Três cantores que estão aí para serem ouvidos...
Título: Estamos Aí
Artistas: Marcos Sacramento, Moyseis Marques e Pedro Miranda
Local: Teatro Rival (RJ)
Data: 19 de fevereiro de 2010
Foto: Mauro Ferreira
Cotação: * * * *
Em cartaz até sábado, 20 de fevereiro de 2010, às 19h30
"Já tá na hora de sair do underground" , mandou recado, com uma certa ironia, Marcos Sacramento, criando novo sentido para o verso de Dia Santo Também, samba de Paulo Padilha entoado pelo cantor em Estamos Aí, o inédito show que reúne Sacramento, Moyseis Marques e Pedro Miranda. Ideia de Sacramento, o show mostra que há, sim, boas vozes masculinas no país das cantoras. "Olhe pro lado, estamos aí...", pedem os três em verso da inédita parceria de Moyseis com Zé Paulo Becker que abre e fecha (no bis) o bem-amarrado roteiro de Estamos Aí. Por mais que seus timbres não sejam especiais, como os de Emílio Santiago e Ney Matogrosso, os três cantam bem, dividem melhor ainda (Pedro e Sacramento, em especial) e merecem (maior) atenção do público.
Desde o início vivaz do show, quando os três defendem juntos temas como Meio-Tom (Rubinho Jacobina) e Panos e Planos (Luiz Carlos Máximo e Moyseis Marques), transparece o clima de real camaradagem entre os três cantores. Tal entrosamento acaba contagiando o público e dando leveza ao show. Até porque os três se movimentam no palco com alegria - aparentemente dividindo a cena com prazer e sem egotrips - enquanto apresentam as músicas do roteiro que embaralha composições dos álbuns lançados pelos intérpretes em 2009, ano em que Pedro se consagrou na mídia com Pimenteira, Sacramento lançou repertório contemporâneo em Na Cabeça e Moyseis investiu no romantismo em Fases do Coração. Coincidentemente, Cartas de Metrô - samba de Moyseis - foi gravado tanto pelo autor como por Pedro, o que motivou curioso dueto no show. Aliás, falando em duos, Desconsideração se impõe como número especial. Teatrais, Sacramento e Moyseis encenam no palco do Teatro Rival a disputa sugerida pelos versos do samba de Luiz Flávio Alcofra. No fim, o duelo se torna vocal, com os dois cantores mostrando habilidade nos scats. Dá empate! Na sequência, o bloco de maior intensidade emocional do roteiro arranca entusiásticos aplausos do público. É quando Sacramento interpreta, com doses exatas de dor e orgulho, os versos da valsa Número Um (Mário Lago e Benedito Lacerda). Os violões de Luis Filipe de Lima e Luis Flávio Alcofra criam um clima seresteiro que ganha tons ruralistas quando Pedro Miranda defende Baticum (Maurício Carrilho e Paulo César Pinheiro) em interpretação que culmina emocionante, com o cantor de olhos marejados. Por sua vez, Moyseis Marques roça o acerto dos colegas ao apresentar belo tema autoral (composto com João Callado) que, embora seja inédito, parece vir de tempos passados. Na sequência, Moyseis mantém o pique vocal e poético com Oitava Cor, número que somente esmaece quando ele força o coro da plateia, pois o samba de Luiz Carlos da Vila (1949 - 2008) é difícil de ser acompanhado.
Com o toque de afro-samba, Receita de Maria (Moyseis Marques) faz a apropriada transição dos temas mais doídos para as músicas de maior vivacidade rítmica. O samba fala de mar, o que propicia o link perfeito com a Chula Cortada, de Roque Ferreira. Da Bahia, o roteiro sobe pelo Nordeste e cai no tom forrozeiro do O Vendedor de Caranguejo, pérola de Gordurinha (1922 - 1969), compositor nascido na mesma Bahia que inspirou Roque Ferreira a compor pérolas como o Samba de Dois-Dois, defendido com alegria por Pedro Miranda, pai de gêmeas, às quais ele dedica o número. Ode a Cosme e Damião, a letra do samba é de Paulo César Pinheiro, também autor dos versos provocadores de Cai Dentro, samba em que Sacramento se confirma craque no suingue e na divisão. No fim, já reunidos, os três cantam O Samba É meu Dom e Nomes da Favela - dois sambas em que, novamente, brilha a pena afiada de Paulo César Pinheiro - até encerrar o show (antes do bis) com Canto de Quero Mais (Moyseis Marques e Zé Paulo Becker), samba apropriado para fechar roteiros. Enfim, por mais que uma ou outra música não esteja à altura dos cantores, e por mais que algumas falas dos artistas não tenham o humor imaginado por eles, Estamos Aí é grande show que reafirma o talento de três intérpretes que, por mais que sejam incensados pela crítica, ainda precisam dos ouvidos do público. Olhe pro lado, como diz o verso do tema que batiza o show: Marcos Sacramento, Moyseis Marques e Pedro Miranda estão aí! E, ao contrário do que cantam com certa ironia em Meio-Tom, seus problemas não estão nas cordas vocais.