Resenha de Show Título: Passageiro
Artista: Rodrigo Maranhão (em fotos de Mauro Ferreira)
Local: Teatro Rival (RJ)
Data: 8 de julho de 2010
Cotação: * * * * 1/2
Além de roçar a perfeição do disco que o inspirou, o sedutor show Passageiro atesta e expõe toda a grandeza da obra de Rodrigo Maranhão como compositor. Grandeza que pode ser medida tanto pela qualidade já evidenciada no CD lançado em maio como pela quantidade, já que todos os 23 números do roteiro são autorais (com o detalhe de que Todo Dia é entrelaçada com Alegre Menina, a parceria bissexta de Dori Caymmi com o escritor Jorge Amado). Não por acaso requisitado por cantoras antenadas como Maria Rita e Roberta Sá, Maranhão se garante como compositor em show que revela seu humor espirituoso. Na estreia realizada na noite de 8 de julho de 2010, no Teatro Rival (RJ), Maranhão divertiu a plateia com histórias sobre sua vida e obra. Seu bom papo contribui para o brilho do show Passageiro, mas a música nunca sai do primeiro plano no roteiro que costura músicas do primeiro CD solo do artista, Bordado (2007), com os temas do novo primoroso álbum. E que peca somente por omitir a toada Três Marias - uma das obras-primas inseridas no CD Passageiro.
"Tem um cantor bom no disco", alertou Maranhão, maroto, para a plateia ao se referir à participação do cantor português António Zambujo na canção Quase um Fado, tema de alma lusitana solado pelo compositor no show. Maranhão sabe que não é exatamente o que se pode chamar de um bom cantor no sentido técnico do termo. Contudo, ele vem se tornando um intérprete cada vez mais hábil no trato de seu cancioneiro autoral. E, sim, se porta em cena como um ótimo cantor de suas próprias criações. A ponto de improvisar a capella o aboio Olho de Boi. De alcance limitado, mas sempre bem colocada, a voz de Maranhão se ajusta cada vez mais às necessidades de obra que transita entre o samba e os ritmos nordestinos. E o resultado é um show sedutor do início ao fim. Já no número de abertura, quando a atmosfera esfumaçada não revela de todo o rosto de Maranhão enquanto ele entoa de pé seu Samba Quadrado, fica claro que o show Passageiro persegue o apuro do CD homônimo. É fato que, no show, não há a cortante rabeca de Siba na canção-embolada que lhe dá título. E tampouco a percussão de Marcos Suzano no xote Maria Sem Vergonha. Em contrapartida, há a percussão majestosa de Pretinho da Serrinha, que evoca em segundos o clima praieiro do Samba pra Vadiar. E há o acordeom de Marcelo Caldi, lírico ao citar O Bêbado e a Equilibrista (João Bosco e Aldir Blanc) na introdução da Valsa Lisérgica, parceria de Maranhão com Pedro Luís, linda de doer. É também o acordeom de Caldi que põe o toque de tango que logo aclimata Milonga em apropriada ambiência argentina. É luxo só!!!
Sob a batuta de Zé Nogueira, produtor do álbum Passageiro, Maranhão aprendeu que menos pode ser mais. Talvez por isso o show se beneficie da atmosfera minimalista que pontua o disco. Na canção De Mares e Marias, outra pérola do repertório, Maranhão canta somente na companhia do sax de Nogueira e de seu próprio violão. Entre sambas como Recado e xotes como O Osso, o compositor se permite até apresentar música inédita, Itinerário, cuja letra segue, no compasso de um samba tenso, o roteiro da van carioca que liga a favela da Rocinha a Rio das Pedras, evocando o funk e o rap ouvidos nessas localidades e inseridos desde o começo por Maranhão em sua obra (não é à toa que Fernanda Abreu foi uma das primeiras a apostar nas músicas do compositor). Ao fim do bis, quando revive Noites do Irã sem o sotaque oriental da gravação do disco Bordado e quando assume o cavaquinho para aquecer o samba Fogo no Paiol e dar o recado buarquiano de Um Samba pra Ela (ela é Maria Rita - como ele conta no show), Rodrigo Maranhão sai de cena, deixando a certeza de que está no ponto para conquistar público e sucesso nacionais.