Ná canta Carmen com inusitados balangandãs
Título: Ná Ozzetti Canta Carmen Miranda
Artista: Ná Ozzetti
Local: Teatro de Arena da Caixa (RJ)
Data: 25 de julho de 2008
Cotação: * * * *
Em cartaz : Rio de Janeiro (Teatro de Arena da Caixa, 25 e 26 de
julho), Brasília (Teatro da Caixa, de 1º a 3 de agosto) e São Paulo
(Teatro Fecap, de 21 a 31 de agosto, de quinta-feira a domingo)
Difícil associar logo de imediato o canto cool de Ná Ozzetti ao cancioneiro repleto de vivacidade de rítmica gravado por Carmen Miranda (1909 - 1955) no Brasil entre 1929 e 1940, primeiro na RCA Victor e, a partir de 1935, na Odeon. Contudo, a cantora estuda a obra da Pequena Notável desde que integrava o grupo paulista Rumo nos anos 80. "Carmen foi e continua sendo uma das principais referências e influências do meu canto", enfatiza Ná em cena, no meio do show em que aborda o repertório da intérprete de Ao Voltar do Samba (Sinval Silva, 1934), uma das pérolas do roteiro. Depois de estrear em Curitiba (PR), em 17 de julho, o show Ná Ozzetti Canta Carmen Miranda chegou ao Rio de Janeiro na noite de 25 de julho de 2008 para duas apresentações no Teatro de Arena de Caixa. Difícil não se render às duas artistas.
Ná Ozzetti canta Carmen com outros balangandãs, expondo a modernidade do repertório de sua antecessora e evitando os clichês relacionados ao canto da artista portuguesa, vinda para o Brasil antes de completar dois anos. O drible na obviedade já se revela no número de abertura, Imperador do Samba (Waldemar Silva, 1937). A despeito de uma certa linearidade nos números iniciais, casos de Recenseamento (Assis Valente, 1940) e Camisa Listrada (Assis Valente, 1937), o show vai crescendo aos poucos e envolve o espectador em atmosfera de progressiva sedução. No bis, dado com Ta-hí (Pra Você Gostar de mim) (Joubert de Carvalho, 1930), a platéia, já embevecida, se permite até acompanhar Ná e os músicos nos versos dessa marcha que ajudou a popularizar a voz ágil de Carmen no Brasil, no Carnaval de 1930.
O quarteto que divide o palco com Ná - Dante Ozetti (violão), Mário Manga (violoncelo, guitarra e violão), Sérgio Reze (bateria e percussão) e Zé Alexandre Carvalho (baixo acústico) - é também responsável pelo acerto do show, gestado de forma coletiva, como enfatiza a cantora em cena. A inventividade dos arranjos - perceptível nas inusitadas quebradas da supra-citada Camisa Listrada e na marcação do baixo que introduz ...E o Mundo Não se Acabou (Assis Valente, 1938), por exemplo - salta aos ouvidos do início ao fim do roteiro, cujas músicas ganharam, em sua maioria, passagens instrumentais. Mas seria injusto não ressaltar que é a segurança do canto raro de Ná que faz toda a diferença. Seja procurando um tom menos dramático para Na Batucada da Vida (Ary Barroso e Luiz Peixoto, 1934), seja esboçando fina ironia ao (re)fazer o desabafo exposto na letra de Disseram que Voltei Americanizada (Vicente Paiva e Luiz Peixoto, 1940), buscando o histrionismo para valorizar a teatralidade de Boneca de Pixe (Ary Barroso e Luiz Iglesias, 1938) ou exibindo a vivacidade rítmica típica de Carmen em O Samba e o Tango (Amado Regis 1937) e Tic Tac do meu Coração (Alcyr Pires Vermelho e Walfrido Silva, 1935), Ná mostra (total) domínio de sua voz privilegiada e afinada.
Na parte final, mais especificamente a partir de Diz que Tem... (Vicente Paiva e Aníbal Cruz, 1940), os músicos passam a interagir como cantores com Ná em graciosos arranjos vocais. O que dá sabor todo especial a números como A Preta do Acarajé (Dorival Caymmi, 1939), Touradas em Madrid (João de Barro e Alberto Ribeiro, 1938) e a maliciosa Fon Fon (João de Barro e Alberto Ribeiro, 1937). Pena que a iluminação, simplória, não realce o colorido do canto de Ná, que brinca deliciosamente com a voz em Chattanooga Choo Choo (Warren e Gordon, 1942). Ao se despedir dizendo velozmente os versos lépidos do choro Tico-Tico no Fubá (Zequinha de Abreu, 1945), Ná Ozzetti deixa a certeza de que o repertório de Carmen Miranda resiste esplendidamente ao tempo e brilha sempre que é abordado com criatividade e sem os clichês.