Trem de Zii e Zie passa solar por cores e nomes
Título: Zii e Zie
Artista: Caetano Veloso (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Canecão (RJ)
Data: 8 de maio de 2009
Cotação: * * * *
Em cartaz no Rio de Janeiro (RJ) até 10 de maio de 2009
Ainda que reproduza as paisagens cinzentas do disco homônimo que o inspirou, o novo belo show de Caetano Veloso, Zii e Zie, incorpora clima solares em roteiro luminoso que agrega cores e nomes. Um "Viva Paulinho da Viola" - que motivou palmas do público que hiperlotou o Canecão (RJ) na estreia nacional do espetáculo, na noite de ontem, 8 de maio de 2009 - é ouvido logo em verso do primeiro surpreendente número, A Voz do Morto, que afirma o samba por linhas tortas entre distorções da guitarra de Pedro Sá e levada carnavalesca. Trata-se de um grande show que segue o conceito do álbum Zii e Zie sem se deixar amarrar nele. Inclusive pelo acerto da escolha do repertório, que inclui músicas como Eu Sou Neguinha? (que marca o inesperado fim do show) e Trem das Cores, que transita macio pelos trilhos urbanos da sempre afiada BandaCê. As músicas do CD cresceram na volta à cena (elas foram buriladas em 2008 no show Obra em Progresso).
A asa delta posicionada no palco já demarca o território carioca que inspirou boa parte do repertório do CD Zii e Zie. Projeções com imagens do Rio de Janeiro adornam números como Sem Cais. As cores vivas da esplendorosa iluminação de Maneco Quinderé vão sendo transmutadas a cada número. E os nomes se sucedem no roteiro e, às vezes, já nos títulos de músicas como Lobão Tem Razão e Maria Bethânia. Esta música - lançada pelo compositor em 1971 no LP Caetano Veloso - é o primeiro grande momento do show. Com citação de Baião (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira) e vocais mastigados que remetem à antológica recriação de Asa Branca (outro clássico da parceria de Gonzagão com Teixeira) feita por Caetano no mesmo LP londrino de 1971, o número exemplifica a habilidade do artista para envolver músicas antigas na sonoridade contemporânea da BandaCê. Irene - para citar outro exemplo - ressurge repaginada sem perder sua alegria.
Se o tango Volver (Carlos Gardel e Alfredo le Pera) cruza o universo latino de Fina Estampa com o som indie de Cê, Aquele Frevo Axé - parceria de Caetano com Cezar Mendes, gravada por Gal Costa em 1998 e nunca cantada por Caetano - marca solitária o já habitual set de voz & violão. Em contraponto, a canção Não Identificado ganha pegada forte e deságua num final heavy e hendrixiano, como se um ovni estivesse pousando sob o palco. E, num grande efeito cênico, Caetano termina o número abrigado sob a asa delta do cenário. Detalhe: o público não resiste e canta com Caetano a terna melodia do iê-iê-iê romântico, em coro bisado no refrão do bom número seguinte, Odeio. Na sequência, entram os climas mais cinzentos de Falso Leblon e Base de Guantánamo (com projeção de imagens que remetem a Cuba). Até que, aos poucos, o show vai retomando o clima solar. Seja pelo generoso retrato de Lapa (um transamba que vai se revelando grandioso com o tempo), pelo suingue latino-nortista de Água (tema da lavra de Kassin + 2) e pela vivacidade d'A Cor Amarela, o sambaxé que tem todo jeito de hit popular. No bis, quando o show já deu ao espectador a plena certeza de que a obra continua progredindo, há a reverenciada releitura de Incompatibilidade de Gênios (João Bosco e Aldir Blanc), a festiva Manjar de Reis, a graciosidade de Três Travestis e - por fim - Força Estranha, a vigorosa canção de 1978 que motiva um "Viva Roberto Carlos" que remete ao "Viva Paulinho da Viola" do verso de A Voz do Morto. Entre nomes e cores vivas, o trem de Caetano Veloso passa firme no palco rumo a uma próxima estação que, certamente, nem seu próprio condutor saberá ao certo qual é até a próxima parada.