Resenha de showTítulo: Itaúbrasil - Homenagem a Tom JobimArtistas: Caetano Veloso e Roberto CarlosLocal: Theatro Municipal do Rio de Janeiro (RJ)Data: 22 de agosto de 2008Cotação: * * * * *Em cartaz no Auditório Ibirapuera (SP) em 25 e 26 de agostoFoto: Factoria Comunicação / Beti Niemeyer
Nem o vacilo de Roberto Carlos ao esquecer um vocal de Garota de Ipanema - no primeiro dos sete duetos que fez com Caetano Veloso no show antológico em que os cantores reverenciaram a obra de Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994) - e tampouco a opção infeliz do Rei por apresentar Insensatez em espanhol ("Eu tive o atrevimento de fazer esta letra") tiraram um pouco que seja o brilho de um espetáculo belo, memorável e histórico. Quando as cortinas do Theatro Municipal do Rio de Janeiro (RJ) se fecharam às 23h07m da noite de 22 de agosto de 2008, após um segundo bis dado com descontraída versão de Chega de Saudade, a platéia já estava em estado de graça. Tanto pelos encontros dos dois cantores - com destaque para o gracioso diálogo travado por Caetano e Roberto em Teresa da Praia, recriando o dueto feito por Dick Farney (1921 - 1987) com Lúcio Alves (1927 - 1993) em 1954 - como pelo prazer de ver o Rei deixar de gravitar em torno de sua obra autoral para pôr sua voz privilegiada em favor do cancioneiro soberano de Tom Jobim. Foi um show emocionante que levou grande parte da platéia às lágrimas em vários números.
Com 35 minutos de atraso em relação ao horário marcado (21h), Nelson Motta entrou em cena para dar um "Boa noite, Rio de Janeiro". Após breve texto sobre o Banco Itaú, patrocinador deste ciclo de eventos em homenagem aos 50 anos da Bossa Nova, as cortinas se fecharam, as luzes se apagaram e ouviu-se, em off, o áudio de um encontro entre Jobim (visto em foto de juventude exposta no painel que serviu de cenário), João Gilberto e Vinicius de Moraes (1913 - 1980). Na seqüência, as cortinas se abriram e Roberto e Caetano - já bem acomodados em seus respectivos banquinhos - cantaram juntos Garota de Ipanema, boa parte em uníssono. O Rei não conseguiu disfarçar certa tensão que somente começou a se dissipar no número seguinte, Wave, com direito a trechos instrumentais que evocavam o arranjo da gravação original de Tom Jobim. "É uma honra, uma alegria, uma coisa maravilhosa, fazer este show em homenagem a Antonio Carlos Jobim junto a Caetano, um cara que eu admiro e respeito", afagou Roberto, dizendo que ia deixar o palco para o colega, mas se esquecendo que, antes da parte solo de Caetano, Daniel Jobim, neto de Tom, cantaria Águas de Março com os vocais e o chapéu de palha que remetem à figura de seu avô. Um momento afetivo...
Ao fim do número de Daniel, Caetano reapareceu no palco para fazer seu set individual, iniciado em tom solene e camerístico com Por Toda a Minha Vida. A leveza característica da bossa já cinqüentenária reapareceu no número seguinte, Ela É Carioca. Na seqüência, o cantor apresentou versões clássicas de Inútil Paisagem (com realce das cordas da orquestra regida pelo maestro Jaques Morelenbaum), Meditação e Caminho de Pedra, a surpresa e o grande momento do bloco de Caetano. Um arranjo grandioso percorreu todos os caminhos sinuosos da melodia pouco conhecida de Tom e Vinicius. "Ela tem um mistério diferente", sintetizou o intérprete ao discursar sobre a música, conhecida por Caetano através de Canção do Amor Demais, o álbum dedicado por Elizeth Cardoso (1920 - 1990) em 1958 à parceria de Jobim com o Poetinha. Finalizando seu bloco, de todo arrebatador, Caetano entoou O que Tinha de Ser em tom sublime.
Após número instrumental, a imagem de Tom Jobim apareceu no telão, tocando ao piano Estrada do Sol, sua parceria com Dolores Duran (1930 - 1959). Foi a deixa para a volta à cena de Roberto Carlos num bloco que começou estranho com a versão em espanhol de Insensatez, mas que logo encontrou seu tom - tradicional, bem ao gosto conservador do Rei - no número seguinte, Por Causa de Você, outra parceria de Jobim com Dolores. A partir daí, o set de Roberto foi crescendo a cada música. Lígia - com direito à exibição no telão de um trecho de seu especial natalino de 1978, ano em que o Rei recebeu o Maestro Soberano para cantar esse mesmo tema - foi um grande momento. Contudo, o medley que, pela temática carioca, uniu Corcovado ao Samba do Avião foi também sedutor e ganhou o coro espontâneo da platéia. Na seqüência, Eu Sei que Vou te Amar encerrou o bloco de Roberto, então já sem a tensão perceptível no início do recital. Mas sempre com a emissão e a afinação perfeitas.
Encerrado seu set individual, o Rei convocou Caetano de volta ao palco para "levar um papo". Era a deixa para o charmoso dueto em Teresa da Praia, com direito a cacos de Roberto. A Felicidade e Chega de Saudade confirmaram a real interação entre os cantores, fechando o show às 22h57m. No primeiro bis, Se Todos Fossem Iguais a Você foi dedicada naturalmente a Jobim. No segundo bis, com a repetição de Chega de Saudade, o tom já era de descontração. Talvez porque Caetano Veloso e Roberto Carlos já soubessem que tinha feito História em recital que vai ficar na memória do privilegiado público carioca que conseguiu ver esse (improvável) encontro de dois grandes artistas no maior dos tons.