Resenha de Show - Gravação de DVD Título: Melhor Assim
Artista: Teresa Cristina & Grupo Semente
Local: Espaço Tom Jobim (RJ)
Data: 27 de outubro de 2009
Fotos: Mauro Ferreira
Cotação: * * * 1/2
Não foi por acaso que Teresa Cristina abriu o seu segundo registro ao vivo de show, Melhor Assim, com o canto a capella de A Voz de uma Pessoa Vitoriosa, a parceria de Caetano Veloso com Waly Salomão (1943 - 2003). Parafraseando os versos finais postos pelo poeta na música lançada por Maria Bethânia em 1978, a voz calma de Teresa deixa transparecer sua forma de ser e de viver. Voz microfônica, como ela acentuou com graça no compasso veloz de O Que Vier Eu Traço, o samba cheio de bossa que Alvaiade e Zé Maria lançaram em 1945 e que Teresa reviveu com insuspeita desenvoltura na noite de 27 de outubro de 2009 no inédito show idealizado para originar seu terceiro DVD, gravado com o fiel Grupo Semente no Espaço Tom Jobim, no Rio de Janeiro (RJ). Foi da sua forma que Teresa venceu no mercado fonográfico, egressa da Lapa, o revitalizado celeiro de bambas cariocas. E foi da sua forma que ela gravou seu DVD, arriscando novos tons e ares ao recontar A História de Lily Braun (Chico Buarque e Edu Lobo, 1983), mas sem deixar de ser fiel ao seu universo. Mundo em que habitam a Portela (abordada com devoção na letra de Um Samba de Amor), Paulinho da Viola (representado por Cantando, tema de 1976 que não teve todo seu brilho realçado pelo registro de Teresa), a fé nos orixás (Capitão do Mato é saudação a Oxossi feita na cadência do afro-samba) e a admiração por antecessoras como Clara Nunes (1942 - 1983), de cujo álbum Claridade (1975) a cantora pescou a pérola Tudo É Ilusão, lindo samba que encara com resignação o fim do amor. Tudo soou em harmonia no show...
Ao longo de roteiro que alterna inéditas e regravações, a voz de Teresa Cristina destila poesia e melancolia. Não é por acaso que um dos novos sambas da lavra autoral da artista se chama Poesia. Não é à toa também que Convite à Tristeza é o título de outro, alinhado sintomaticamente com A Felicidade (o clássico de Tom Jobim & Vinicius de Moraes retomado com a pegada do samba tradicional, sem a bossa que não pertence ao mundo de Teresa). E foi assim que, com poesia embebida em melancolia, Teresa pôs seu bloco na rua. Bloco que - verdade seja dita - saiu sem muita empolgação no início. Sambas como Maria Joana (Sidney Miller, 1967) pareceram fora da ordem natural. Mas, aos poucos, Teresa foi entrando no tom. Após o bis, quando repetiu alguns sambas, foi possível detectar beleza em Bonifácio, samba que perfila o trágico personagem-título, o bamba da cuíca na favela que, vítima de desilusão amorosa, entrega-se à cachaça e encontra a morte numa esquina da Lapa. A mesma Lapa que, no inédito grande samba de Adriana Calcanhotto, Beijo Sem, é cenário de outra ressaca amorosa, mas esta com final feliz para a personagem feminina que se entrega com prazer e sem culpas à orgia. Com ares de Velha Guarda, Beijo Sem foi valorizado pela participação da sempre elegante Marisa Monte (na voz e no ukelele) e pela adesão de Pedro Baby (violão). As vozes de Marisa e Teresa casaram bem.
Antes de Marisa, foi a vez de Seu Jorge entrar em cena para fazer dueto com Teresa em Pura Semente, samba de Arlindo Cruz e Acyr Marques em que brota a poética melancolia que pontua o roteiro do show Melhor Assim, cujo samba-título foi fornecido por Nei Lopes e Cláudio Jorge. Entre lampejos de descontração (Couve É Nome de Maria, partido de quilate não tão alto) e fé na vida (Morada Divina, inspirado samba inédito de Teresa e Arlindo Cruz), salta aos ouvidos a beleza de Guardo em mim, parceria inédita da sambista com Edu Krieger. Primeiro grande momento da gravação ao vivo, Guardo em mim é joia de delicadeza poética e melódica que, ao lado de Morada Divina e Beijo Sem, forma a santíssima trindade de inéditas do roteiro, encerrado com um pot-pourri de sambas-de-roda à moda baiana. No todo, Melhor Assim deixa a boa impressão de que, por mais que ouse aqui e acolá, Teresa Cristina já sabe qual é seu (bonito) lugar no mundo...