Resenha de livroTítulo: As Tais Frenéticas - Eu Tenho uma Louca Dentro de mimAutor: Sandra PêraEditora: EdiouroPreço: R$ 49, 90Páginas: 224Cotação: * * * 1/2Em 5 de agosto de 1976, seis mulheres soltas na vida bancaram as garçonetes-cantoras da discoteca que Nelson Motta abria no então seminal Shopping da Gávea, situado num dos bairros mais nobres da Zona Sul do Rio de Janeiro. Nem elas sabiam que iam virar a mesa. Mas viraram a música brasileira de pernas pro ar, embaladas em meias de náilon que viraram símbolos daqueles dancin' days. É essa história de magia que Sandra Pêra, uma daquelas seis mulheres, revive em seu recém-editado livro As Tais Frenéticas - Eu Tenho uma Louca Dentro de mim.
A autora narra na primeira pessoa a saga do sexteto feminino As Frenéticas, que, além de Pêra, trazia na sua formação original Dudu, Edir, Leiloca, Lidoka, Regina e Sandra. Como os shows feitos pelo grupo na Frenetic Dancin' Days Discotheque encantavam mais os freqüentadores da casa do que a agilidade das garotas como garçonetes, as seis subiram literalmente no salto e injetaram alegria, irreverência e sensualidade numa música brasileira que não podia sorrir por conta das patrulhas ideológicas daqueles anos de repressão. Até então, somente a mutante Rita Lee tinha se dado ao desfrute libertário e subvertia a regra de que mulheres deviam cantar samba ou música romântica (mesmo as garotas papo firme da Jovem Guarda ensaiaram rebeldia devidamente controlada por suas mamães e pelo próprio sistema). Não por acaso, Rita acabou tendo sua trajetória entrelaçada com a das Frenéticas. O nome da Ovelha Negra consta nos créditos de músicas como Perigosa - o primeiro grande hit do grupo - e Fonte da Juventude, outra delícia do histórico LP de estréia das moças.
O sucesso na discoteca gerou tititi e um contrato com a gravadora WEA ainda em 1976. E, a partir do compacto que trazia A Felicidade Bate à sua Porta (de Gonzaguinha, compositor que seria recorrente no repertório do sexteto), o trem da alegria partiu veloz em direção a todo o Brasil. Com fluência, numa narrativa estruturada em tópicos que evoca a forma de um almanaque, com direito a incontáveis fotos, Sandra Pêra tira a maquiagem das Frenéticas e conta a história, revelando os meandros que as uniram (todas estavam desempregadas quando Nelson Motta teve a idéia de criar as garçonetes-cantoras), a sedução do sucesso, o conseqüente envolvimento com as drogas e o dissabor dos primeiros fracassos, quando a magia dos dancin' days já começava a se dissipar. Além do afeto que envolve as seis.
As Tais Frenéticas é interessante livro de memórias escrito em tom coloquial e informal, sem grandes rigores estilísticos. Não é uma reportagem que oferece a visão de todos os lados. A autora nunca abre mão do texto na primeira pessoa, mas a riqueza de detalhes de sua memória privilegiada permite a reconstituição dos fatos, dispostos no livro em ordem cronológica. E cada uma das (muitas) fotos ajuda a visualizar o que a autora relata no texto. Por ter vivido a própria história, falta algumas vezes à autora a visão crítica de quem estava fora da festa. Exemplo é o entusiasmo com que ela se refere à música É que Nessa Encarnação Eu Nasci Manga, composta por Luli e Lucina. Gravada pelas Frenéticas em seu terceiro álbum (Soltas na Vida, 1979), a música foi erroneamente escolhida pela WEA (a véia, como Sandra se refere jocosamente à gravadora hoje denominada Warner Music) sem ter o mesmo forte apelo de Perigosa, Dancin' Days e O Preto que Satisfaz, sucessos dos dois primeiros álbuns. A recepção morna da música e do terceiro LP foi o início do fim. As Frenéticas ainda abriram suas asas nos anos seguintes, mas o vôo nunca mais foi tão alto - em que pese bom álbum em torno da obra de Lamartine Babo (Babando Lamartine, 1980) injustamente inédito em CD.
A autora também aborda em As Tais Frenéticas as posteriores tentativas de reagrupar o grupo para evocar a magia dos dancin' days. A que repôs o grupo em real evidência aconteceu em 1992, quando as Frenéticas foram convocadas para gravar a música Perigosas Peruas para a abertura da novela homônima exibida pela Rede Globo naquele ano. A gravação rendeu coletânea, As Mais Gostosas das Frenéticas, turbinada com três músicas inéditas. Mas o revival foi efêmero. Em seu testemunho, a autora garante que percebera desde o início dos anos 80 que a festa do grupo já se aproximava do fim. Ficaram as memórias daqueles frenéticos dias dançantes, contadas por Sandra Pêra neste livro de caráter afetivo que documenta bem a saga daquelas pretensas seis garçonetes que - sem planejar uma revolução - viraram a mesa...