Resenha de CD / DVDTítulo: IntimidadeArtista: Lô BorgesGravadora: Som LivreCotação: * * * *Como bom mineiro, Lô Borges é quieto. A ponto de ele nunca ter tirado partido do fato de, ainda iniciante, ter dividido com Milton Nascimento os créditos do
Clube da Esquina, o emblemático álbum duplo de 1972 que deu forma e visibilidade ao movimento mineiro de BH batizado com o mesmo nome do LP. Lô lançou alguns bons discos nos anos 70 - sempre recolhido à sua grande significância - até que sua carreira fonográfica foi se tornando espaçada.
Intimidade é seu primeiro DVD e foi gravado na série da Som Livre que já rendeu títulos de Guilherme Arantes e Oswaldo Montenegro. Não se limita a registrar um show íntimo em que Lô revisa sua obra diante de pequena platéia de amigos no Estúdio Acústico, em Belo Horizonte (BH). Através de depoimentos, costurados com os 19 números musicais, o DVD revela (um pouco) da alma do artista e de seu cotidiano guiado pela música, como ressalta
Seu Salomão - o patriarca dos Borges, de quem Lô herdou o nome - em frase lapidar ("A vida dele tem um só capítulo: música"). Além de funcionar como (ótima) coletânea de sua obra.
Editado também em CD, o registro intimista do show conta um convidado especial na sua admiração pelos sons da esquina mineira: Samuel Rosa, com quem Lô dividiu o palco numa série de espetáculos feitos no embalo de suas parcerias. O grande sucesso dessa coerente conexão é
Dois Rios, refinada canção gravada pelo Skank no álbum
Cosmotron (2003) e rebobinada por Samuel em
Intimidade ao lado de Lô. O vocalista do Skank canta também
Clube da Esquina 2, um dos marcos do cancioneiro pop mineiro dos anos 70. "Lô e a turma dele são os Beatles brasileiros", depõe Samuel com exagero permitido por sua sincera devoção ao Clube da Esquina. São dois rios, mas somente um afluente - os
Fab Four - a conectar o Skank à turma capitaneada por Milton e Lô em 1972.
Antes dos Beatles, houve a bossa hoje cinqüentenária e - antes de cantar
Sem Não, a bossa que compôs com Caetano Veloso e que gravou num de seus melhores discos,
Meu Filme (1996) - Lô enfatiza que a batida diferente de João Gilberto também ecoou nas esquinas de Minas, mexendo com a cabeça e os sons de garotos que, na época, ainda nem sonhavam mudar o mundo. E, como os sonhos, a música de Lô Borges nunca envelhece, emoldurada numa aparente simplicidade que esconde ousadias harmônicas. Basta ver e ouvir no DVD, em seqüência ou de forma aleatória, músicas como
O Trem Azul,
Feira Moderna,
Nuvem Cigana,
Um Girassol da Cor do seu Cabelo,
Paisagem na Janela e
Para Lennon & McCartney, entre outras, para entender a importância do artista na arquitetura do pop brasileiro. Contudo, no caso, é preciso apreciá-las com ouvidos generosos, pois, no quesito afinação, Lô nunca foi um dos sócios mais ilustres do Clube - deficiência que salta aos ouvidos num registro pautado pela informalidade. O que conta em
Intimidade é o clima de balanço. É ter a oportunidade de saber - através de depoimento de Márcio Borges, parceiro e irmão mais velho de Lô - que
Tudo que Você Podia Ser teve inspiração no calor dos movimentos estudantis que agitaram os anos 60. Ou ainda de ver que, mesmo estruturado no violão, como enfatizado em
Equatorial, o cancioneiro de Lô também pode ser eventualmente formatado ao piano - como em
Universo Paralelo.
Com antigos ou novos parceiros, casos de Chico Amaral (
Segundas Mornas Intenções e
Um Dia e Meio) e César Maurício (
Tudo em Cores pra Você), a música de Lô Borges continua jovem e, se propagada pela mídia, como aconteceu com a envolvente canção
Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor, gravada por Milton Nascimento no álbum
Pietá (2002), ainda é capaz de cativar admiradores em qualquer esquina de Minas, do Brasil e do mundo.