Resenha de showTítulo: Modinhas e Canções do Brasil
Artista: Cida MoreiraLocal: Teatro II do CCBB (RJ)Data: 12 de fevereiro de 2008 (sessão de 12h30m)Cotação: * * * * *Sozinha, ao seu piano, Cida Moreira começa a entoar os versos de
Quem Sabe? - canção composta por Carlos Gomes (1836 - 1896) a partir de versos do poeta Bittencourt Sampaio (1834 - 1895). Já nesses primeiros versos ("Tão longe, de mim distante / Onde irá, onde irá teu pensamento?"), o clima é de arrebatamento na platéia que lotou o Teatro II da sede carioca do Centro Cultural Banco do Brasil para assistir no horário do almoço à primeira apresentação de
Modinhas e Canções do Brasil, incluída no ciclo de shows
Modinhas & Chorinhos, em cartaz no CCBB de janeiro a março de 2008. O espetáculo emociona tanto pela voz personalíssima da cantora como pelo repertório de caráter clássico - amostra de um antigo Brasil mais poético, mais delicado e (muito) mais musical.
Fora Cida, há em cena de forma plena o violonista Camilo Carrara, um músico extraordinário, que, já no seu primeiro número,
Viola Quebrada, transmite através das cordas de seu violão a influência portuguesa contida nestas modinhas e canções de grande beleza.
Viola Quebrada - informa a cantora ao público - é a única letra de Mário de Andrade (1893 - 1945), concebida a partir de melodia de Heitor Villa-Lobos (1887 - 1959). Só que a relação de Mário com as modinhas extrapolaria essa letra de versos líricos. Em 1936, o modernista recolheu 16 peças do gênero e as perpetuou no livro
Modinhas Imperais. Foi este trabalho de cunho didático que caiu nas mãos e ouvidos de Cida e permitiu que a intérprete incluísse em seu repertório pérolas como
Hei de Amar-te até Morrer e
Dei um Ai, Dei um Suspiro - tema no qual é mais explícita a influência do fado na modinha brasileira e no qual Cida usa seu característico timbre operístico para realçar o tom quase histriônico dos versos.
A singeleza do canto de Cida Moreira valoriza o farto sentimento contido nesse repertório antigo. A intérprete está cantando em tons mais baixos sem prejuízo do vigor vocal e da emoção. E que emoção! Seus olhos marejam ao longo das interpretações de
Lua Branca (Chiquinha Gonzaga) e da toada
Leilão (Hekel Tavares e Joraci Camargo, 1933). O repertório, a propósito, é irretocável. Cida irmana em bela voz e em puro sentimento canções de Jaime Ovalle (
Azulão e
Modinha - as duas com versos do poeta Manuel Bandeira), dois
standards de Villa-Lobos (
Melodia Sentimental e
Trenzinho do Caipira) e as citadas modinhas imperiais (como
Si te Adoro, de 1850). Nas passagens instrumentais (de muitos) destes números, fica perceptível a intimidade da cantora com seu piano e o virtuosismo de Camilo Carrara ao violão. A interação é absoluta.
Apresentado desde 2004 pela cantora, tendo sido concebido por encomenda para uma grande exposição sobre Mário de Andrade realizada naquele ano em Araraquara (SP), o mergulho fundo da intérprete nas modinhas nacionais é exemplo de Arte no sentido maior do termo. Ao fechar o roteiro com
Cacilda, lindo tema de José Miguel Wisnik para a peça homônima sobre Cacilda Becker (1921 - 1969), Cida Moreira, também ela uma atriz, eleva a arte do canto às alturas. Sai de cena deixando a platéia arrebatada como no início deste antológico recital que merecia registro em disco.