Resenha de CDTítulo: Flores doClube da EsquinaArtista: VáriosGravadora: EMI MusicCotação: * * 1/2Bem que Maria Rita, sondada para regravar Dos Cruces, pulou fora deste Clube da Luluzinha. A idéia, arriscada, era regravar músicas do álbum duplo Clube da Esquina, lançado por Milton Nascimento e Lô Borges em 1972. Título emblemático e até lendário da discografia de Milton, o álbum funcionou como uma carta de princípios de um movimento imaginário, pouco formal, mas enraizado no espírito gregário que fundamentou o clube e pôs a música das Geraes no mapa do Brasil. Sons mineiros se entrelaçavam com jazz, rock, MPB e o espírito dos Beatles (já dissolvidos na ocasião) - sustentados pela música poderosa de Milton Nascimento, compositor sem precedentes na história da música brasileira por conta de suas harmonias inventivas e do sopro de modernidade que sua obra exalava em direção diversa de todos os caminhos tomados na MPB, até então.
Escalado para a missão impossível de evocar a importância do Clube da Esquina através de regravações, Guto Graça Mello teria recusado de início a proposta. Contudo, convencido pela EMI Music, acabou aceitando o desafio com a idéia de inverter a proporção homem-mulher da ficha técnica do disco original - urdido com vozes quase que totalmente masculinas (a exceção era Alaíde Costa, convidada para um dueto com Milton no samba Me Deixa em Paz, de Monsueto). Mello formou então seu Clube da Luluzinha: convidou cantoras para reviver o repertório do álbum de 1972. Vozes que ainda não tinham voz quando o clube se abriu.
Sem o espírito gregário que norteou o disco original, as 12 cantoras presentes neste Flores do Clube da Esquina partiram caminhos diversos e individualistas com resultados irregulares. Ivete Sangalo temperou Cravo e Canela com a pulsação afro-pop-baiana que lhe cai bem e - justiça seja feita - a gravação representa até upgrade em seu repertório cada vez mais populista. Em vez de se juntar à banda arregimentada para gravar o CD, Roberta Sá recrutou o produtor Rodrigo Campello para arranjar Tudo que Você Podia Ser, mas a cantora não rende tudo que pode na faixa. Meg Stock deu acento roqueiro a Nada Será como Antes enquanto Marina de la Riva acertou com interpretação estilosa de Dos Cruces que vai num crescendo (a faixa dura quase sete minutos) e sobressai no CD. Na contramão da intensidade de Riva, Vanessa da Mata procurou acompanhar em tom suave o toque do piano de João Donato em Um Girassol da Cor do seu Cabelo. Já Luiza Possi procurou abordagem mais comportada de Paisagem na Janela. Por sua vez, Marjorie Estiano pegou O Trem Azul em equivocada estação adolescente. É a faixa mais constrangedora deste tributo...
Pautados por excessos de teclados, os arranjos - justiça seja feita - não ajudam as cantoras. O samba Me Deixa em Paz -revivido por Teresa Cristina com Seu Jorge (bissexta presença masculina no Clube da Luluzinha) em encontro idealizado para remeter ao dueto de Milton com Alaíde Costa - poderia soar mais sedutor com orquestração que explorasse mais o suingue do tema. Da mesma forma, Shirle de Moraes também parece não ter usado sua plena capacidade ao gravar San Vicente. Mais bonito fez Mariana Baltar, que cantou Cais com correção elegante em arranjo que persegue - assumidamente - a (imbatível) orquestração da gravação original.
Milton Nascimento - que, em princípio, não participaria do projeto - acabou indo ao estúdio para gravar vocais para duas faixas. Não por acaso, as faixas das duas cantoras radicadas em Minas Gerais. Com Marina Machado, Milton embarcou na Nuvem Cigana. Com a amapaense-mineira Fernanda Takai (que já precisa dosar suas participações em tributos e discos alheios para não cansar sua imagem), o compositor provou de novo Um Gosto de Sol em registro climático que, sim, soa bonito e fecha bem o disco.
Mesmo equilibrando erros e acertos, Flores do Clube da Esquina jamais atinge sua intenção de evocar a importância do álbum antológico de 1972. Os caminhos são outros. As esquinas são outras e mais solitárias. Já não há o espírito coletivo de antes. Nada foi como antes. E nada será como antes. Bem fez Maria Rita ao recusar a sua carteirinha de sócia desse Clube da Luluzinha...