Resenha de Show Título: Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos
Artista: Otto (em fotos de Mauro Ferreira)
Data: 4 de julho de 2010
Local: Circo Voador (RJ)
Cotação: * * * * 1/2
"Na vida, ou você se quebra ou você não se quebra. Eu sou um homem que não vou quebrar", filosofou e afiançou Otto diante do público que encheu a pista e as arquibacandas do Circo Voador (RJ), já na madrugada deste domingo, 4 de julho de 2010, para ver o cantor, em turnê com o show de lançamento de seu quinto bom álbum, Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos (2009), destaque da safra fonográfica do ano passado. Gerado em momento de crise pessoal, o disco originou show nervoso, cuja eletricidade atenua a carga melancólica de letras como a de Filha, música que abriu o roteiro e teve seu refrão ("Aqui é festa, amor / E há tristeza em minha vida") cantado em coro pelo público carioca. Sim, era festa no Circo e, se havia tristeza, ela se dissipou e subiu no toque afro dos tambores dos percussionistas André Malê e Marcos Axé, quando Otto cantou músicas como O Celular de Naná, Janaína e Condom Black (Stop Play), esta emendada com Emoriô (Gilberto Gil e João Donato), pretexto para Otto saudar Donato, um cariocacreano na sua definição, dita em alusão ao fato de o compositor, radicado no Rio de Janeiro (RJ), ter nascido no Acre. Com atuações luminosas no show, Malê e Axé estiveram sempre no mesmo primeiro plano do genial guitarrista Fernando Catatau, convidado especial cuja presença fez toda a diferença na elaboração do suingue de repertório recolhido com equilíbrio entre os quatro CDs de estúdio do astro pernambucano.
"Essa porra de palco é a droga mais pesada que Deus me deu. E olha que Ele vem em ofertando coisa boa...", disparou Otto em cena, em fala marota que antecedeu a Ciranda de Maluco, tema de seu primeiro cultuado álbum solo, Samba pra Burro (1998). Nesse momento, o ex-percussionista do grupo Mundo Livre S/A - um dos pilares do movimento Mangue Beat - assumiu um atabaque. Como se estivesse doido, curtindo o barato do palco, o cantor pulou pelo picadeiro e chegou a se misturar entre o público enquanto entoava Lavanda, música de seu disco mais fraco, Sem Gravidade (2003). Os grooves contemporâneos de números como Naquela Mesa (Sergio Bittencourt) e Saudade acenturam o brilho de um show azeitado que reverenciou Chico Science (1966 - 1997) quando Otto reviveu Da Lama ao Caos, faixa-título do primeiro álbum da Nação Zumbi. Alocados antes e depois deste clássico do Mangue Beat, Cuba e O Celular de Naná mantiveram o show na pressão. Que continuou alta em Meu Mundo Dança, TV a Cabo e Pra Ser Só Minha Mulher. Nesta canção de Ronnie Von e Tony Osanah, lançada por Roberto Carlos em 1976 e regravada por Otto no álbum Sem Gravidade, o popular e o muderno se fundiram em número que realçou a maestria da guitarra de Catatau. No fim, Low preparou o clima para o bis, no qual Otto improvisou ao pandeiro samba de Cartola (1908 - 1980), Tive Sim, e recorreu novamente ao cancioneiro de Roberto Carlos ao citar o rock Quando (1967) antes de cantar Seis Minutos, música de seu atual disco. Em cena, o som de Otto é um barato inebriante. Ele não se afundou na lama de caos existencial.