'Iê Iê Iê' de Arnaldo pulsa efervescente no palco
Título: Iê Iê Iê
Artista: Arnaldo Antunes (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Circo Voador (RJ)
Data: 24 de outubro de 2009
Cotação: * * * * *
O Iê Iê Iê de Arnaldo Antunes pulsa com vigor efervescente no palco. Inspirado no décimo disco solo do artista, que propõe inteligente releitura da música e da cultura pop formatada na primeira metade dos anos 60, o show que chegou ao Rio de Janeiro já na madrugada deste sábado, 24 de outubro de 2009, é um dos melhores do ano (assim como o CD lançado em setembro). As camisas coloridas penduradas ao fundo do palco - principais peças do cenário de Marcelo Sommer e Márcia Xavier - evocam a plasticidade da pop art e traduzem bem o conceito de um show em que o pop sessentista é atualizado sem purismos ou preconceitos. A ponto de o roteiro inserir samba (Vou Festejar, hit de Beth Carvalho em 1978, reembalado pelo titã do iê iê iê em arranjo roqueiro), forró (Americana, tema de Dorgival Dantas adornado pela guitarra e pelos vocais de Edgard Scandurra) e músicas de Luiz Melodia (Pra Aquietar, único número que não cai tão bem, ainda que o Negro Gato volta e meia dê suas escapadas pelo universo da Jovem Guarda) e Odair José (Quando Você Decidir, tema suplicante costurado no roteiro com o autoral Pedido de Casamento pelo link temático). Tudo é pop. Tudo é iê iê iê na pegada atual da música de Arnaldo Antunes. Um som antenado e escorado no virtuosismo de banda fenomenal que, além do luxo de contar com a guitarra soberana de Scandurra, agrega feras como o tecladista Marcelo Jeneci, o baterista Curumim, o baixista Betão Aguiar e o violonista Chico Salem. Time que bate um bolão!!
Se o Iê Iê Iê de Arnaldo Antunes é amplificado nesse show que roça a perfeição, muito se deve à energia titânica do cantor. Arnaldo canta com todo o corpo, numa movimentação frenética pelo palco. Ao entoar o verso da música-título que cita o Cristo Redentor, ele estende os braços numa citação visual do próprio Cristo que exemplifica o caráter quase performático de suas interpretações. Nada soa aleatório no roteiro oficial da turnê patrocinada pelo projeto Natura Musical (já no bis, o artista se permite licenças poéticas como Cabelo e O Pulso). Tudo parece estar no seu lugar. Inclusive as músicas de discos anteriores. Lançada no álbum Saiba (2004), a canção Consumado - da lavra de Arnaldo com seus parceiros tribalistas Carlinhos Brown e Marisa Monte - reaparece transmutada com perfeição para o universo de Iê Iê Iê. E nem é preciso ficar recorrendo ao passado. O repertório inédito do disco presente enfileira clássicos instântaneos como Invejoso, tema que agrega na banda a guitarra de Fernando Catatau, produtor do álbum. Ora mais pesado (O Que Você Quiser), ora mais suingante (A Casa É Sua), o moderno iê iê iê de Arnaldo Antunes rende também baladas de um romantismo mais burilado do que o propagado nas jovens tardes dominicais dos anos 60. Nessa seara, Longe já se impõe como a obra-prima do cancioneiro atual. A linda balada é valorizada no show por ambientação climática realçada pela iluminação que sai de um globo espelhado. Já a menos inspirada Meu Coração incendeia a platéia porque Arnaldo a canta no meio do público. "Com vocês cantando, tudo fica mais bonito", rasgaria seda o cantor instantes depois, ao se emocionar com o coro forte de Socorro, número do bis. De fato, quase tudo ficou imensamente bonito - quase mágico - quando o iê iê iê titânico de Arnaldo se abrigou sob a lendária lona voadora, cenário do renascimento oitentista do pop nacional, que deu os seus primeiros passos justamente na era do seminal iê iê iê.