Sai de cena Caymmi, gênio atemporal da MPB
Sem se inserir em nenhuma corrente da música brasileira, a música de Dorival Caymmi - nascida na segunda metade nos anos 20, com a composição de tosca toada intitulada No Sertão - constitui um gênero por si só. Sua obra pode ser dividida em três vertentes: as canções praieiras, os sambas buliçosos cheio de requebros e os sambas-canções. Estes brotaram com mais assiduidade a partir dos anos 40, quando Caymmi já estava ambientado no Rio de Janeiro da fase pré-Bossa Nova. Mas, já em 1932, o compositor criava Adeus, seu primeiro samba-canção, antecipando o apego ao gênero quando veio para o Rio, em 1938.
Toda a obra de Dorival Caymmi prima pelo requinte e exala uma modernidade que já estava em intuitiva sintonia com as conquistas estilísticas da bossa hoje cinqüentenária (não por acaso, João Gilberto sempre cantou os sambas do autor de Saudade da Bahia e Samba da Minha Terra). Mas requinte, no caso de Caymmi, nunca foi sinônimo de rebuscamento. Seu cancioneiro ostenta a simplicidade sofisticada somente alcançada pelos gênios. Dentro desta obra atemporal, os temas praieiros são especialmente originais com suas imagens poéticas que descrevem todo o encanto do mar através de versos minimalistas, exatos. São nas canções praieiras que a voz grave de Caymmi - doce e profunda como o próprio mar - se revela mais sedutora, carregada de aura de ancestralidade que confere ao compositor baiano um status de quase divindade. São nas canções marinhas que o violão de Caymmi - aprendido na juventude de forma autodidata - se revela especialmente inventivo. Em O Mar, uma das várias obras-primas do compositor no gênero, tal violão parece reproduzir o movimento sinuoso da maré. Coisa de gênio...
Nos sambas buliçosos, urdidos e sacudidos com manemolência toda própria, Caymmi pintou o retrato definitivo da velha Bahia, com suas pretas do acarajé, suas 365 igrejas e as musas como Adalgisa. As mulheres, aliás, foram temas recorrentes na obra sensual de Dorival Caymmi. Marina, por exemplo, é da época em que o compositor privilegiava os sambas-canções, inebriado com a atmosfera enfumaça das boates cariocas. E, a propósito dos sambas-canções, vale ressaltar que, com Caymmi, o gênero nunca pecou pelo excesso de dramaticidade ou por qualquer mínimo sentimentalismo. O amor, ou a falta de, foi abordado com a costumeira elegância pelo mestre em músicas como Não Tem Solução, Nem Eu, Você Não Sabe Amar e Só Louco, entre outras.
Enfim, como compositor, Dorival Caymmi foi ilimitado - como certa vez o caracterizou outro gigante da música brasileira, um tal de Tom Jobim (1927 - 1994). Com o qual, aliás, Caymmi já deve estar se confraternizando - no seu tempo todo próprio - no olimpo reservado aos grandes criadores da música popular. Descanse em paz, Buda Nagô, que a sua obra já é do povo, como você sonhou...