 
 
 Resenha de Show
Resenha de Show 
Título: Arrepios
Artista: Elza Soares e João de Aquino
Local: Posto 8 (Rio de Janeiro RJ)
Data: 12 de agosto de 2009
Fotos: Mauro Ferreira
Cotação: * * * *
Como sempre, a mulata estava assanhada. Mas não muito... "Não é um show, é um recital", diferenciou Elza Soares várias vezes no palco da casa carioca Posto 8, durante a estreia de Arrepios, o show - ou recital, como prefere a cantora - em que divide o palco com o violonista João de Aquino, o percussionista Felipe dos Santos e o também violonista Gabriel de Aquino, que segue os passos do pai com segurança. Rótulos à parte, aos incríveis 79 anos, Elza ainda arrepia. Seja quando dosa os floreios vocais (como no medley que junta duas obras-primas de Johnny Alf, Eu e a Brisa e Ilusão à Toa), seja quando explora os limites de sua voz, como ao fim do último número, Cobra Caninana (João de Aquino e Hermínio Bello de Carvalho), quando Elza simula com malícia e habilidade o sotaque nagô. Mas o bis, com Malandro, é previsível.
"O que é que essa Elza tem? Como ela requebra bem...". Foi assim, parodiando a letra do samba O que É que a Baiana Tem? (Dorival Caymmi), que João de Aquino convocou Elza Soares para subir ao palco após magistral abordagem instrumental de Bananeira (João Donato). Um dos grandes violonistas nacionais, dono de um toque que parece sintetizar a seminal influência da música africana no Brasil, Aquino teria gabarito para segurar a atenção do público sem Elza. Mas o show-recital é dos dois. E a mulata - contida ou assanhada - rouba a cena desde que entra no palco cantarolando seu nome sobre a melodia de Moonlight Serenade. Na sequência, Antonico (Ismael Silva) sinaliza que a contenção de scats ajuda a lapidar o canto de Elza - acerto reiterado números mais tarde pela interpretação de Eu Sonhei que Tu Estavas tão Linda, a valsa de Lamartine Babo (1904 - 1963) na qual os músicos injetam suingue. Aliás, justiça seja feita, se Elza arrepia, o mérito deve ser repartido com a excepcional dupla de violonistas e com a costura de um roteiro amarrado com links curiosos, sendo o mais inteligante deles o que agrega o refrão de Cry me a River (Arthur Hamilton) a Juventude Transviada (Luiz Melodia), com direito a citação do Lamento da Lavadeira (Cartola e Monsueto). Faceira é emendada com Camisa Amarela (tingida de cacos desnecessários) em belo medley que culmina com citação de Na Batucada da Vida. É um tributo justo ao compositor Ary Barroso (1903 - 1964), em cujo programa de calouros Elza debutou nos anos 50 com diálogos já lendários, reproduzidos pela cantora em cena. E como Elza fala!!... 
Intérprete sem limites geográficos, Elza deita e rola no suingue cubano do Mambo da Cantareira (Barbosa da Silva e Eloíde Warthoi, 1960). Depois de tributo pungente a Ângela Maria (Vida de Bailarina, com Elza deitada na poltrona) e de incursão pelo universo do bolero (La Barca), Elza tira do rosário de pérolas Ave Maria, oração recitada após medley que costura Barracão, Adeus América, O Samba Mandou me Chamar e Ave Maria no Morro. Pela voz única e pela vitalidade, Elza merece devoção fervorosa dos fãs de cantoras e da música brasileira. A mulata (ainda) é a tal.