", esbraveja Macalé, cujo comportamento transgressor já começa na infância. É hilária a cena em que ele contabiliza os colégios de que foi expulso, para desespero de sua mãe, Dona Lygia, entrevistada no filme em sua casa em Penedo (RJ). Mas a coisa fica séria quando Abel Silva recorda a noite em que Macalé, depressivo, decidiu que ia morrer. Enfim, com o auxílio de vídeos feitos em Super 8 e de trechos da entrevista retrospectiva concedida pelo artista a Jaguar em talk-show no Rio de Janeiro (RJ), Um Morcego na Porta Principal traça perfil simpático de Macalé sem mergulhar fundo na alma da figura que aborda com justa generosidade. Talvez justamente por não tentar explicar a personagem é que o documentário resulte tão bacana...

3 de outubro de 2008

Grupo CSNY faz boa política 'déjà vu' no cinema

Resenha de filme
Título: CSNY - Déjà Vu
(Estados Unidos, 2008)
Direção: Neil Young
Cotação: * * * 1/2
Em exibição no Festival
do Rio 2008
Mostra Midnight Songs

Déjà Vu é o título do incisivo primeiro álbum do quarteto Crosby, Stills, Nash & Young. Foi editado em 1970 quando o grupo militava contra a guerra do Vietnã. Déjà Vu é também o título do filme dirigido por Neil Young (sob o pseudônimo de Bernard Shakey) para documentar a turnê Freedom of Speech que reuniu os quatro sexagenários e cruzou os Estados Unidos em 2006 no embalo do lançamento de um dos discos mais explosivos de Young, Living with War, editado naquele mesmo ano em protesto à política dura do presidente dos EUA, George W. Bush, responsável pela Guerra do Iraque. "A guerra é outra, os tempos são outros, mas os problemas são os mesmos...", compara um espectador, em depoimento para o filme, justificando o título do documentário - recém-exibido no Brasil, no Festival do Rio 2008.

Déjà Vu reacende a discussão se cantores e compositores devem fazer política com sua música. Democrático, Young expõe visões conflitantes do tema. Em show captado em Atlanta, um dos pontos mais conservadores do Sul dos Estados Unidos, o filme mostra até gestos obscenos feitos para as câmeras por espectadores bastante indignados com o altíssimo teor político do espetáculo de David Crosby, Stephen Stills, Graham Nash e Neil Young (houve vaias durante a execução da música Let's Impeach the President). A questão é que, ao longo dos 97 minutos da narrativa documental, a inflamada discussão e os depoimentos vão ficando repetitivos, sem que se chegue a uma (impossível) conclusão. Contudo, Young acertou ao convocar Mike Cerre - correspondente de guerra da rede de TV ABC - para participar do filme. Déjá Vu expõe entrevistas de Cerre com soldados entre imagens que atestam a destruição provocada pela guerra e entre takes antigos de CSNY em ação em estúdios e palcos. Trechos de críticas de vários jornalistas norte-americanos sobre a turnê também são salpicados na tela. Um crítico aponta para o fato de os quatro músicos se apresentarem mal-vestidos na turnê. Outro, ainda mais ferino e preconceituoso, diz que esperava ouvir no palco "receitas médicas" em função da idade avançada de Crosby, Stills, Nash e Young. Há ainda alusões ao caso do trio feminino Dixie Chicks, boicotado e banido das rádios por ter criticado publicamente a postura antipacifista de Bush. Enfim, o tema é incendiário. E, mesmo que sua narrativa linear não pegue fogo, Déjà Vu é filme que provoca reflexões e instiga tomadas de posições. Como há 40 anos, a boa música engajada do quarteto CSNY continua em pauta.

'Estandarte' põe Skank em movimento antenado

Resenha de CD
Título: Estandarte
Artista: Skank
Gravadora: Sony BMG
Cotação: * * * *

Décimo título da discografia coesa do Skank, gravado entre janeiro e agosto de 2008, o CD Estandarte mostra o grupo em movimento contínuo. A retomada da parceria com o produtor Dudu Marote não direciona o quarteto para seu passado - como pode parecer à primeira apressada audição. Embora muito mais dançante do que os três britânicos álbuns anteriores do Skank, Estandarte acena para as pistas - sobretudo em faixas como Canção Áspera e a irresistível Escravo - sem repetir a fórmula milionária de álbuns como Calango (1994) e Samba Poconé (1996), que ultrapassaram a cifra do milhão de cópias vendidas. Aliás, o CD que continha Garota Nacional chegaria à retumbante marca de 1,8 milhão de exemplares. Recordes do passado. Mudou o mercado fonográfico. E mudou também o Skank. Estandarte não faz o jogo fácil da indústria, embora a suplicante balada Sutilmente seja forte candidata a hit e ainda que Escravo também tenha vocação para as paradas. Mas o que conta no balanço - e aí com direito a um trocadilho, pois Estandarte está salpicado de grooves antenados - é que o saldo artístico é positivo. Já na primeira ótima faixa, Pára-Raio, com metais que evocam a fase soul de Roberto Carlos, como bem ressalta o jornalista Pedro Só no texto escrito para apresentar o álbum aos (de)formadores de opinião, Estandarte sinaliza o tom azeitado que permeia a gravação das 12 inéditas do vocalista e guitarrista Samuel Rosa, compostas com seus parceiros Chico Amaral, Nando Reis e César Maurício. Com dosado uso de recursos eletrônicos (especialmente em Chão, faixa em que Samuel persegue um falsete e cita tema funkeado dos Rolling Stones, e em Saturação), Estandarte agrega referências múltiplas do universo pop sem se desviar de seu próprio trilho mineiro. Trata-se, aliás, da produção mais bem-acabada de Marote. Mesmo que algumas músicas estejam aquém da produção da banda, casos de Um Gesto Qualquer e de Assim sem Fim, Estandarte se impõe como mais um grande álbum do Skank e apaga a má impressão, deixada pelo anterior Carrossel (2006), de que o grupo começaria a se acomodar e a repetir uma fórmula. Ora mais roqueiro (como em Renascença), ora mais pop (como em Ainda Gosto Dela, a faixa estrategicamente eleita para puxar o disco nas rádios), Estandarte porta toda a dignidade da banda mais importante dentre as surgidas no diluído mercado pop brasileiro dos anos 90. A Garota Nacional anda por outras praias.
P.S.: Carrossel é bom disco com algumas ótimas músicas. Contudo, analisado em perspectiva na discografia do Skank, tal CD sinaliza um início de saturação de um som que já havia sido mais bem desenvolvido pelo quarteto nos álbuns Maquinarama (2000) e Cosmotron (2003).

VMB premia NX Zero e Pitty, queridos da MTV

Sem surpresas, o grupo NX Zero - um dos queridinhos da MTV - levou os principais prêmios na edição de 2008 do Vídeo Music Brasil. A entrega dos nove troféus do VMB 2008 aconteceu em cerimônia na casa Credicard Hall, em São Paulo (SP), na noite de quinta-feira, 2 de outubro de 2008. Além de ter sido premiado como Artista do Ano, o NX Zero (em foto de Marcos Issa, da Agência Argo Fotos) levou os troféus de Clipe do Ano e Hit do Ano - ambos por conta da música Pela Última Vez. Pitty, outra queridinha da MTV, não foi esquecida e ficou com o prêmio de Show do Ano. Já o troféu de Revelação foi parar nas mãos do grupo Strike. Mais previsível, impossível! O VMB perdeu prestígio.

Pillar narra fábula de Leonardo Da Vinci em CD

A foto acima flagra a atriz Patrícia Pillar - atualmente em grande evidência em todo o Brasil por encarnar a vilã Flora na novela A Favorita - em estúdio com o compositor Alfredo Sertã durante a gravação do álbum infantil Fábulas de Leonardo da Vinci, editado pela gravadora Biscoito Fino neste mês de outubro de 2008. Idealizado por Sertã, o disco apresenta leituras musicadas de quatro contos do pintor, lançados no livro Fábulas e Lendas de Leonardo da Vinci. Pillar narra a fábula O Papel e a Tinta. Já o ator Paulo Goulart interpreta A Rede e A Formiga e o Grão de Trigo enquanto Beth Goulart narra A Navalha. Sertã compôs as músicas. E criou os arranjos que emolduram as quatro narrativas.

2 de outubro de 2008

Queixosas, cantoras saúdam tempo radiofônico

Resenha de filme
Título: Cantoras
do Rádio
Direção: Gil Baroni
e Marcos Avellar
Cotação: * *
Em exibição no Festival
do Rio 2008
Mostra Première Brasil
* 2 de outubro, Odeon
(às 15h30m)
* 3 de outubro, Estação Vivo
Gávea 3 (às 13h30m e 20h)

Há recorrente tom lamurioso neste filme sobre as cantoras do rádio que, não raro, desvia o foco do assunto mais sedutor do documentário dirigido por Gil Baroni e Marcos Avellar: a própria era radiofônica da música brasileira que gerou ídolos como Marlene (cujo longo depoimento exemplifica o caráter queixoso que caracteriza a produção) e Emilinha Borba (1923 - 2005). Emilinha ganha breve citação na narrativa, pois Cantoras do Rádio tem como fio condutor o roteiro do show Estão Voltando as Flores, que uniu Carmélia Alves, Carminha Mascarenhas, Ellen de Lima e Violeta Cavalcante no palco do Teatro Rival (RJ), em abril de 2005, para reviver o repertório de Aurora Miranda (1915 - 2005), Aracy de Almeida (1914 - 1988), Carmen Miranda (1909 - 1955), Dalva de Oliveira (1917 - 1972), Dircinha Batista (1922 - 1999), Dolores Duran (1930 - 1959), Elizeth Cardoso (1920 - 1990), Isaura Garcia (1919 - 1993), Linda Batista (1919 - 1988) e Nora Ney (1922 - 2003). Histórias destas dez divas da era do rádio são salpicadas na tela através de depoimentos afetivos e efusivos das quatro cantoras que conduzem o filme. Das quatro, a propósito, somente Carmélia Alves, a Rainha do Baião, teve trajetória que a habilita a ser inserida no primeiro time radiofônico. Embora seja justo registrar a vivacidade rítmica de Violeta Cavalcante, cujo alto astral alegra a narrativa (com boa voz, Violeta canta sambas como Vagalume).

Os diretores costuram as entrevistas com as quatro cantoras - filmadas em locações cariocas como o Hotel Copacabana Palace e o restaurante Fiorentina, no qual se agregam ao time nomes como Ademilde Fonseca e Tito Madi - com takes do show captado no Teatro Rival. A garra com que as quatro artistas se entregam ao seu ofício enternece o espectador. São quatro vozes saudosas de uma era que não volta mais - até porque o Brasil é outro. Mas caberia aos diretores dosar o teor lamentoso dos depoimentos para que o filme não ficasse, em alguns momentos, repetitivo. Até porque as queixas - sobre o descaso da mídia, a falta de memória do Brasil e a escassez de trabalho para vozes veteranas - são recorrentes também nas entrevistas/depoimentos dos jornalistas e pesquisadores musicais Ricardo Cravo Albin e Rodrigo Faour. Cantoras do Rádio seduz mais quando conta histórias sobre intérpretes como Aracy de Almeida - Carmélia Alves, vivaz, recorda com humor o persistente medo de avião que fazia a Araca recusar apresentações distantes do Rio de Janeiro - e quando ressalta o pioneirismo de Nora Ney, que implantou um estilo vocal de tom grave quando a regra era priorizar cantoras capazes de altos agudos, como a estrela Dalva. Ou ainda quando Cravo Albin relaciona o aparecimento da Rádio Nacional, inaugurada em 1936 no Rio de Janeiro, ao apogeu dessas vozes resistentes que saúdam na narrativa, com justificada nostalgia, os seus anos dourados. Mesmo assim, a era do rádio - e de suas cantoras - ainda pede um documentário com visão mais ampla e imparcial sobre o glorioso período musical e sobre as suas vozes mais significativas.

'La Plata' do grupo Jota Quest chega às rádios

Chega às rádios nesta quinta-feira, 2 de outubro de 2008, a música La Plata, que puxa o novo CD de inéditas do Jota Quest - além de dar título ao disco. A propósito, a capa do álbum está em sintonia com o momento delicado que vive o mercado financeiro em todo o mundo, com as oscilações da bolsa. Produzido por Liminha, La Plata apresenta no repertório autoral a primeira parceria do grupo com Nelson Motta, Ladeira, e chega às lojas na segunda quinzena deste mês de outubro de 2008, via gravadora Sony BMG.

Bethânia produz CD de Velloso para a Quitanda

Maria Bethânia decidiu produzir um disco do compositor baiano J. Velloso - que vem a ser seu sobrinho - para ser lançado em 2009 pelo artesanal selo Quitanda, dirigido pela cantora e vinculado à gravadora Biscoito Fino. E por falar em Bethânia, a intérprete já amealhou tantas músicas para seu álbum de inéditas - e ela ainda continua colhendo material entre seus compositores favoritos... - que cogita a possibilidade de gravar dois CDs por conta da alta qualidade do repertório. Bethânia deverá entrar no estúdio da Biscoito Fino a partir de novembro de 2008.

Luiza Possi lança música inédita no MySpace

Luiza Possi badala uma música inédita em sua página no site MySpace. Trata-se da canção Eu Espero, parceria da cantora com Dudu Falcão, já incluída por Luiza no roteiro de shows mais recentes. A música, aliás, vai fazer parte do repertório do quarto álbum de inéditas da artista - o quinto de sua discografia - e sinaliza perigosa guinada rumo a um cancioneiro mais autoral.

1 de outubro de 2008

Nana vai gravar inéditas após recesso por luto

Tão logo saia do recesso motivado pelo luto por conta da morte de seus pais, Dorival Caymmi (1914 - 2008) e Stella Maris (1922 - 2008), Nana Caymmi vai gravar um disco de inéditas - o primeiro desde Desejo, de 2001. Nana já estava em processo de seleção de repertório, ao lado do produtor José Milton, quando a internação de sua mãe e o conseqüente agravamento do estado de saúde de Dorival a levaram a interromper a escolha das músicas. "Já temos seis ou sete músicas novas", contabiliza José Milton. A entrada em estúdio depende da recuperação de Nana, que passa por período de natural desânimo. O álbum vai ser feito de forma independente.

Lenine canta 'Saci' no DVD de Guinga e Santos

Lenine pôs voz na única faixa cantada, Saci, do DVD e CD que Guinga (ao violão) gravou com o clarinetista Paulo Sérgio Santos (à direita) no último sábado, 27 de setembro de 2008, em Araras (Petropólis - RJ). A gravação, que vai ser editada pela Biscoito Fino, foi feita pela produtora Cineviola em estúdio, mas como se fosse ao vivo. O repertório apresenta quatro inéditas entre as 20 músicas. A descontraída foto - de Fernando de Aratanha - flagra também o baterista Jurim Moreira (à esquerda), músico do disco.

Milton canta e toca sanfona com autor mineiro

Cantor e compositor das Geraes, natural de Três Pontas, Heitor Branquinho lança seu segundo CD, Um Branquinho e um Violão, com direito a duas intervenções de Milton Nascimento. Sempre generoso no atendimento de convites para participar de gravações de artistas iniciantes, Milton toca sua sanfona de oito baixos em Amigo (música de autoria de Branquinho) e faz dueto vocal com o colega mineiro em O que Vale É o Nosso Amor, tema também oferecido, como faixa-bônus, numa versão remixada pelo DJ carioca Marcelinho da Lua em ritmo de drum'n'bass. Gravado ao vivo em show intimista realizado em 25 de agosto de 2007, no Museu do Café, no Hotel Fazenda Pedra Negra, em Três Pontas (MG), Um Branquinho e um Violão alude à Bossa Nova no seu título, mas transita por ritmos como samba, choro e ijexá em repertório formado por 16 músicas autorais. Entre elas, Comboio, Xadrez, Alma Itinerante, Parque, Doçura, Beleza e Foi-se o Amor.

Titãs fazem a festa dos fãs com imagens do baú

Resenha de filme
Título: Titãs - A Vida
até Parece uma Festa
Direção: Branco Mello
e Oscar Rodrigues
Alves
Cotação: * * * *
Em exibição no Festival
do Rio 2008
Mostra Première Brasil
* 1º de outubro
(Odeon, às 13h30m)
* 2 de outubro
(Estação Vivo Gávea 3,
às 13h30m e às 20h)

Em muitos momentos dos anos 80 e 90, a vida pareceu mesmo uma festa, e das boas, para os Titãs, o octeto paulista que pulou da cena underground de Sampa para o primeiro escalão do rock made in Brazil que arrombou as portas da indústria fonográfica a partir de 1982. Enquanto se divertia, um dos músicos do grupo, Branco Mello, registrou toda a festa, na qual sua banda entrou em 1984. Valendo-se somente desse vasto material de arquivo e de imagens cedidas por várias emissoras de televisão, o delicioso documentário Titãs - A Vida até Parece uma Festa - um filme de Branco, mas com direção e edição assinadas por ele com Oscar Rodrigues Alves - conta a jogação do grupo naqueles tempos de diversão e arte. Por não apresentar entrevistas e depoimentos colhidos especialmente para o filme, o documentário se isenta de oferecer visão crítica da trajetória do grupo, pontuada por altos e baixos. Mas é inegável que faz a festa dos fãs com imagens raras (ou mesmo inéditas) captadas em estúdios de gravação, ensaios, camarins e momentos de lazer. O valor documental das imagens é indiscutível. O roteiro eterniza desde apresentações seminais da banda que ainda se intitulava Titãs do Iêiê - e fazia shows com seus inacreditáveis penteados em palcos paulistas como o do Sesc Pompéia - até imagens consagradoras como o espontâneo e forte coro popular que encorpou a interpretação de Marvin solada por Nando Reis no show da banda no festival Rock in Rio II, no Maracanã (RJ), em 1991. A edição e a mixagem do som - na qual Denílson Campos colaborou com Branco e Oscar - são primorosas, sobretudo quando o documentário rebobina Sonífera Ilha num mix de takes extraídos de dublagens da música em programas de auditório comandados por apresentadores de TV como Barros de Alencar, Bolinha, Chacrinha e Hebe Camargo. A propósito, os Titãs transitaram desde sempre pelas atrações mais populares da televisão, sem preconceitos, e essa disposição para fazer parte do circo da telinha rende uma das cenas mais hilárias do filme, quando alguns integrantes da banda topam salvar uma moça de uma aranha gigante, no programa de Gugu Liberato. É impagável!

Ao rememorar a festa dos Titãs, o filme atiça a memória afetiva do espectador que viveu aqueles tempos roqueiros. A rigor, entre imagens de bastidores profissionais e cenas de lazer como o banho de cachoeira tomado na Chapada dos Guimarães (MT), pouco ou nada é revelado no filme. Contudo, a cena em que o produtor Liminha dá um esporro monumental no baterista Charles Gavin - durante a gravação da música Violência - desvenda ainda que por breves instantes a tensão que cerca a produção de um disco. Aliás, a vida nem sempre foi uma festa. E a morte de Marcelo Fromer em 2001, abordada a partir de reportagens exibidas pela televisão, exemplifica os momentos de ressaca raramente retratados no filme. A partida de Fromer fez a banda acordar de seu sonho de Peter Pan e perceber que "a vida é de verdade", como confidencia Tony Belloto em lúcido depoimento para um telejornal. A festa começaria a perder um pouco o encanto quando Nando Reis também resolveu partir, mas apenas do grupo, reduzindo os Titãs a um quinteto e abrindo ferida ainda não cicatrizada. Enfim, Titãs - A Vida até Parece uma Festa cumpre bem a proposta de pincelar momentos da história da banda a partir de seus arquivos pessoais e funciona como o complemento visual da boa biografia homônima editada pelos jornalistas Luiz André Alzer e Hérica Marmo. Indicado apenas para iniciados no tema, o filme jamais expõe a importância capital do grupo no rock brasileiro dos anos 80 e 90, mas, caso os Titãs façam parte de sua vida, você já sabe a importância da banda e, portanto, vai se divertir - muito - na festa.

30 de setembro de 2008

'Bicho' puxa o disco infantil de Ivete com Saulo

Bicho é a música escolhida para puxar o disco infantil gravado por Ivete Sangalo com Saulo Fernandes. Nas lojas a partir de 8 de outubro de 2008, numa parceria da Caco Discos com a gravadora Universal Music, o CD A Casa Amarela reúne 11 composições inéditas criadas por Ivete e Saulo com inspiração nas canções infantis que ouviram quando eram crianças. Xuxa participa da faixa Sono. Temas como Funk do Xixi e Frufru são solados por Ivete enquanto Saulo interpreta músicas como Sensacional e A Casa Amarela. A dupla assina o projeto como Veveta e Saulinho - apelidos pelos quais eram e ainda são chamados por seus amigos.

DVD capta as tensões de Beth em festival suíço

Resenha de DVD
Título: Live at
Montreux 2005
Artista: Beth
Carvalho
Gravadora: Eagle
Vision / ST2
Cotação: * * 1/2

Quarto DVD da repetitiva videografia digital de Beth Carvalho, o registro ao vivo capturado na terceira ida da cantora ao Festival de Montreux, em 2005, certamente só chega às lojas porque a gravadora Eagle Vision (cujos produtor são distribuídos no Brasil pela ST2) tem o direito de editar em DVD os shows que filma no festival suíço. Em diversos momentos, a filmagem capta as tensões da sambista em cena. Seja nos olhares (quando algo não saía como previsto), seja no toque que dá a platéia de que ainda não era hora de expor os lenços brancos dados pela produção. Aliás, o efeito desejado pela artista era para o belo samba Lenços Brancos, única real novidade na voz de Beth. Para seus fãs brasileiros, o roteiro deste Live at Montreux 2005 rebobina o mesmo repertório usualmente apresentado pela artista em seus shows nacionais. De diferente, ou quase, há o dueto tenso com Jorge Aragão em Tem Nada Não, a abordagem de Chega de Saudade em clima de pagode - lançada pela cantora em seu grande disco Beth (1986) - e o acompanhamento, em todo o show, do Quinteto em Branco e Preto. Enfim, um registro que não extrapola o valor documental e que somente reforça a urgência de Beth Carvalho renovar logo seu repertório com um necessário disco de inéditas. Já passa da hora!

DVD preserva a leveza do samba de Maria Rita

Resenha de DVD
Título: Samba Meu
Artista: Maria Rita
Gravadora: Warner
Music
Cotação: * * * *

Na emocionante (e hoje já histórica) entrevista que deu a Daniel Filho para o especial Mulher 80, Elis Regina (1945-1982) disse, com olhos marejados, que desejava que a filha Maria Rita, então com dois anos, soubesse levar a vida com leveza. Elis nunca foi uma pessoa leve. E Rita, ao se lançar como cantora, parecia que ia pelo mesmo caminho. Ao estrear seu primeiro grande show em 2003, a cantora exibiu no palco um ar senhoril que não combinava com os 26 anos que tinha na época. Rita chegou à cena como a segura cantora que, de fato, ela já era. Mas foi preciso cortar o cordão umbilical, afrouxado no controvertido álbum Segundo (2005) e rompido no CD Samba Meu, cujo show chega ao DVD posto nas lojas neste mês de setembro de 2008 pela Warner Music, com o registro ao vivo captado em 10 de junho na casa Vivo Rio (RJ), com direção de Hugo Prata. Samba Meu, o show, flagra Maria Rita jovem como nunca aos 30 anos - agora ela já tem 31 - e com a leveza desejada por sua mãe naquele pungente depoimento. Sem firulas, a filmagem preserva a jovialidade do samba de Maria Rita, que soou mais contagiante no palco do que no (bom) álbum homônimo de 2007. O roteiro perpetuado no vídeo é, em essência, o mesmo da estréia do show, ocorrida aos primeiros minutos de 1º de dezembro de 2007, numa Fundição Progresso (RJ) lotada (é pena que sem Veja Bem, meu Bem, então revivida em belo arranjo que incorporava ao fim o ronco de uma cuíca). E o que se vê é uma cantora com pleno domínio da voz, do corpo - o gestual da artista parece indissociável de seu canto - e do público, majoritariamente jovem como ela. Rita entendeu o recado de Elis.

Uniforme, Parede cai no suingue afro-brasileiro

Resenha de CD
Título: Ponto Enredo
Artista: Pedro Luís
e a Parede
Gravadora: EMI Music
Cotação: * * * *

Lenine deu belo polimento à Parede solidificada por Pedro Luís. Ponto Enredo é o mais uniforme dos quatro álbuns do grupo carioca e roça o alto nível de Vagabundo, o CD de 2004 dividido com Ney Matogrosso. Não se trata de um disco ortodoxo de samba como fazem supor a escolha equivocada da música de trabalho (Santo Samba, uma das mais fracas da ótima safra de inéditas) e a justa participação de Zeca Pagodinho no envolvente partido alto Ela Tem a Beleza que Nunca Sonhei. Pedro e a Parede partem do samba para cair no suingue afro-brasileiro, mais perceptível na faixa-título, em Mandingo (parceria de Pedro com Roque Ferreira) e em Luz da Nobreza, música de Pedro e Zé Renato que conta com suaves floreios vocais de Roberta Sá. Há inclusive toda uma ambiência roqueira - urdida pelas guitarras de Leo Saad - em Animal (Suely Mesquita e Pedro Luís) e, sobretudo, em Tem Juízo, mas Não Usa (Pedro com Lula Queiroga). Da mesma forma que Cantiga - de melodia construída sobre versos de Manuel Bandeira - navega em águas nordestinas com o suingue metaleiro da Trombonada. Contudo, é inegável que o balanço do samba pontua Ponto Enredo. Seja em 4 Horizontes, deliciosa faixa cantada e e composta por Pedro com o produtor Lenine, seja em Cabô, que apropriadamente encerra o coeso álbum. Aliás, nem fecha, pois há ponto afro escondido ao fim da suposta última faixa.

29 de setembro de 2008

CD de 'Três Irmãs' tem inéditas de Leo e Penca

Com gravações inéditas de Leo Jaime (Maior Abandonado, um cover do rock lançado pela banda Barão Vermelho em 1984) e do ressuscitado grupo João Penca e seus Miquinhos Amestrados (Sol, Som, Surf e Sal, versão de Surfin' Safari - tema dos Beach Boys), o CD com a trilha sonora da novela Três Irmãs vai chegar às lojas no início de outubro pela gravadora Som Livre. Como o surfe é um dos temas centrais da trama de Antonio Calmon, a seleção musical inclui músicas de artistas identificados com um som praieiro. Eis as 17 faixas da ensolarada trilha, que traz gravação ainda inédita de Marisa Monte (Não É Proibido, faixa extraída do DVD Infinito ao meu Redor) e combina músicas brasileiras com estrangeiras:

1. Midnight Bottle - Colbie Caillat
2. 10 Contados - Céu
3. Morena Nativa - Armandinho
4. Summer at Eureka - Pete Murray
5. Sonífera Ilha / Ska - Paralamas do Sucesso e Titãs
6. Mais - Capital Inicial
7. Barbara Ann - The Beach Boys
8. Maior Abandonado - Leo Jaime
9. Moça - Caetano Veloso
10. E Não Vou Mais Deixar Você Tão Só - Liah
11. Medo de Amar nº 2 - Simone
12. Não É Proibido - Marisa Monte
13. Esquisito - Tânia Christal
14. Maracangalha - Diogo Nogueira
15. Don't Worry, Be Happy - Mart'nália
16. Sol, Som, Surf, Sal (Surfin' Safari) - João Penca e seus Miquinhos Amestrados
17. Meu Erro - Paralamas do Sucesso e Titãs

Sai de cena, aos 56, o baterista Gigante Brazil

Saiu de cena nesta segunda-feira, 29 de setembro de 2008, o baterista e percussionista Gigante Brazil, nome artístico de Jorge Luiz de Souza. Vítima de uma parada cardíaca, Gigante tinha um suingue enorme, tendo tocado eventualmente com nomes como Caetano Veloso e Gilberto Gil. Em 1991, ele teve grande exposição ao participar do disco e show Mais, de Marisa Monte. Eram de Gigante os vocais na faixa Ensaboa. Mas sua carreira começara bem antes, em 1969, quando fundou a banda Massa Experiência. Em 1975, formou outra banda, Sindicato, depois de ter tocado com Jorge Mautner. Em 1980, Gigante teve seu primeiro instante de visibilidade nacional ao defender a música Rastapé - ao lado de Chico Evangelista - no festival MPB-80, promovido e exibido pela Rede Globo de Televisão. Ainda na década de 80, integrou as bandas Isca de Polícia - liderada por Itamar Assumpção - e Gang 90, com a qual lançou o LP Pedra 90. Em 2006, Gigante Brazil se assumiu como cantor no disco Música Preta Branca e etc. - gravado em dupla com o baixista Paulo Lepetit e lançado pelo próprio selo de Lepetit, Elo Music, na série CD7. Merecia ter obtido mais projeção.

Zeca dá outra prova de amor ao melhor samba

Resenha de CD
Título: Uma Prova
de Amor
Artista: Zeca Pagodinho
Gravadora: Universal
Music
Cotação: * * * *

Desde que Zeca Pagodinho ingressou na gravadora hoje denominada Universal Music, em 1995, os discos do sambista copiam mais ou menos a receita certeira que, pilotada pelo produtor Rildo Hora, reabilitou o cantor no mercado fonográfico depois de um período de baixa na BMG. Uma Prova de Amor segue tal fórmula, só que com a inspiração e o frescor que pareciam mais rarefeitos em À Vera (2005), último álbum de estúdio e inéditas de Zeca. Não se deixe impressionar pela faixa-título, escalada para abrir os trabalhos. Uma Prova de Amor - o samba de Nelson Rufino e Toninho Geraes, não o disco - tenta clonar sem sucesso a cadência baiana de Verdade e Samba pras Moças, os dois maiores sucessos de Zeca na segunda metade dos anos 90. Não colou muito. Mas não julgue o álbum pelo seu pretenso hit radiofônico. O repertório, no todo, é excelente. Dois altíssimos partidos - Se Eu Pedir pra Você Cantar e Sempre Atrapalhado - atestam que a parceria de Zeca com Arlindo Cruz permanece vigorosa. E o suingue da gafieira, mote do último disco do artista, ecoa em faixas como Terreiro em Acari e Sincopado Ensaboado. Em diversas provas de amor ao melhor samba carioca, Zeca canta belo tema da lavra fina de Luiz Carlos da Vila (Então Leva, com Bira da Vila), faz a crônica dos costumes pagodeiros em Normas da Casa, dá seu recado político em Eta Povo pra Lutar e apresenta inédita de Monarco com Mauro Diniz - Não Há Mais Jeito, em que os autores parecem perseguir a melodia e o lirismo popular de Coração em Desalinho - e recebe reverente a Velha Guarda da Portela na regravação de Esta Melodia (Bubu e Jamelão) - aliás, como é difícil esquecer o registro sublime de Marisa Monte! - e no pot-pourri que une os sambas antigos Falsas Juras, Pecadora e Manhã Brasileira. Fora do chão carioca, Zeca pisa bem no terreno caipira no calangueado partido Sujeito Pacato, parceria de Serginho Meriti e Claudinho Guimarães, depois de exaltar o sincretismo religioso brasileiro em Ogum, com direito à oração declamada por Jorge Ben Jor, devoto de Jorge, o santo homônimo. E, no fim, como faixa-bônus, há a presença inusitada de João Donato, com quem Zeca - à vontade - revive Sambou... Sambou, ótimo tema de Donato (que toca seu personalíssimo piano na faixa) com João Mello. Enfim, mais um grande CD do artista. Embora siga fórmulas, Zeca é fiel a si mesmo.

Fiel ao thrash, Soulfy dosa fusões em 'Conquer'

Resenha de CD
Título: Conquer
Artista: Soulfly
Gravadora: Roadrunner
Records / Warner Music
Cotação: * * * 1/2

Sexto bom álbum do Soulfly, o grupo logo formatado por Max Cavalera após a sua saída do Sepultura, Conquer flagra a banda mais fiel aos cânones do thrash metal, sem priorizar as fusões e experimentações que, outrora, nortearam o trabalho do Soulfly. Já na primeira explosiva faixa de abertura do CD, Blood Fire War Hate, dá para perceber a velocidade, o peso e a energia que pontuam a maior parte das 11 inéditas. Impressão que se confirma em temas como Warmageddon e For Those about to Rot. Com boa vontade, Conquer evoca até os tempos áureos do Sepultura. Inclusive nas músicas temperadas com ingredientes ausentes da receita básica do metal - caso de Doom, que ganha uma pitada de reggae. Por isso mesmo, metaleiros mais radicais deverão preferir Unleash, um declarado tributo ao som e ao estilo do Black Sabbath. Gostos à parte, não deixa de ser uma ironia que Conquer reabilite o Soulfy na cena metaleira no momento em que o Sepultura amarga período de baixa no mercado estrangeiro.

28 de setembro de 2008

'Palavra' encanta ao relacionar música e poesia

Resenha de filme
Título: Palavra Encantada (Brasil, 2008)
Direção: Helena Solberg
Argumento: Marcio Debellian
Cotação: * * * * 1/2
Em exibição no Festival do Rio 2008 (Mostra Première Brasil)
* 29 de agosto de 2008, Estação Vivo Gávea 3 (15h40m e 22h10m)

"Não tenho pretensão de ser chamado de poeta. Não sou poeta", isenta-se Chico Buarque em depoimento para o filme Palavra Encantada, instantes depois de outro grande letrista da música brasileira, Paulo César Pinheiro, sentenciar que nenhum poeta tem autoridade para questionar o status de poeta ao qual Chico faz jus - na opinião de Pinheiro. Ao discutir a relação entre música e poesia, por meio de uma série de saborosos depoimentos, o documentário de Helena Solberg e Marcio Debellian encanta os admiradores da poética música brasileira com narrativa sedutora.

Aberto pela voz de Adriana Calcanhotto, que entoa a canção medieval Chanson Doil Moz Son Plan et Prim, numa referência aos trovadores provençais, Palavra... encanta porque explana o tema sem didatismo e sem tomar posição de nenhuma corrente de pensamento. "A vida é curta", diz Calcanhotto, espirituosa, ao evitar entrar na discussão se letra de música é poesia. Mas o fato é o que tema inflama. Tanto que Chico Buarque lembra que o poeta João Cabral de Melo Neto (1920 - 1999) recusou de início a idéia de os versos de sua Morte e Vida Severina serem musicados pelo então inexperiente Chico (Cabral se renderia ao sucesso da peça).

Pelo teor dos depoimentos, Palavra Encantada oferece bom painel da evolução da poesia na música brasileira. O próprio Chico Buarque ressalta o valor da obra intuitiva de compositores sem formação literária, oriundos dos morros cariocas, como Cartola (1908 - 1980). "Cartola talvez fosse poeta se não tivesse o recurso musical", acredita Chico. A propósito, Martinho da Vila - com visão crítica que, às vezes, escasseia nos depoimentos - lembra que a violência diluiu a força poética da música feita no morro, hoje dominado pelo funk e pelo rap. "O rap é a continuação do cordel", defende convicto o rapper Ferréz, lembrando a vertente nordestina da música brasileira também valorizada por Arnaldo Antunes. "Sempre fui fascinado pelos cantadores do Nordeste. Parece que aquilo é milenar...", suspeita Antunes, com reverência.

Se o filme peca por não dar a palavra aos repentistas, ele acerta ao destacar - por meio de depoimentos de nomes como o compositor Luiz Tatit - o papel do Tropicalismo na ruptura das tradições poéticas da canção brasileira. "Você ouve uma música do Djavan e às vezes nem sabe do que ele está falando", exagera Tatit, exemplificando o uso da liberdade poética conquistada pelos tropicalistas e usufruida até hoje pelos compositores. É quando Lenine entra em cena para cantar Meu Amanhã, música cuja letra foi construída com base nas sonoridades das palavras. E, se o assunto é poesia na música, não poderiam faltar um depoimento de Antonio Cícero (que recita Eu Vi o Rei, poema musicado por Marina Lima) e uma menção especial a Dorival Caymmi (1914 - 2008), visto e ouvido cantando O Mar num raro take de 1940. "É preciso ficar de pé para falar de Caymmi. Dorival Caymmi é como Guimarães Rosa: é um Brasil bruto, puro, iluminado. Caymmi é o céu e a terra", reverencia Maria Bethânia, intérprete que sempre conjugou música e poesia em seus shows e - por isso mesmo - tem presença destacada em Palavra Encantada, inclusive lendo poema de Fernando Pessoa, Eros e Psiquê, especialmente para as câmeras dirigidas por Helena Solberg. "Eu cheguei a Fernando Pessoa via Maria Bethânia", relata Calcanhotto, que, assim como abre, encerra Palavra Encantada com registro inédito de Minha Música. Enfim, trata-se de filme delicioso que torna leve uma discussão que, em abordagem mais acadêmica, soaria chata...

Skank porta quatro de Nando no seu Estandarte

Oitavo álbum de inéditas do Skank (em foto de Weber Pádua), Estandarte chega às lojas a partir de quarta-feira, 1º de outubro de 2008, pela Sony BMG. Produzido por Dudu Marote, o CD apresenta - entre 12 inéditas - quatro parcerias do vocalista e guitarrista do grupo, Samuel Rosa, com Nando Reis. Ainda Gosto Dela (faixa eleita a música de trabalho do disco e já escalada para a trilha sonora da nova novela das 18h da Rede Globo, Negócio da China), Pára-Raio, Renascença e Sutilmente são as quatro faixas que levam a assinatura de Nando. Já o guitarrista César Maurício, parceiro mais recente de Samuel, é co-autor de duas músicas, Assim sem Fim e Noites de um Verão Qualquer. Por sua vez, Chico Amaral emplacou em Estandarte nada menos do que seis colaborações com o onipresente Samuel Rosa. Entre as seis, figuram Chão, Escravo, Canção Áspera e Notícias do Submundo.
Décimo título da discografia do Skank (se contabilizada a única coletânea do grupo, Radiola, editada em 2004 com gravações inéditas), Estandarte foi mixado por Michael Fossenkemper e masterizado por Bob Ludwig, em Nova York (EUA) e em Portland (EUA), respectivamente. Segundo declarações do empresário da banda, Fernando Furtado, o álbum causa intencional ruptura na trilogia britânica iniciada pelo quarteto no belo Maquinarama (2000), bem desenvolvida em Cosmotron (2003) e finalizada - com um repertório de menor inspiração - em Carrossel (2006).

Filme revive som, fúria e amor de Joe Strummer

Resenha de filme
Título: Joe Strummer
- O Futuro Está para
Ser escrito
(Joe Strummer
- The Future
Is Unwritten.
Inglaterra, 2007)
Diretor: Julie Temple
Cotação: * * * *
Em exibição no Festival
do Rio 2008
* Segunda-feira, 29 de
agosto de 2008 (Palácio 2,
às 16h30m e às 21h30m)

Sete anos após inventariar o legado da banda The Sex Pistols no documentário O Lixo e a Fúria (Inglaterra, 2000), o diretor Julie Temple aborda outro grupo ícone do punk britânico, The Clash, através da figura central da banda, o cantor e guitarrista Joe Strummer (1952 - 2002). Lançado em 2007 e ora em exibição no Brasil no Festival do Rio, o filme Joe Strummer - O Futuro Está para Ser Escrito reafirma a habilidade de Temple para retratar astros com ternura, mas com todas suas contradições. Em montagem ágil, costurada por trechos de desenhos animados e por gravações do Clash (como as raras demos de White Riot e I'm so Bored with the U.S.A.), o documentário inventaria de forma cronológica a vida de Strummer, cheia de som, fúria e amor. A propósito, a ideologia humanista do artista é focada na parte final de um filme que expõe as diversas facetas do músico, ídolo de uma época em "o rock'n'roll era uma questão de vida ou morte", como ressalta Bono Vox, um dos entrevistados de um filme que também entrelaça depoimentos de Flea (Red Hot Chili Peppers), do ator John Cusak, do diretor Martin Scorsese e dos sobreviventes do Clash. O retrato é bonito...

O filme recorda que Strummer - filho de mãe escocesa e pai de ascendência indiana -teve infância e adolescência nômades por conta do trabalho como diplomata do pai, Ron. Sem nunca pesar a mão, Temple toca em questões delicadas - como o suicídio do irmão de John Graham Mellor (esse era o nome de batismo de Joe), David - antes de refazer os passos do artista na música. Meio no qual foi iniciado por Tymon Dogg, músico que tocava nas ruas de Londres. Da formação da primeira banda, 101ers, à criação do Clash, em 1976, foram apenas alguns efervescentes anos. No posto de líder do Clash, Strummer assumiu a função de porta-voz dos fracos e oprimidos pela dura sociedade inglesa. O que o levou a se envergonhar de ter estudado em colégios caros. E a se sentir desconfortável quando o Clash o transformou num popstar. O documentário mostra como o egocentrismo de Strummer ajudou a implodir a banda e como, mais tarde, ele superou seu fim ao formar o grupo Joe Strummer & The Mescaleros. É quando o jovem furioso deu lugar a um homem maduro e pacifista que promoveu acampamentos coletivos e que nunca escondeu o amor pelas filhas. Ao esmiuçar na tela o passado de Strummer, sem fazer julgamentos, Julie Temple dá grande contribuição aos futuros roqueiros que, através deste filme, poderão entender com mais clareza a mente de um dos letristas mais inteligentes do punk rock.

Tributo a Bezerra capta o espírito de seu samba

Resenha de CD
Título: Tributo a
Bezerra da Silva
Artista: Vários
Gravadora: Som Livre
Cotação: * * * *

Bezerra da Silva (1927 - 2005) deu voz através de seus discos a uma gama de bons compositores postos à margem pelo mercado fonográfico brasileiro por serem oriundos, em sua grande maioria, de morros e favelas cariocas. Ou de distritos muito pobres da Baixada Fluminense (RJ). Por radiografar os códigos e costumes desse povo, em constante luta contra a dureza do cotidiano, o samba cantado por Bezerra era tão peculiar que parecia somente fazer sentido em sua voz. Tese desmentida pelo CD e DVD Tributo a Bezerra da Silva, gravados ao vivo em 2005, em show na Fundição Progresso, e ora editados pela gravadora Som Livre. A turma de convidados - BNegão, Beth Carvalho, Dicró, Jards Macalé, Marcelo D2, Nação Zumbi e Otto, entre outros - entendeu o espírito da coisa e defende bem os sambas lançados por Bezerra.

Se o CD apresenta 14 números, o DVD entrelaça 17 com trechos de entrevista concedida por Bezerra - ele faleceu pouco antes da gravação do tributo - e com os depoimentos de compositores recorrentes na obra do artista, nascido em Pernambuco, mas radicado no Rio de Janeiro (RJ) desde a juventude. D2 obviamente está à vontade em A Fumaça Já Subiu pra Cuca pela afinidade temática que o faz voltar à cena - em dueto com João Gordo - em A Semente. Pela intimidade com o samba, Beth Carvalho dá boa voz ao Desabafo do Juarez na Boca do Mato. Estranhos no ninho, Max de Castro canta Vida de Operário e Daúde reafirma o suingue ao fazer Transação de Malandro. BNegão encara Bicho Feroz com a força do rap. Já Elza Soares defende Candidato Caô Caô com a habitual ginga. Por sua vez, Jards Macalé - um artista bem mais marginalizado pelo mercado do que o próprio Bezerra - revive Defunto Cagüete sem trair o compasso do samba enquanto a Nação Zumbi se revela talhada para cortar o Côco do B com seu balanço antenado. A música é lembrança dos tempos - meados dos anos 70 - em que Bezerra tentava seu lugar ao sol fonográfico gravando discos de côco. Já Pedro Luís e a Parede reabilitam Verdadeiro Canalha com a espontaneidade que inexiste em Tuca da Silva, filho de Bezerra, escalado pelo parentesco para entoar Se Não Fosse o Samba. Enfim, trata-se de um tributo com os naturais altos e baixos. E, como tributo, o DVD e o CD cumprem sua função de celebrar a obra peculiar de Bezerra da Silva, partideiro indigesto para a elite por ter dado voz a sambas politizados que denunciam injustiças sociais e que - por isso mesmo - infelizmente permanecem atuais...