Mar de Caymmi quebra bonito em palco carioca
Resenha de Musical
Título: O Bem do Mar
Direção: Antonio De Bonis
Elenco: Ana Velloso, Dandara Mariana, Daúde, Dério
Chagas, Fábio Ventura, Fael Mondego, Flávia Santana,
Gabriel Tavares, Izabella Bicalho, Lilian Valeska,
Marcelo Capobiango, Marcelo Vianna, Patrícia Costa
e Thiago Tomé
Foto: Divulgação / Guga Melgar
Cotação: * * * 1/2
Em cartaz no Teatro do Leblon - no Rio de Janeiro (RJ)
De quinta-feira a domingo, até 20 de dezembro de 2009
Retratos audiovisuais de uma mítica Bahia, os sambas buliçosos e as canções praieiras de Dorival Caymmi (1914 - 2008) deságuam em palco carioca. Em cartaz no Rio de Janeiro (RJ) até dezembro de 2009, o musical O Bem do Mar abre mão de uma dramaturgia propriamente dita para construir esboços de teatralidade a partir dos versos do cancioneiro de Caymmi. O diretor Antonio de Bonis repete a fórmula testada com êxito há 20 anos em Lamartine pra Inglêz Ver (1989), musical que revitalizou o repertório de Lamartine Babo (1904 - 1963), outro compositor projetado na primeira metade do século 20. Não há texto. Com maior ou menor dose de acerto, a teatralidade é urdida em cena a partir das 68 músicas que compõem o roteiro do musical, dividido em três partes. A terceira, Histórias de Pescadores, é a que se revela com maior densidade teatral por conta do drama contido em canções praieiras que versam sobre o cotidiano às vezes até trágico de pescadores que se lançam em mares revoltos para desespero de suas chorosas mulheres. Há nesse bloco a teatralidade escassa no primeiro, Bahia - Lembranças, formado por um painel de tipos que realçam os arquétipos baianos construídos pela própria obra de Caymmi e - ainda hoje!!! - alimentados no imaginário brasileiro.
A assinatura personalíssima do cancioneiro de Caymmi é garantia prévia da qualidade magistral do roteiro, apresentado em cena com a reprodução de arranjos concebidos por Ricardo Rente (no primeiro bloco), Wagner Tiso (na parte II, Copacabana by Night, que mistura a era dos sambas-canções com a saudade da Bahia deixada para trás na luta por um lugar ao sol) e Leandro Braga (na dramática terceira parte). Mas a obra por si só - que ninguém nunca cantou com mais propriedade do que o próprio Dorival Caymmi (como atesta um trecho da biografia Caymmi - O Mar e o Tempo reproduzido de forma talvez previamente defensiva no programa da peça) - não garantiria todo o êxito desse musical exuberante se o diretor De Bonis não tivesse ao seu dispor um elenco majoritariamente competente. O escrete feminino, em especial, é brilhante, agregando boa cantora (Daúde, que não teve a carreira fonográfica a que fazia jus) com atrizes hábeis na arte do canto (Lilian Valeska, Izabela Bicalho e Ana Velloso, entre outras). Contudo, é a voz potente de um ator, Marcelo Capobiango, que impressiona ao evocar o canto grave de Caymmi - profundo como o mar tão bem retratado pelo compositor - em números como Quem Vem pra Beira do Mar (na abertura já impactante), Dora e Promessa de Pescador. Detalhe: a semelhança soa sempre natural.
Com coreografias e interpretações alegres, o elenco consegue tornar vibrante a maior parte do primeiro bloco. Sobretudo nos números coletivos como São Salvador, Acaçá (uma das músicas obscuras de Caymmi que figuram no roteiro entre os muitos clássicos do compositor) e Eu Fiz uma Viagem. Nesse bloco, Izabella Bicalho convence ao entoar e encarar a Modinha pra Gabriela - para sempre associada à voz cristalina de Gal Costa - e Daúde tem seu grande momento ao fazer um Vatapá delicioso (nem os problemas de som desse número empolgante, ocorridos na estreia, fizeram a receita desandar). Ao fim do bloco, Patrícia Costa também vende bem seu quitute vocal ao soltar os agudos de A Preta do Acarajé, tema de inspiração folclórica e raiz africana que representa uma quarta (menos badalada) vertente da obra de Caymmi. Na segunda parte, em que a encenação exibe menor vitalidade, o musical alterna números coletivos de vibração similar ao do primeiro bloco (Você Já Foi à Bahia? e O que É que a Baiana Tem?) com temas entoados em clima de um night club dos anos 50 (Saudade e Tão Só, solos de Daúde e Lilian Valeska, respectivamente). Mas é na monumental terceira parte, quando entram em cena as histórias de pescadores, que O Bem do Mar realmente emerge em cena com toda sua força. Inclusive pelos movimentos bem coreografados do elenco masculino, perfeito ao retratar os simplórios homens do mar. É nesse bloco que Fábio Ventura faz belo solo em Morena do Mar. Tanto na movimentação quanto no canto dos atores, o diretor acentua a diferença de sentimentos que distancia mulheres temerosas de seus homens destemidos na lida cotidiana com o mar. Toda a sequência final - quando a morte se insinua em Noite de Temporal antes de dar as caras em A Jangada Voltou Só e em Velório - é deslumbrante. É nesse clímax que Ana Velloso alcança seu melhor momento ao entoar, com paradoxal ternura, a canção É Doce Morrer no Mar. Enfim, ainda que a dramaturgia seja rarefeita, com um elenco desse quilate e com uma obra tão majestosa, é inevitável que o mar baiano de Dorival Caymmi quebre bonito nesse palco carioca.
Título: O Bem do Mar
Direção: Antonio De Bonis
Elenco: Ana Velloso, Dandara Mariana, Daúde, Dério
Chagas, Fábio Ventura, Fael Mondego, Flávia Santana,
Gabriel Tavares, Izabella Bicalho, Lilian Valeska,
Marcelo Capobiango, Marcelo Vianna, Patrícia Costa
e Thiago Tomé
Foto: Divulgação / Guga Melgar
Cotação: * * * 1/2
Em cartaz no Teatro do Leblon - no Rio de Janeiro (RJ)
De quinta-feira a domingo, até 20 de dezembro de 2009
Retratos audiovisuais de uma mítica Bahia, os sambas buliçosos e as canções praieiras de Dorival Caymmi (1914 - 2008) deságuam em palco carioca. Em cartaz no Rio de Janeiro (RJ) até dezembro de 2009, o musical O Bem do Mar abre mão de uma dramaturgia propriamente dita para construir esboços de teatralidade a partir dos versos do cancioneiro de Caymmi. O diretor Antonio de Bonis repete a fórmula testada com êxito há 20 anos em Lamartine pra Inglêz Ver (1989), musical que revitalizou o repertório de Lamartine Babo (1904 - 1963), outro compositor projetado na primeira metade do século 20. Não há texto. Com maior ou menor dose de acerto, a teatralidade é urdida em cena a partir das 68 músicas que compõem o roteiro do musical, dividido em três partes. A terceira, Histórias de Pescadores, é a que se revela com maior densidade teatral por conta do drama contido em canções praieiras que versam sobre o cotidiano às vezes até trágico de pescadores que se lançam em mares revoltos para desespero de suas chorosas mulheres. Há nesse bloco a teatralidade escassa no primeiro, Bahia - Lembranças, formado por um painel de tipos que realçam os arquétipos baianos construídos pela própria obra de Caymmi e - ainda hoje!!! - alimentados no imaginário brasileiro.
A assinatura personalíssima do cancioneiro de Caymmi é garantia prévia da qualidade magistral do roteiro, apresentado em cena com a reprodução de arranjos concebidos por Ricardo Rente (no primeiro bloco), Wagner Tiso (na parte II, Copacabana by Night, que mistura a era dos sambas-canções com a saudade da Bahia deixada para trás na luta por um lugar ao sol) e Leandro Braga (na dramática terceira parte). Mas a obra por si só - que ninguém nunca cantou com mais propriedade do que o próprio Dorival Caymmi (como atesta um trecho da biografia Caymmi - O Mar e o Tempo reproduzido de forma talvez previamente defensiva no programa da peça) - não garantiria todo o êxito desse musical exuberante se o diretor De Bonis não tivesse ao seu dispor um elenco majoritariamente competente. O escrete feminino, em especial, é brilhante, agregando boa cantora (Daúde, que não teve a carreira fonográfica a que fazia jus) com atrizes hábeis na arte do canto (Lilian Valeska, Izabela Bicalho e Ana Velloso, entre outras). Contudo, é a voz potente de um ator, Marcelo Capobiango, que impressiona ao evocar o canto grave de Caymmi - profundo como o mar tão bem retratado pelo compositor - em números como Quem Vem pra Beira do Mar (na abertura já impactante), Dora e Promessa de Pescador. Detalhe: a semelhança soa sempre natural.
Com coreografias e interpretações alegres, o elenco consegue tornar vibrante a maior parte do primeiro bloco. Sobretudo nos números coletivos como São Salvador, Acaçá (uma das músicas obscuras de Caymmi que figuram no roteiro entre os muitos clássicos do compositor) e Eu Fiz uma Viagem. Nesse bloco, Izabella Bicalho convence ao entoar e encarar a Modinha pra Gabriela - para sempre associada à voz cristalina de Gal Costa - e Daúde tem seu grande momento ao fazer um Vatapá delicioso (nem os problemas de som desse número empolgante, ocorridos na estreia, fizeram a receita desandar). Ao fim do bloco, Patrícia Costa também vende bem seu quitute vocal ao soltar os agudos de A Preta do Acarajé, tema de inspiração folclórica e raiz africana que representa uma quarta (menos badalada) vertente da obra de Caymmi. Na segunda parte, em que a encenação exibe menor vitalidade, o musical alterna números coletivos de vibração similar ao do primeiro bloco (Você Já Foi à Bahia? e O que É que a Baiana Tem?) com temas entoados em clima de um night club dos anos 50 (Saudade e Tão Só, solos de Daúde e Lilian Valeska, respectivamente). Mas é na monumental terceira parte, quando entram em cena as histórias de pescadores, que O Bem do Mar realmente emerge em cena com toda sua força. Inclusive pelos movimentos bem coreografados do elenco masculino, perfeito ao retratar os simplórios homens do mar. É nesse bloco que Fábio Ventura faz belo solo em Morena do Mar. Tanto na movimentação quanto no canto dos atores, o diretor acentua a diferença de sentimentos que distancia mulheres temerosas de seus homens destemidos na lida cotidiana com o mar. Toda a sequência final - quando a morte se insinua em Noite de Temporal antes de dar as caras em A Jangada Voltou Só e em Velório - é deslumbrante. É nesse clímax que Ana Velloso alcança seu melhor momento ao entoar, com paradoxal ternura, a canção É Doce Morrer no Mar. Enfim, ainda que a dramaturgia seja rarefeita, com um elenco desse quilate e com uma obra tão majestosa, é inevitável que o mar baiano de Dorival Caymmi quebre bonito nesse palco carioca.
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Retratos audiovisuais de uma mítica Bahia, os sambas buliçosos e as canções praieiras de Dorival Caymmi (1914 - 2008) deságuam em palco carioca. Em cartaz no Rio de Janeiro (RJ) até dezembro de 2009, o musical O Bem do Mar abre mão de uma dramaturgia propriamente dita para construir esboços de teatralidade a partir dos versos do cancioneiro de Caymmi. O diretor Antonio de Bonis repete a fórmula testada com êxito há 20 anos em Lamartine pra Inglêz Ver (1989), musical que revitalizou o repertório de Lamartine Babo (1904 - 1963), outro compositor projetado na primeira metade do século 20. Não há texto. Com maior ou menor dose de acerto, a teatralidade é urdida em cena a partir das 68 músicas que compõem o roteiro do musical, dividido em três partes. A terceira, Histórias de Pescadores, é a que se revela com maior densidade teatral por conta do drama contido em canções praieiras que versam sobre o cotidiano às vezes até trágico de pescadores que se lançam em mares revoltos para desespero de suas chorosas mulheres. Há nesse bloco a teatralidade escassa no primeiro, Bahia - Lembranças, formado por um painel de tipos que realçam os arquétipos baianos construídos pela própria obra de Caymmi e - ainda hoje!!! - alimentados no imaginário brasileiro.
A assinatura personalíssima do cancioneiro de Caymmi é garantia prévia da qualidade magistral do roteiro, apresentado em cena com a reprodução de arranjos concebidos por Ricardo Rente (no primeiro bloco), Wagner Tiso (na parte II, Copacabana by Night, que mistura a era dos sambas-canções com a saudade da Bahia deixada para trás na luta por um lugar ao sol) e Leandro Braga (na dramática terceira parte). Mas a obra por si só - que ninguém nunca cantou com mais propriedade do que o próprio Dorival Caymmi, como atesta um trecho da biografia Caymmi - O Mar e o Tempo reproduzido de forma talvez previamente defensiva no programa da peça) - não garantiria todo o êxito desse musical exuberante se o diretor De Bonis não tivesse ao seu dispor um elenco majoritariamente competente. O escrete feminino, em especial, é brilhante, agregando boa cantora (Daúde, que não teve a carreira fonográfica a que fazia jus) com atrizes hábeis na arte do canto (Lilian Valeska, Izabela Bicalho e Ana Velloso, entre outras). Contudo, é a voz potente de um ator, Marcelo Capobiango, que impressiona ao evocar o canto grave de Caymmi - profundo como o mar tão bem retratado pelo compositor - em números como Quem Vem pra Beira do Mar (na abertura já impactante), Dora e Promessa de Pescador. Detalhe: a semelhança soa sempre natural.
Com coreografias e interpretações alegres, o elenco consegue tornar vibrante a maior parte do primeiro bloco. Sobretudo nos números coletivos como São Salvador, Acaçá (uma das músicas obscuras de Caymmi que figuram no roteiro entre os muitos clássicos do compositor) e Eu Fiz uma Viagem. Nesse bloco, Izabella Bicalho convence ao entoar e encarar a Modinha pra Gabriela - para sempre associada à voz cristalina de Gal Costa - e Daúde tem seu grande momento ao fazer um Vatapá delicioso (nem os problemas de som desse número empolgante, ocorridos na estreia, fizeram a receita desandar). Ao fim do bloco, Patrícia Costa também vende bem seu quitute vocal ao soltar os agudos de A Preta do Acarajé, tema de inspiração folclórica e raiz africana que representa uma quarta (menos badalada) vertente da obra de Caymmi. Na segunda parte, em que a encenação exibe menor vitalidade, o musical alterna números coletivos de vibração similar ao do primeiro bloco (Você Já Foi à Bahia? e O que É que a Baiana Tem?) com temas entoados em clima de um night club dos anos 50 (Saudade e Tão Só, solos de Daúde e Lilian Valeska, respectivamente). Mas é na monumental terceira parte, quando entram em cena as histórias de pescadores, que O Bem do Mar realmente emerge em cena com toda sua força. Inclusive pelos movimentos bem coreografados do elenco masculino, perfeito ao retratar os simplórios homens do mar. É nesse bloco que Fábio Ventura faz belo solo em Morena do Mar. Tanto na movimentação quanto no canto dos atores, o diretor acentua a diferença de sentimentos que distancia mulheres temerosas de seus homens destemidos na lida cotidiana com o mar. Toda a sequência final - quando a morte se insinua em Noite de Temporal antes de dar as caras em A Jangada Voltou Só e em Velório - é deslumbrante. É nesse clímax que Ana Velloso tem seu melhor momento ao entoar, com paradoxal ternura, a canção É Doce Morrer no Mar. Enfim, ainda que a dramaturgia seja rarefeita, com um elenco desse quilate e com uma obra tão majestosa, é inevitável que o mar baiano de Dorival Caymmi quebre bonito nesse palco carioca.
Ohhhhhhh, não acredito que a Daúde voltou para os musicais coletivos...
Que beleza de resenha, tão vívida!
Mas se você falar 'urdir' de novo, eu grito.
Izabella Bicalho arrasa! Quem a viu na pele de Joana em "Gota D´Água" jamais esquece de seu enorme talento. Um mar de sucesso para eles!
caymmmi pra mim é com dorival ou com sua filha nana. mas verei esse musical se ele vier pra bahia
9h31, você paga as contas da Daúde? Então por que ohhhhh?
caymmi sempre! será que a montagem chega a Porto Alegre?
rosemberg
depois de uma critica tão favorável, deu até vontade de assitir ao espetáculo.
espero que faça carreira longa.
Dirce, eu falei ooooooooooooooooohh, pq gosto muito do trabalho da Daúde em carreira solo, e por melhor que seja o espetáculo sobre o Caymmi (e acredito que seja pq confio no mauro Ferreira), voltar a fazer trabalhos coletivos como este pode significar que a carreira solo da Daúde não vai tão bem quanto poderia, deveria e eu gostaria.
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