Resenha de showTítulo: InclassificáveisArtista: Ney MatogrossoLocal: Citibank Hall (SP)
Data: 21 de outubro de 2007Cotação: * * * *"É preciso estar atento e forte", ordena, enérgico, Ney Matogrosso, reciclando o imperativo tropicalista detonado por Caetano Veloso e Gilberto Gil há quase 40 anos.
Divino Maravilhoso fecha o novo show do cantor,
Inclassificáveis, que acaba de passar por São Paulo e vai percorrer várias capitais brasileiras antes de chegar ao Canecão, no Rio de Janeiro, em janeiro, para ser gravado em DVD (o CD é de estúdio). Inclassificável pela própria natureza mutante, o artista abandona por ora os recitais camerísticos para evocar e honrar seu passado transgressor num show roqueiro, imperativo e quente como sua luz sombreada. "Coragem, coração", manda, ao apresentar o tema homônimo de Cláudio Monjope e Carlos Rennó. Com os velhos truques cênicos, Ney dá voz a novos compositores.
Coberto de brilhos, com belo figurino de Ocimar Versolato que se transforma em outros a partir das trocas - em cena - de adereços e peças, Ney tem coragem. Aos 66 anos, exibe invejável forma física e vocal, fazendo jus aos ouriçados adjetivos gritados pelo público que lotou o Citibank Hall paulista para aplaudir um artista ímpar e camaleônico que nunca perdeu o rebolado. Literalmente. Em
Por que a Gente É Assim?, a música do baú do grupo Barão Vermelho, ele desce do palco e - provocativo e exibido - se dirige à platéia ao cantar os versos questionadores de Cazuza. A propósito, Ney abre e fecha o show com versos de Cazuza.
O Tempo Não Pára é o tema de abertura. Escorado no instrumental pesado de sua (entrosada) banda, o cantor grita os versos indignados de Cazuza. É como se os cuspisse, com raiva, diante do caos geral. No bis, como um sopro de otimismo, Ney costura
Simples Desejo, a música que batizou o segundo CD de Luciana Mello, com
Pro Dia Nascer Feliz. Infalível!
A coragem de Ney Matogrosso se estende à escolha do repertório. Nada é fácil em roteiro que instiga, faz pensar, provoca e ordena uma reflexão - pautado pelas estranhezas melódicas e poéticas de autores que habitam às margens do mercado. Gente como Alice Ruiz - de quem Ney canta
Leve (uma parceria com Iara Rennó) e
Ouça-me (colaboração com Itamar Assumpção) - e, sim, Arnaldo Antunes, autor do rock concretista, tocado à moda dos Titãs, que batiza o show
Inclassificáveis. Com olhos de farol, Ney parece viver sem medo da morte artística. Arrisca mais uma vez ao optar pelos novos como Dan Nakagawa, o autor de
Um Pouco de Calor, balada que propicia um dos momentos mais calmos de um show em geral explosivo, cantado em tons altos. É espetáculo de peso.
Ora lânguido (como em
Mente, Mente, música de Robinson Borba que propicia coreografias erotizadas do cantor), ora incisivo (
Ode aos Ratos, de Chico Buarque e Edu Lobo), Ney concentra atenções em roteiro que concilia número de tecnomacumba à moda de Rita Ribeiro (
Cavaleiro de Aruanda), momento luau (
Coisas da Vida, de Alzira Espíndola e Itamar Assumpção, com o cantor sentado ao lado de dois violonistas e de um percussionista), Cazuza mediano (
Seda, parceria com Lobão) e um Marcelo Camelo inspirado (
Veja Bem, meu Bem, que começa leve, suingante, para depois ganhar peso). "Lo que tenga que ser, que sea", sentencia, em castelhano, ao cantar
Sea, tema do uruguaio Jorge Drexler urdido com lindo arranjo vocal. E, se for para envelhecer, que seja com a mente sã - como prega
Lema, parceria de Lokua Kanza e Carlos Rennó. Aos 66 anos, o artista é fiel ao seu lema - a ponto de seu show, mesmo tendo atmosfera roqueira, nem poder ser enquadrado no rótulo pop rock. Ney Matogrosso desde sempre extrapola classificações.