Resenha de CDTítulo: Banda LargaCordelArtista: Gilberto GilGravadora: Warner MusicCotação: * * *Nas lojas somente a partir de 17 de junho, mas já disponível para audição no canal Sonora (do portal Terra), o primeiro disco de inéditas de Gilberto Gil desde
Quanta (1997) conecta o artista à rede de tensões que pautam o universo
hi-tech. Ao mesmo tempo em que festeja a inclusão digital do Brasil interiorano no discurso verborrágico feito na letra da música que dá título ao CD
Banda Larga Cordel, entre ecos de sons nordestinos, o compositor capta o primitivismo que ainda rege parte desse universo. Em
O Oco do Mundo, o maior destaque da irregular safra de inéditas, Gil rumina definições sobre uma esfera sombria que aterroriza e até retém o Homem num estágio mais primitivo. De alta voltagem poética, a música vem carregada de
sujeiras, distorções e recursos eletrônicos (utilizados na medida).
Musicalmente, Gil se equilibra bem entre o acústico e o eletrônico - universos paralelos cuja dicotomia e interação geram a reflexão esboçada em
Máquina de Ritmo. Às vezes, ele até se excede com os timbres artificiais como em
La Renaissance Africaine, que incorpora versos em francês. Mas, no todo, a conexão com a modernidade tecnológica é feita sob medida. E, nesse mundo moderno, a balada
Os Pais - gravada com suingue inexistente na recente gravação original de Jorge Mautner, parceiro de Gil na música - capta bem as tensões que regem as relações entre pais e filhos neste universo de maior liberalidade. Inclusive tecnológica.
A idéia inicial de Gil era fazer um disco de sambas. E alguns deles passaram pelo filtro de
Banda Larga Cordel.
Canô saúda o centenário de Dona Canô com manemolência baiana.
Samba de Los Angeles foi extraído de
Nightingale, álbum de 1978, o primeiro gravado pelo artista especialmente para o mercado norte-americano. Confirmando seu apurado senso rítmico, o cantor deita e rola nas quebradas deste samba. Assim como nas de
Gueixa no Tatame e de
Formosa, única faixa não autoral entre as 17 músicas do CD.
Formosa é da lavra fina de Baden Powell (1937 - 2000) e Vinicius de Moraes (1913 - 1980). De contorno menos inspirado,
Amor de Carnaval completa o time de sambas do disco.
Ao se distanciar do universo do samba,
uma esfera do
cordel se desenrola a partir do universo musical nordestino que moldou a obra do baiano Gil, fã de Luiz Gonzaga (1913 - 1989). A malícia da região dá o tom do bom xote
Despedida de Solteira - em que o cantor narra a aventura de uma cabrita lésbica à beira do altar - e de
Não Grude, Não, tema em que Gil tangencia o forró de contorno mais pop. O viés mais malicioso da música do Nordeste ecoa de forma torta até em
Olho Mágico, balada de atmosfera soul em que Gil tenta duplo sentido ao unir palavras como
quer e
alho.
Duas canções mais interiorizadas abrem espaço para reflexões existenciais. Em
Não Tenho Medo da Morte, Gil divaga sem grande expressão pelo tema da finitude. Já em
A Faca e o Queijo - uma das músicas mais envolventes do disco, feita para Flora Gil para satisfazer desejo expressado pela mulher do compositor - o artista corajosamente lança mão de um discurso direto para assumir as transformações que moldam o amor maduro. "O ardor da paixão já não nos adorna mais", admite Gil em (poético) verso.
No todo, nem sempre as músicas de
Banda Larga Cordel acompanham o vigor do discurso. Mas o disco é bom e conecta Gilberto Gil a um mundo tecnológico que o compositor de
Lunik 9 e
Cérebro Eletrônico já observava, com astúcia, desde os anos 60.