Resenha de ShowTítulo: Homenagem ao Malandro
Artista: Jards Macalé e Maria Alcina
(em fotos de Mauro Ferreira)
Local: Teatro Nelson Rodrigues (RJ)
Data: 13 de outubro de 2009
Cotação: * * * 1/2
Em cartaz até 15 de outubro de 2009, às 20h
Um dos pioneiros do samba de breque - gênero que ele alegava ter criado e do qual foi o principal difusor -, Antônio Moreira da Silva (1902 - 2000), vulgo Kid Morengueira, encarnou a figura do malandro com seu terno de linho branco e seu chapéu panamá. A reboque de seus breques, que quebravam os sambas com humor e teatralidade, Moreira da Silva construiu ao longo da longeva carreira uma personagem que passou até a se confundir com sua figura real. Intérpretes de universos distintos, mas ambos logo empurrados para as vias alternativas do mercado fonográfico, Jards Macalé e Maria Alcina reavivam, cada um a seu modo, o espírito de Morengueira em Homenagem ao Malandro, show econômico, ora em temporada no Rio de Janeiro (RJ) até quinta-feira - 15 de outubro de 2009 - após ter estreado em Curitiba (PR).
Cantora de esfuziante presença cênica, Alcina abre os trabalhos, dividindo o palco do Teatro Nelson Rodrigues com o violonista Sérgio Arara. Expansiva, Alcina realça o tom cinematográfico de O Último dos Mohicanos (Miguel Gustavo) em narrativa que atinge seu ápice momentos depois com Os Intocáveis, outra pérola de Miguel Gustavo (1922 - 1972), um dos principais fornecedores do repertório de Kid Morengueira. Neste tema, o clima é de um filme policial, à moda das tramas de 007. Os sons ouvidos nas bases pré-gravadas remetem ligeiramente ao universo tenso do hip hop, numa curiosa amostra da sintonia precursora da temática dos sambas de Moreira com a narrativa de alguns raps da atualidade. Explosiva, Alcina valoriza cada verso, com a mesma verve com que realça as espirituosas crônicas sociais esboçadas em Cachorro de Madame (Wilson Pires e Moreira da Silva) e em Faustina (Gadé). Infelizmente, ao fim de seu bloco, a cantora trai o conceito do show e revive sucessos marcantes de sua carreira. Apesar da tentativa vã de esboçar um paralelo entre Moreira e seus hits, apresentando Kid Cavaquinho (João Bosco e Aldir Blanc) como "o primo do Kid Morengueira", o show somente retoma seu curso e seu (feliz) sentido original com a entrada em cena de Jards Macalé.
Um discípulo confesso de Morengueira, Macalé encarna com mais sutilezas o espírito de Moreira. O artista já entra quebrando tudo com seu violão em Acertei no Milhar. Na sequência, simula com a boca até o som de um piston ao fim de um tema de Billy Blanco, Piston de Gafieira, incorporado ao repertório de Moreira. Macalé mostra intimidade com sambas como Olha o Padilha (Bruno Gomes, Ferreira Gomes e Moreira da Silva) e Na Subida do Morro (Ribeiro Cunha e Moreira da Silva), apesar de um branco na estreia carioca do show o ter feito esquecer alguns versos deste clássico do repertório de Kid Morengueira. Como Moreira, Macalé adora contar um causo em cena. E ele prende a atenção da platéia ao recordar em detalhes o lendário episódio de sua prisão, em Vitória (ES), em 1978, quando percorria o Brasil em turnê com Moreira pelo Projeto Pixinguinha. O episódio rendeu, inclusive, a primeira parceria de Macalé e Moreira, Tira os Óculos e Recolhe o Homem, apresentada na sequência. No fim, Macalé revive Amigo Urso (Henrique Gonçalves), pretexto para a volta de Alcina à cena para um dueto no número seguinte, Resposta do Amigo Urso. Contudo, no palco, a interação entre esses cantores de verves próprias não se realiza a contento. Nem mesmo no número do bis, Cachorro de Madame, em que Macalé simula os latidos do cão perfilado na letra cantada por Alcina. Ainda assim, Homenagem ao Malandro é show sedutor e tem seu mérito somente pelo fato de celebrar a figura de Moreira, uma nobre personagem do samba.