Resenha de Show Título: Água
Artista: Fafá de Belém (em fotos de Mauro Ferreira)
Participação especial: Mariana Belém
Local: Teatro Rival (RJ)
Data: 29 de maio de 2009
Cotação: * * * * 1/2
Em cartaz até sábado, 30 de maio de 2009, às 19h30m
Projetada de forma nacional em 1975, ao gravar o samba-de-roda Filho da Bahia para a trilha sonora da novela Gabriela, Fafá de Belém teve sua carreira fonográfica consolidada em 1977 com o êxito artístico e comercial do LP Água, seu melhor trabalho na brejeira fase inicial de sua discografia. Trinta e dois anos depois de lançar o álbum que logo pôs nas paradas sucessos como Sedução (Milton Nascimento e Fernando Brant) e o bolero Foi Assim (Paulo André e Ruy Barata), Fafá revisitou o repertório do disco em show idealizado a convite da organização da edição de 2009 da Virada Cultural paulista. Foi esse lindo show que a cantora trouxe esta semana ao Rio de Janeiro para três apresentações no Teatro Rival.
Fafá emerge forte das águas deste repertório denso, de textura regional. Sua voz ainda transita pelos mesmos tons das gravações originais, só que com a vantagem de ter encorpado e ganhado maturidade. A abertura do show é especialmente envolvente. Quem aparece no palco é Mariana Belém, filha da cantora, evocando a imagem juvenil da Fafá dos anos 70 ao cantar Tamba-Tajá. Esta música deu título ao primeiro LP de Fafá e foi a partir do roteiro do show homônimo - estreado em maio de 1976 no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro (RJ) - que a intérprete começou a pescar o repertório que iria compor o disco Água, reeditado uma mísera vez em CD, em 1993, na (desleixada) série Colecionador.
Finda a abertura, na qual Fafá se encontra com Mariana, a cantora começa a cantar propriamente o repertório do disco, enfileirando as 12 músicas de Água na ordem em que elas aparecem no LP original, produzido por Roberto Santana, a quem faz generosos elogios em cena. Pauapixuna (Paulo André e Ruy Barata) - o tema que abria o disco - ganha interpretação marcada por coreografias intensas. Na sequência, Araguaia (Rinaldo Barra) é veículo para o momento de maior brilho de Mariana Belém, que sustenta bem o refrão urdido em tons altos. A excelência do repertório - que conjuga climas sensuais e interioranos - é valorizada pela ótima banda que divide o palco com Fafá. Com o detalhe de que dois músicos - o baterista Ricardo Costa e o violonista Chiquito Braga, também diretor musical do atual show - tocaram no álbum Água.
Intérprete de recursos teatrais, Fafá vai da densidade emocional de Leilão (Hekel Tavares e Joracy Camargo) à leveza da Canção Passarinho (Luiz Violão), desaguando no lirismo empostado de Ontem ao Luar (Catulo da Paixão Cearense e Pedro de Alcântara), cantiga à moda antiga que ela entoa sentada na rede posicionada numa das extremidades do palco. Na sequência, pela ordem do disco, deveria vir Raça (Milton Nascimento e Fernando Brant) - número que serve de pretexto para rodopios e para a longa apresentação da banda - mas Fafá antecipa Cidade Pequenina, a bela (e única!) parceria de Caetano Veloso com Roberto Menescal.
Retomada a ordem do disco, a partir de Raça, chegam os hits Sedução e Foi Assim. Em Sedução, Mariana Belém, até então eficiente nos backing-vocals, volta ao centro do palco para dueto com Fafá, sem mostrar maturidade para encarar música cheia de malícia. Em Foi Assim, é Fafá quem não aproveita todas as possibilidades da música, entoada com alegria incondizente com a melancólica resignação expressada nos versos sobre o fim de uma paixão. O rigor estilístico que norteia o show é recuperado a partir do sublime número seguinte: o medley que une O Andarilho (Dalton Vogeler e Orlando Silveira) com a sofrida Ave Maria dos Retirantes, tema de grande interiorização em que Zé Canuto cita na flauta a Ave Maria de Gounod. Um fecho de ouro para um dos melhores shows de Fafá de Belém, que, no bis, então já fora do repertório do disco, surpreende ao cantar Elomar (O Pedido) antes de reviver seus hits iniciais Filho da Bahia e Emoriô nas águas do regionalismo brejeiro que pontou seu memorável início de carreira. Que ela volte a mergulhar nessas águas em futuro CD...