Alcione aprimora repertório em show ainda cru
Título: De Tudo que Eu Gosto
Artista: Alcione
Local: Citibank Hall (RJ)
Data: 9 de novembro de 2007
Cotação: * * *
Show em cartaz até 10 de novembro de 2007
"Vocês trouxeram as giletes para cortar os pulsos?", já perguntou Alcione, marota, antes de fazer um bloco com músicas de dor-de-cotovelo que harmonizou Molambo, Desacostumei de Carinho (a canção de Fátima Guedes gravada por Nana Caymmi) e Ontem à Noite, da seara de Núbia Lafayette (1937 - 2007). O set de fossa é exemplo do upgrade dado pela Marrom em seu repertório em um bom show que estreou no Rio de Janeiro ainda cru, desarticulado, mas que nem por isso deixa de estar entre os melhores da cantora. Já ao entrar em cena, cantando a capella a toada do boi de Maioba Se Não Existisse o Sol, do Maranhão natal, Alcione mostrou que a voz estava em ótima forma - com um viço e um volume que já não apareceram em seus últimos CDs. Na seqüência, cantou As Forças da Natureza, o samba do repertório da amiga Clara Nunes (1942 - 1983) que a Marrom gravara no CD Claridade (1999). Foi outro sinal de que Alcione buscou aprimorar o repertório, mesmo sem dispensar as inevitáveis baladas derramadas que lhe garantiram o sucesso radiofônico nos últimos anos. Entre elas, A Loba, Faz uma Loucura por mim e Você me Vira a Cabeça (me Tira do Sério). É mal necessário para artista que satisfez os caprichos do mercado.
Alcione voltou à cena menos over, sem o tom trash de seu chato e lamentável show anterior, Uma Nova Paixão. Mas sem deixar de ser Alcione. Tanto que a estréia - num Citibank Hall frio e com lotação pela metade - contou com suas tiradas espirituosas e com tristes saudações a convidados que incluíam até atores de terceiro escalão. Em contrapartida, a Marrom pinçou deliciosos lados B de seu repertório dos anos 80. De Vamos Arrepiar!, disco de 1982, reapareceu Edital, belo manifesto de devoção ao canto. Do álbum Almas e Corações, de 1983, Mutirão de Amor lembrou tempos em que Alcione era mais próxima da obra de bambas como Zeca Pagodinho, Jorge Aragão e Sombrinha, autores do samba. Aragão e Sombrinha foram bisados no roteiro com Novo Endereço, do LP Nosso Nome: Resistência (1987). E ainda houve Mesa de Bar, a música de Gonzaguinha que Alcione mostrou em 1985 no disco Fogo da Vida em dueto com o autor. Enfim, surpresas do baú...
Se o show ainda precisa de ajustes (a cantora demorou a entrar em Meu Ébano, errou a letra de Edmundo - tributo a Elza Soares, com direito a projeções de imagens antigas da Mulata Assanhada no telão - e pareceu mal-ensaiada), o roteiro precisa de uma costura mais firme. A pueril Obrigada, por exemplo, está deslocada entre dois sambas da Mangueira (o samba-rap Mangueira É uma Mãe e o samba-enredo da Estação Primeira para o Carnaval de 2008). Contudo, qualquer desajuste vira detalhe quando Alcione revive lindamente Camarim, a parceria de Hermínio Bello de Carvalho e Cartola. Neste número, a Marrom volta a ser a grande cantora que foi um dia. E que, felizmente, aparece eventualmente no roteiro e no tom mais comedido deste show que ainda vai ficar mais bonito quando estiver (bem) mais azeitado. Mas que já merece ser visto.