Resenha de showTítulo: 40 Anos - Do Fino da Bossa à Ópera EvitaArtista: ClaudyaLocal: Canecão (RJ)Data: 20 de maio de 2008Cotação: * *Presença bissexta no circuito de shows do Rio de Janeiro, Claudya voltou aos palcos cariocas na noite de terça-feira, 20 de maio de 2008, em espetáculo crepuscular que expõe os (des)caminhos trilhados pela artista há quatro décadas, mais precisamente desde 1967, ano em que lançou seu primeiro LP. De tom retrospectivo, o espetáculo dá a pista da razão de Claudya não ter desenvolvido a marcante carreira que poderia ter tido por conta da voz que - reza a lenda da MPB - teria intimidado até a insegura Elis Regina (1945 - 1982) ao despontar nos efervescentes anos 60. Se a grande voz ainda existe e redime sua dona em muitos números, como Casa Forte (Edu Lobo), o show em si resultou equivocado. E, em alguns momentos, até constrangedor - como quando a artista, perdida no roteiro, pediu ajuda em cena. "Eu preciso chamar alguém, mas não sei quem é", admitiu Claudya no palco, sem saber a ordem dos convidados, pouco especiais, que tornaram o show longo e cansativo para quem tinha ido ao Canecão - extremamente vazio - somente para ver a cantora. Faltou direção e, parece, até ensaio...
O roteiro alternou altos e baixos, mostrando que o repertório de Claudya envelheceu mal. Aliás, já nasceu velho. Músicas como Chora, Céu - parceria de Luiz Roberto com Adylson Godoy, pianista e arranjador da banda que acompanha Claudya - podiam ter algum sentido nos anos 60. Hoje soam apenas chatas. A rigor, a cantora nunca conseguiu lançar repertório à altura de sua voz. Os grandes momentos de sua discografia foram obtidos com regravações de músicas como Jesus Cristo e Como 2 e 2, ambas obviamente incluídas no roteiro do show porque - embora lançadas por Roberto Carlos - foram bem regravadas por Claudya.
Mesmo sem uma direção firme que tirasse a aura cafona do show, perceptível no tom dos textos retrospectivos ditos em off e nas dispensáveis trocas de figurinos que fizeram a cantora sair de cena várias vezes, Claudya mostrou que o suingue e sua fina musicalidade continuam firmes como sua voz. Pena que, para relembrar o Beco das Garrafas e o Fino da Bossa, saudando em cena a suposta rival Elis, ela tenha lançado mão de pot-pourri picotado em excesso. Boas músicas como Travessia e Vou Deitar e Rolar foram retalhadas. Melhor sorte teve o samba Desacato (Antonio Carlos e Jocafi), revivido em sua forma integral. Foi dez!
No set dedicado às colegas que lhe serviram de referência para a formatação de seu canto, Claudya rendeu homenagens a Ângela Maria (A Chuva Caiu), Sarah Vaughan (Cry me a River) e a Barbra Streisand, saudada como uma cantora perfeita, a "maior do mundo", pela emissão e respiração exemplares. Um inacreditável dueto virtual com Barbra em People - a imagem da cantora era mostrada no telão - mostrou que a aluna aprendeu bem a lição ensinada pela mestra involuntária. Ela perseguiu o tom de Barbra em desnecessária demonstração de exibicionismo vocal. Claudya peca pelo excesso e erra ao realçar sua capacidade como cantora.
O também inacreditável desfile de convidados - entre outros, Elymar Santos, Pery Ribeiro e a filha da cantora, Graziela, que apresentou deslocado rap de versos politizados - contribuiu para minar a apresentação. Mas é justo reconhecer que Claudya reafirmou sua técnica ao levar no gogó o choro Brasileirinho a partir do fraseado vivaz das flautas de Flora e Ingrid, convidadas do número. Já com Elymar Santos, que se empolgou por estar novamente no palco do Canecão e estendeu sua parte solo, o inicialmente desencontrado dueto em Apelo precisou até ser interrompido e reiniciado para que os cantores se achassem na letra e no tom do belo tema de Baden Powell e Vinicius de Moraes.
A presença de Elymar se justificou pelo fato de ele ter encarnado o guerrilheiro Che Guevara na montagem brasileira do musical Evita, estrelado por Claudya no papel-título. Mas não era preciso exibir no telão um número inteiro do cantor no espetáculo. "Gente, sou eu! Não entendi como ninguém bateu palmas...", disparou Elymar ao se ver em cena, em outro momento constrangedor. Era o pretexto para o gran finale, quando a cantora, vestida e maquiada como Evita Péron, entoa Não Chores por mim, Argentina - a versão brasileira do maior hit do musical.
Enfim, Claudya merecia festejar seus 40 anos de carreira com mais requinte. Mas o show feito no Canecão é revelador por sinalizar os equívocos que, em outras eras, devem ter embaçado o brilho da voz da artista. Uma grande cantora não constrói uma carreira somente com uma grande voz. É preciso todo um cuidado extra-musical para que seu canto chegue ao público da melhor forma possível. A julgar pelo show crepuscular que a trouxe de volta aos palcos cariocas, Claudya parece ter errado a mão desde sempre nessa parte. Isso explicaria os seus descaminhos nestes 40 anos...