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Resenha de ShowTítulo: Em Boa Companhia
Artista: Simone (em fotos de Mauro Ferreira)
Local: Canecão (RJ)
Data: 18 de setembro de 2009
Cotação: * * * * 1/2
Em cartaz no Canecão - RJ até domingo, 20 de setembro
Em Boa Companhia - o show que Simone estreou oficialmente no Rio de Janeiro (RJ) na noite de 18 de setembro de 2009, depois de algumas pré-estreias em São Paulo - amplia bem a atmosfera de sensualidade e de felicidade de Na Veia, o recém-lançado CD que o inspirou. Prestes a completar 60 anos, em 25 de dezembro, a cantora se apresenta leve e bonita no palco do Canecão. Dirigida por José Possi Neto, Simone brilha feliz num de seus melhores espetáculos. Em Boa Companhia roça a perfeição e, se não a atinge, é por conta do bis até simpático, mas destoante em sua alegria forjada. Bis que culmina com Ex-Amor e Canta, Canta Minha Gente, sambas de Martinho da Vila. O início, ao menos na estreia carioca, também resultou morno. Simone abre o roteiro com Tô que Tô (Kleiton e Kledir Ramil) para anunciar o tom feliz do show. Contudo, talvez pelo fato de a própria cantora ainda não estar no clima, o show engrena de vez somente a partir do quarto número, Face a Face, a obra-prima de Sueli Costa e Cacaso que deu título ao álbum lançado por Simone em 1977. Mas, no geral, tudo funciona bem. Mesmo antes, quando tropeçou num verso de Certas Noites (Dé Palmeira e Adriana Calcanhotto), Simone tirou esse ligeiro erro de letra e mostrou a leveza que pontua seu (bom) momento artístico atual. Ela continua cantando muito bem. A voz já não ostenta a potência de antes, mas se ajusta com perfeição à elegância suave que dá o tom do repertório do CD Na Veia, base do roteiro enxuto. Até porque esse cancioneiro não pede registros dramáticos - como o esboçado pela artista apenas em Face a Face.
Num show que tem o desejo como mote, Hóstia - a parceria de Erasmo Carlos com Marcos Valle - cai como uma luva no roteiro que exalta o amor, o sexo e a mulher. Objeto declarado do desejo exposto nos versos de músicas como Deixa Eu te Amar, o samba popularizado por Agepê (1942 - 1995) nos anos 80 que, na voz de Simone, tem ressaltada sua beleza melódica. O samba é um dos melhores momentos do show. A propósito, com exceção de Love, todas as músicas do disco Na Veia crescem no palco. E Simone soube pescar no seu próprio repertório pérolas que se ajustam ao espírito sensual do espetáculo. Casos de Elegia (a investida de Péricles Cavalcanti e Augusto de Campos sobre o poema de John Donner que a cantora regravou em 1995 no seu álbum Simone Bittencourt de Oliveira), Paixão (a canção de Kledir Ramil a que a Cigarra deu voz em Delírios e Delícias, LP de 1983) e de Ai, Ai, Ai... (o tema de Ivan Lins e Vítor Martins, encharcado de latinidade e desperdiçado por Simone num disco triste, Raio de Luz, de 1991). Fora de seu baú, a cantora acerta ao reviver Certas Coisas - a balada de Lulu Santos e Nelson Motta - em arranjo pontuado por intervenções agudas da guitarra de Walter Vilaça. Aliás, justiça seja feita, descontado o início e o bis alegre, Simone acerta em todos os momentos. Seja sublinhando o dengo contido nos versos do samba Lá Vem a Baiana, de Dorival Caymmi. Seja exaltando a amiga Zélia Duncan ao reviver Diga Lá, Coração. Seja marcando um golaço ao dar molho cubano ao samba Geraldinos e Arquibaldos. Seja cantando com a devida determinação o blues Pagando pra Ver (Abel Silva e Nonato Luis), pretexto para a inusitada abordagem bluesy de Perigosa, o abusado pop rock que Roberto de Carvalho e Nelson Motta compuseram (com a ajuda de Rita Lee, autora do decisivo verso 'Dentro de mim' que dá sentido sexual à letra) para as Frenéticas. Poderia soar forçado, mas dá pé.
Como o CD Na Veia já mostrara, o show Em Boa Companhia reafirma que Erasmo Carlos estava muito inspirado ao compor a balada Migalhas. E que Adriana Calcanhoto poderia ter estado mais inspirada ao musicar Definição da Moça, poema de Ferreira Gullar. Mas são detalhes de um show sedutor que, antes do bis, termina de forma esplêndida com uma abordagem melodiosa de Chuva, Suor e Cerveja, o frevo baianíssimo de Caetano Veloso. Na companhia de uma boa banda que inclui o baterista Carlos Bala, Simone apresenta o que talvez seja seu melhor show na década. A Cigarra aplica sensualidade e felicidade na veia de seu fiel público.