20 de maio de 2008

Comedida, Cida tira grandes coelhos da cartola

Resenha de CD
Título: Angenor
Artista: Cida Moreira
Gravadora: Lua Music
Cotação: * * * * 1/2

Intérprete de grande carga dramática que já incursionou pelos cancioneiros teatrais de Bertolt Brecht (1898 - 1956) e Chico Buarque, Cida Moreira baixa o tom em Angenor, seu singelo tributo a Cartola (1908 - 1980) no ano em que se festeja o centenário de nascimento do compositor. Sem querer impressionar ou recriar obra já perfeita em sua criação, a cantora apresenta um dos mais belos trabalhos já dedicados à obra do autor de Cordas de Aço e Acontece, duas das 16 rosas que desabrocham na voz da cantora, radicada em SP.
Comedida, apesar do leve lampejo operístico ouvido na introdução da música que abre o CD, A Canção que Chegou, flagrante de um Cartola feliz, Cida consegue tirar grandes coelhos da cartola. É que, dos quatro discos solos gravados por Cartola em estúdio, as atenções dos intérpretes costumam se voltar para os dois primeiros, editados em 1974 e 1976. Cida não os ignorou, mas soube pescar as pérolas guardadas nos dois últimos, Verde que te Quero Rosa (1977) e Cartola 70 Anos (editado em 1979, com um ano de atraso em relação ao aniversário mencionado no título). São destes dois discos músicas como O Silêncio do Cipreste (parceria de Cartola com Carlos Cachaça regravada pela cantora com dispensáveis intervenções vocais de Marcelo Fonseca) e Feriado na Roça, raro momento de um Cartola de sotaque ruralista. A viola caipira tocada por Omar Campos - produtor musical de Angenor ao lado da própria Cida - emoldura com propriedade a música que relata em seus versos um crime passional à moda caipira. Também pouco conhecidas, Nós Dois e Fim de Estrada retratam um Cartola sem a habitual genialidade, mas ambos temas exibem o invariavelmente refinado recorte melódico que insere o fino cancioneiro do compositor na galeria mais nobre da música brasileira. Sua obra tem estilo, grife.
Intérprete que conjuga técnica e emoção em seu canto, Cida acertadamente dispensa os arroubos vocais nos registros de sambas como Alvorada e Sala de Recepção, adornados com arranjos eficientes que evocam a sonoridades dos antigos conjuntos regionais em voga quando a música de Cartola começou a florescer. Em tom mais formal, Peito Vazio ganha moldura camerística que enquadra a voz da cantora ao lado do piano de Keco Brandão. E, na maior prova de que uma grande intérprete pode dispensar firulas e tom suntuoso, há O Mundo É um Moinho. A música é das mais batidas de Cartola, mas consegue ganhar novas nuances no registro sentido e interiorizado de Cida Moreira. Por essa gravação pungente e pela comovente simplicidade com que a cantora aborda Cartola, Angenor é, até o momento, o melhor tributo prestado ao compositor neste 2008 em que alguns reverenciam o mestre por conta de seu centenário de nascimento.

14 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Concordo com tua crítica Mauro. Ouvi o CD e Cida Moreira faz uma homenagem à altura do talento de Cartola. Os arranjos estão belos e a escolha de um repertório menos óbvio - com poucas exceções - é um saldo bastante positivo.

P.S.: Só não gostei, no teu texto, do trocadilho: "Cida consegue tirar grandes coelhos da cartola".

20 de maio de 2008 às 21:29  
Anonymous Anônimo said...

Assino embaixo.
Já comprei o meu; é um primor, como tudo que faz esta cantora.

20 de maio de 2008 às 23:14  
Anonymous Anônimo said...

Acho que Cida Moreira deveria ser mais reverenciada, principalmente pela cariocada que adora rotulá-la de bairrista, sempre citando-a como a "cantora paulista".

20 de maio de 2008 às 23:16  
Anonymous Anônimo said...

É de fato um grande CD! A versão de "Cordas de aço" ficou muito bonita, Cida fez uma interpretação que até parece outra música.

21 de maio de 2008 às 00:20  
Anonymous Anônimo said...

Olá Mauro, só a beleza da capa já mereceria um comentário, no mais a Cida manda bem...ao contrário da outra pessoa, achei bem legal o trocadilho....

21 de maio de 2008 às 08:42  
Anonymous Anônimo said...

Vou comprar o cd até porque trata-se do meu compositor preferido. Parabéns pela crítica Mauro, só pela iniciativa ela merece todas as reverências.
E já que a moda é criticar o crítico me permita um adendo pois também não entendi esta parte: "E, na maior prova de que uma grande intérprete pode dispensar firulas e tom suntuoso, há O Mundo É um Moinho".
Aqui nesse blog o que mais se exalta são as cantoras que mais fazem firulas nas vozes. Nem por isso são deixadas de lado e ainda são consideradas divas! Pena que o rigor seja para algumas cantoras de vozes que perderam o viço. Vai entender? Como diz um amigo meu: Vida que segue! Abração Maurão,

Marcelo Barbosa - Brasília (DF)

21 de maio de 2008 às 08:45  
Anonymous Anônimo said...

Cida é ótima e não me espanta as * * * * 1/2 de cotação. Estão presentes nesse album 2 das minhas preferidas de Cartola ( " Peito Vazio " e " Acontece ").

Claro que vou ouvir!

PS > só a beleza da capa já mereceria um comentário (2) sem falar no título bem singelo.

O grande album do ano ?

21 de maio de 2008 às 10:05  
Anonymous Anônimo said...

Ao contrário de Cláudia, Cida tem estilo, personalidade e ALMA. Uma grande artista. Criteriosa, cheia de filigranas em sua arte.

21 de maio de 2008 às 10:28  
Anonymous Anônimo said...

Bertold

21 de maio de 2008 às 11:38  
Anonymous Anônimo said...

Esta é DIVA. Sem maiores projeções, sem mídia, sem grande apelo popular mas legítima DIVA dos (pequenos) palcos brasileiros.
Uma luz adequada, um piano, e a performance avassaladora de Cida Moreira. Impressionante!

21 de maio de 2008 às 17:05  
Blogger Pena Schmidt said...

Pois os amigos poderão ver Cida cartolar no Auditório Ibirapuera, para mostrar que é uma DIVA de todos os palco.

21 de maio de 2008 às 20:38  
Anonymous Anônimo said...

Ela é muito inteligente e o cd é lindo!

21 de maio de 2008 às 22:12  
Anonymous Anônimo said...

Cida Moreira é importante mas não chega a ser a Madalena de Paula que alguns chegam a sugerir.
De qualquer forma, muito bem vindo este lançamento. Cida foi a única cantora que conseguiu realizar 1 CD vibrante e inteligente com a obra magnífica de Chico Buarque.

22 de maio de 2008 às 10:32  
Anonymous Anônimo said...

Eu não gostei, não. Achei o disco sem "pegada". O Cartola merecia coisa melhor.

Cláudia Lopes

23 de maio de 2008 às 00:09  

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