16 de outubro de 2009

Mar de Caymmi quebra bonito em palco carioca

Resenha de Musical
Título: O Bem do Mar
Direção: Antonio De Bonis
Elenco: Ana Velloso, Dandara Mariana, Daúde, Dério
Chagas, Fábio Ventura, Fael Mondego, Flávia Santana,
Gabriel Tavares, Izabella Bicalho, Lilian Valeska,
Marcelo Capobiango, Marcelo Vianna, Patrícia Costa
e Thiago Tomé
Foto: Divulgação / Guga Melgar
Cotação: * * * 1/2
Em cartaz no Teatro do Leblon - no Rio de Janeiro (RJ)
De quinta-feira a domingo, até 20 de dezembro de 2009

Retratos audiovisuais de uma mítica Bahia, os sambas buliçosos e as canções praieiras de Dorival Caymmi (1914 - 2008) deságuam em palco carioca. Em cartaz no Rio de Janeiro (RJ) até dezembro de 2009, o musical O Bem do Mar abre mão de uma dramaturgia propriamente dita para construir esboços de teatralidade a partir dos versos do cancioneiro de Caymmi. O diretor Antonio de Bonis repete a fórmula testada com êxito há 20 anos em Lamartine pra Inglêz Ver (1989), musical que revitalizou o repertório de Lamartine Babo (1904 - 1963), outro compositor projetado na primeira metade do século 20. Não há texto. Com maior ou menor dose de acerto, a teatralidade é urdida em cena a partir das 68 músicas que compõem o roteiro do musical, dividido em três partes. A terceira, Histórias de Pescadores, é a que se revela com maior densidade teatral por conta do drama contido em canções praieiras que versam sobre o cotidiano às vezes até trágico de pescadores que se lançam em mares revoltos para desespero de suas chorosas mulheres. Há nesse bloco a teatralidade escassa no primeiro, Bahia - Lembranças, formado por um painel de tipos que realçam os arquétipos baianos construídos pela própria obra de Caymmi e - ainda hoje!!! - alimentados no imaginário brasileiro.

A assinatura personalíssima do cancioneiro de Caymmi é garantia prévia da qualidade magistral do roteiro, apresentado em cena com a reprodução de arranjos concebidos por Ricardo Rente (no primeiro bloco), Wagner Tiso (na parte II, Copacabana by Night, que mistura a era dos sambas-canções com a saudade da Bahia deixada para trás na luta por um lugar ao sol) e Leandro Braga (na dramática terceira parte). Mas a obra por si só - que ninguém nunca cantou com mais propriedade do que o próprio Dorival Caymmi (como atesta um trecho da biografia Caymmi - O Mar e o Tempo reproduzido de forma talvez previamente defensiva no programa da peça) - não garantiria todo o êxito desse musical exuberante se o diretor De Bonis não tivesse ao seu dispor um elenco majoritariamente competente. O escrete feminino, em especial, é brilhante, agregando boa cantora (Daúde, que não teve a carreira fonográfica a que fazia jus) com atrizes hábeis na arte do canto (Lilian Valeska, Izabela Bicalho e Ana Velloso, entre outras). Contudo, é a voz potente de um ator, Marcelo Capobiango, que impressiona ao evocar o canto grave de Caymmi - profundo como o mar tão bem retratado pelo compositor - em números como Quem Vem pra Beira do Mar (na abertura já impactante), Dora e Promessa de Pescador. Detalhe: a semelhança soa sempre natural.

Com coreografias e interpretações alegres, o elenco consegue tornar vibrante a maior parte do primeiro bloco. Sobretudo nos números coletivos como São Salvador, Acaçá (uma das músicas obscuras de Caymmi que figuram no roteiro entre os muitos clássicos do compositor) e Eu Fiz uma Viagem. Nesse bloco, Izabella Bicalho convence ao entoar e encarar a Modinha pra Gabriela - para sempre associada à voz cristalina de Gal Costa - e Daúde tem seu grande momento ao fazer um Vatapá delicioso (nem os problemas de som desse número empolgante, ocorridos na estreia, fizeram a receita desandar). Ao fim do bloco, Patrícia Costa também vende bem seu quitute vocal ao soltar os agudos de A Preta do Acarajé, tema de inspiração folclórica e raiz africana que representa uma quarta (menos badalada) vertente da obra de Caymmi. Na segunda parte, em que a encenação exibe menor vitalidade, o musical alterna números coletivos de vibração similar ao do primeiro bloco (Você Já Foi à Bahia? e O que É que a Baiana Tem?) com temas entoados em clima de um night club dos anos 50 (Saudade e Tão Só, solos de Daúde e Lilian Valeska, respectivamente). Mas é na monumental terceira parte, quando entram em cena as histórias de pescadores, que O Bem do Mar realmente emerge em cena com toda sua força. Inclusive pelos movimentos bem coreografados do elenco masculino, perfeito ao retratar os simplórios homens do mar. É nesse bloco que Fábio Ventura faz belo solo em Morena do Mar. Tanto na movimentação quanto no canto dos atores, o diretor acentua a diferença de sentimentos que distancia mulheres temerosas de seus homens destemidos na lida cotidiana com o mar. Toda a sequência final - quando a morte se insinua em Noite de Temporal antes de dar as caras em A Jangada Voltou Só e em Velório - é deslumbrante. É nesse clímax que Ana Velloso alcança seu melhor momento ao entoar, com paradoxal ternura, a canção É Doce Morrer no Mar. Enfim, ainda que a dramaturgia seja rarefeita, com um elenco desse quilate e com uma obra tão majestosa, é inevitável que o mar baiano de Dorival Caymmi quebre bonito nesse palco carioca.

10 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Retratos audiovisuais de uma mítica Bahia, os sambas buliçosos e as canções praieiras de Dorival Caymmi (1914 - 2008) deságuam em palco carioca. Em cartaz no Rio de Janeiro (RJ) até dezembro de 2009, o musical O Bem do Mar abre mão de uma dramaturgia propriamente dita para construir esboços de teatralidade a partir dos versos do cancioneiro de Caymmi. O diretor Antonio de Bonis repete a fórmula testada com êxito há 20 anos em Lamartine pra Inglêz Ver (1989), musical que revitalizou o repertório de Lamartine Babo (1904 - 1963), outro compositor projetado na primeira metade do século 20. Não há texto. Com maior ou menor dose de acerto, a teatralidade é urdida em cena a partir das 68 músicas que compõem o roteiro do musical, dividido em três partes. A terceira, Histórias de Pescadores, é a que se revela com maior densidade teatral por conta do drama contido em canções praieiras que versam sobre o cotidiano às vezes até trágico de pescadores que se lançam em mares revoltos para desespero de suas chorosas mulheres. Há nesse bloco a teatralidade escassa no primeiro, Bahia - Lembranças, formado por um painel de tipos que realçam os arquétipos baianos construídos pela própria obra de Caymmi e - ainda hoje!!! - alimentados no imaginário brasileiro.

A assinatura personalíssima do cancioneiro de Caymmi é garantia prévia da qualidade magistral do roteiro, apresentado em cena com a reprodução de arranjos concebidos por Ricardo Rente (no primeiro bloco), Wagner Tiso (na parte II, Copacabana by Night, que mistura a era dos sambas-canções com a saudade da Bahia deixada para trás na luta por um lugar ao sol) e Leandro Braga (na dramática terceira parte). Mas a obra por si só - que ninguém nunca cantou com mais propriedade do que o próprio Dorival Caymmi, como atesta um trecho da biografia Caymmi - O Mar e o Tempo reproduzido de forma talvez previamente defensiva no programa da peça) - não garantiria todo o êxito desse musical exuberante se o diretor De Bonis não tivesse ao seu dispor um elenco majoritariamente competente. O escrete feminino, em especial, é brilhante, agregando boa cantora (Daúde, que não teve a carreira fonográfica a que fazia jus) com atrizes hábeis na arte do canto (Lilian Valeska, Izabela Bicalho e Ana Velloso, entre outras). Contudo, é a voz potente de um ator, Marcelo Capobiango, que impressiona ao evocar o canto grave de Caymmi - profundo como o mar tão bem retratado pelo compositor - em números como Quem Vem pra Beira do Mar (na abertura já impactante), Dora e Promessa de Pescador. Detalhe: a semelhança soa sempre natural.

16 de outubro de 2009 às 08:57  
Blogger Mauro Ferreira said...

Com coreografias e interpretações alegres, o elenco consegue tornar vibrante a maior parte do primeiro bloco. Sobretudo nos números coletivos como São Salvador, Acaçá (uma das músicas obscuras de Caymmi que figuram no roteiro entre os muitos clássicos do compositor) e Eu Fiz uma Viagem. Nesse bloco, Izabella Bicalho convence ao entoar e encarar a Modinha pra Gabriela - para sempre associada à voz cristalina de Gal Costa - e Daúde tem seu grande momento ao fazer um Vatapá delicioso (nem os problemas de som desse número empolgante, ocorridos na estreia, fizeram a receita desandar). Ao fim do bloco, Patrícia Costa também vende bem seu quitute vocal ao soltar os agudos de A Preta do Acarajé, tema de inspiração folclórica e raiz africana que representa uma quarta (menos badalada) vertente da obra de Caymmi. Na segunda parte, em que a encenação exibe menor vitalidade, o musical alterna números coletivos de vibração similar ao do primeiro bloco (Você Já Foi à Bahia? e O que É que a Baiana Tem?) com temas entoados em clima de um night club dos anos 50 (Saudade e Tão Só, solos de Daúde e Lilian Valeska, respectivamente). Mas é na monumental terceira parte, quando entram em cena as histórias de pescadores, que O Bem do Mar realmente emerge em cena com toda sua força. Inclusive pelos movimentos bem coreografados do elenco masculino, perfeito ao retratar os simplórios homens do mar. É nesse bloco que Fábio Ventura faz belo solo em Morena do Mar. Tanto na movimentação quanto no canto dos atores, o diretor acentua a diferença de sentimentos que distancia mulheres temerosas de seus homens destemidos na lida cotidiana com o mar. Toda a sequência final - quando a morte se insinua em Noite de Temporal antes de dar as caras em A Jangada Voltou Só e em Velório - é deslumbrante. É nesse clímax que Ana Velloso tem seu melhor momento ao entoar, com paradoxal ternura, a canção É Doce Morrer no Mar. Enfim, ainda que a dramaturgia seja rarefeita, com um elenco desse quilate e com uma obra tão majestosa, é inevitável que o mar baiano de Dorival Caymmi quebre bonito nesse palco carioca.

16 de outubro de 2009 às 08:58  
Anonymous Anônimo said...

Ohhhhhhh, não acredito que a Daúde voltou para os musicais coletivos...

16 de outubro de 2009 às 09:31  
Anonymous Plava Laguna said...

Que beleza de resenha, tão vívida!

Mas se você falar 'urdir' de novo, eu grito.

16 de outubro de 2009 às 10:41  
Blogger As Cantrizes said...

Izabella Bicalho arrasa! Quem a viu na pele de Joana em "Gota D´Água" jamais esquece de seu enorme talento. Um mar de sucesso para eles!

16 de outubro de 2009 às 10:42  
Anonymous Humberto said...

caymmmi pra mim é com dorival ou com sua filha nana. mas verei esse musical se ele vier pra bahia

16 de outubro de 2009 às 11:08  
Anonymous Dirce said...

9h31, você paga as contas da Daúde? Então por que ohhhhh?

16 de outubro de 2009 às 18:01  
Anonymous Elza said...

caymmi sempre! será que a montagem chega a Porto Alegre?

16 de outubro de 2009 às 18:49  
Anonymous Anônimo said...

rosemberg
depois de uma critica tão favorável, deu até vontade de assitir ao espetáculo.
espero que faça carreira longa.

16 de outubro de 2009 às 21:48  
Anonymous Anônimo said...

Dirce, eu falei ooooooooooooooooohh, pq gosto muito do trabalho da Daúde em carreira solo, e por melhor que seja o espetáculo sobre o Caymmi (e acredito que seja pq confio no mauro Ferreira), voltar a fazer trabalhos coletivos como este pode significar que a carreira solo da Daúde não vai tão bem quanto poderia, deveria e eu gostaria.

17 de outubro de 2009 às 09:51  

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