12 de dezembro de 2009

Retrô 2009: Krieger segue a melhor 'Correnteza'

Um dos melhores compositores surgidos na década, o carioca Edu Krieger confirmou a contínua inspiração de sua obra autoral em seu segundo álbum, Correnteza, editado no fim de setembro pela gravadora Biscoito Fino. O artista - visto acima em foto de Fábio Seixo - apresentou repertório inédito de nível tão alto quanto o de seu primeiro CD, Edu Krieger (2006), no qual cantoras como Maria Rita e Roberta Sá pescaram pérolas para seus trabalhos. Com músicas redondas como o xote Rosa de Açucena e o belo samba que lhe dá título, Correnteza fez Krieger seguir o curso da boa música brasileira. Figura na lista de melhores discos de 2009.

Badu lança quinto disco de estúdio em fevereiro

Quinto álbum de estúdio de Erikah Badu, New Amerykah, Part Two: Return of the Ankh tem lançamento agendado para 23 de fevereiro de 2010. Trata-se da sequência de New Amerykah Part One: 4th World War, álbum de 2008 que vendeu 359 mil cópias nos Estados Unidos. Window Seat, Don't Be Long, Get Money (música que faz referência a Notorious B.I.G. - o rapper assassinado em 1997), Incense e Fall in Love são faixas do disco, editado com o selo da Motown e distribuição da Universal Music.

Filhos conferem dignidade ao baile do Simonal

Resenha de CD / DVD
Título: O Baile do Simonal
Artistas: Alexandre Pires, Caetano Veloso, Diogo
Nogueira, Ed Motta, Fernanda Abreu, Frejat, Lulu
Santos, Marcelo D2, Maria Rita, Mart'nália, Max de
Castro, Orquestra Imperial, Paralamas do Sucesso,
Péricles, Rogério Flausino, Samuel Rosa, Sandra de Sá,
Seu Jorge, Thiaguinho e Wilson Simoninha
Gravadora: EMI Music
Cotação: * * * *

É justo admitir de cara: o Baile do Simonal é ótimo. Embora o objetivo oportunista desta gravação ao vivo editada pela EMI Music seja faturar com a redescoberta da obra de Wilson Simonal (1938 - 2000), motivada pelo documentário Simonal Ninguém Sabe o Duro que Dei (2008), o resultado supera expectativas. O êxito é oriundo do envolvimento dos filhos do cantor, Max de Castro e Wilson Simoninha, na produção e na direção musical do show captado em 11 de agosto de 2009 na casa Vivo Rio, no Rio de Janeiro (RJ). Já em País Tropical - celebrado por Seu Jorge - fica nítido que os arranjos são totalmente fiéis ao som suingado da Pilantragem, o pseudo-movimento que ampliou a popularidade de Simonal no fim dos anos 60. Certeza reiterada quando Samuel Rosa (em bissexta gravação solo) entra em cena para pilotar majestosamente Carango com o mesmo gás roqueiro usado em doses maiores pelos Paralamas do Sucesso ao conduzir Mustang Cor de Sangue. Mas há ousadias. Mais fiel à sua ideologia hip hop do que ao estilo do homenageado, Marcelo D2 põe seu rap em Nem Vem que Não Tem. Igualmente à vontade, Mart'nália celebra a popularidade com as garotas em Mamãe Passou Açúcar em mim. Já Simoninha mostra que é legítimo herdeiro musical do pai ao reviver Aqui É o País do Futebol e Tributo a Martin Luther King (número exclusivo do DVD). Cantor do Jota Quest, Rogério Flausino - em sua primeira gravação solo - é prejudicado por música (Meia-Volta, de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar) menos inspirada. Na sequência, Fernanda Abreu mostra que se garante no país do suingue ao defender o samba A Tonga da Mironga do Kabuletê enquanto Max de Castro procura evocar o carisma do pai ao comandar a plateia em reverente leitura de Meu Limão Meu Limoeiro. Empolga. "Meio tom acima... Agora em reggae... Olha o champignon... Agora vamos em jazz...", ordena ora para a plateia, ora para a big-band, numa comunicação facilitada pelo balanço irresistível deste clássico da fase pilantra da obra de Simonal. Que começou linkado à bossa nova - o que justifica as presenças no roteiro de Lobo Bobo (a cargo de Ed Motta, em clima de samba-jazz) e de Balanço Zona Sul (na voz excessivamente calorosa de Sandra de Sá). Embalado pelos metais que remetem a um clima de gafieira, Diogo Nogueira recorda Está Chegando a Hora em tons elevados. Os metais também garantem o balanço de Vesti Azul, cantada por Frejat com direito a um solo roqueiro de guitarra. Já os pagodeiros Péricles e Thiaguinho - presenças provavelmente impostas pela EMI - unem forças e vozes em Na Galha do Cajueiro sem comprometer. Por seu turno, por mais que exiba sua técnica irretocável, Maria Rita parece fora do tom de Simonal em Que Maravilha (uma surpresa, pois a cantora entrou totalmente no clima ao saudar a turma da Pilantragem em dueto gravado com Ed Motta para o recém-lançado 13º álbum do cantor, Piquenique). Também intencionalmente fora do tom está a Orquestra Imperial, que revive o cha cha cha Terezinha à sua moda. Completam o elenco Caetano Veloso (meramente correto no samba Remelexo), Alexandre Pires (escorado na ginga envolvente de Sá Marina) e Lulu Santos (que reinventa Zazueira em registro de estúdio, já deslocado para seu novo disco, Singular, nas lojas nos próximos dias). Enfim, com muito mais altos do que baixos, o Baile do Simonal honra o repertório do cantor graças ao envolvimento reverente e criterioso dos filhos do artista ora reabilitado na cena.

Volta às lojas raro CD de Jobim como intérprete

Em 1997, o produtor Almir Chediak (1950 - 2003) editou coletânea com as 14 gravações feitas por Tom Jobim (1927 - 1994) para os songbooks que tinha posto no mercado com regravações inéditas das obras de compositores como Dorival Caymmi (1914 - 2008) e Noel Rosa (1910 - 1937). Fora de catálogo há anos, a compilação - intitulada Minha Alma Canta - ganha reedição da gravadora Biscoito Fino, com outra capa. O CD vai chegar às lojas ainda neste mês de dezembro de 2009. Entre os 14 registros fonográficos, há encontros de Jobim com Chico Buarque (em Choro Bandido e Sem Você) e Gal Costa (em Janelas Abertas e É Preciso Dizer Adeus).

11 de dezembro de 2009

Retrô 2009: Faro de Pedro brota em Pimenteira

Outra presença certeira nas listas musicais dos melhores de 2009, Pedro Miranda confirmou com seu segundo CD - Pimenteira, editado no fim de outubro, de forma independente - as qualidades evidenciadas no primeiro, Coisa com Coisa (2006). Com sua divisão esperta, que o redime do timbre vocal até comum, o pandeirista do Grupo Semente cantou repertório delicioso, "uma coleção de obras-primas", como bem ressaltou Caetano Veloso no título do entusiástico texto que escreveu para apresentar o disco aos críticos. Entre elas, Baticum - canção de tom interiorano, parceria de Maurício Carrilho e Paulo César Pinheiro - e a faixa-título, Pimenteira, chula de Roque Ferreira. Tudo arranjado com inspiração pelo violonista Luis Filipe de Lima, produtor do álbum.

Mallu evolui e abre o leque estético em CD coeso

Resenha de CD
Título: Mallu Magalhães
Artista: Mallu Magalhães
Gravadora: Agência de
Música / Sony Music
Cotação: * * * *

Ainda não se pode dizer que Mallu Magalhães cresceu e que já está madura. Afinal, ela tem apenas 17 anos. Mas é nítida a evolução da artista em seu segundo álbum, Mallu Magalhães. Fenômeno revelado via internet no início de 2008, em projeção que migrou para o mundo real com o lançamento de um álbum (Mallu Magalhães, 2008) fortemente enraizado no folk, a artista não somente passa com louvor na tal prova do segundo disco como se impõe como nome de talento precoce na cena pop brasileira. Em Mallu Magalhães, álbum produzido por Kassin, Mallu amplia o leque rítmico em repertório autoral que transita por reggae (Shine Yellow), blues (Make It Easy, com esplêndido arranjo vocal) e rock de sons retrôs (My Home Is my Man) sem ignorar a influência country-folk do ídolo Bob Dylan (You Ain't Gonna Loose me). A produção de Kassin embala a safra de 13 inéditas com maestria, tendo recrutado músicos como Felipe Pinaud (autor do arranjo de cordas de É Você que Tem, entre outras contribuições). O arranjo da balada Te Acho tão Bonito vai soar familiar para ouvintes de discos do grupo Los Hermanos. Aliás, Marcelo Camelo é alvo de alguns versos confessionais expostos nas letras, agora mais comumente escritas em português (seis das treze faixas foram compostas no idioma de Camões). É Camelo o muso inspirador de, por exemplo, Compromisso, faixa na qual ele contribui com assovios. Mas sua presença é mero detalhe (luxuoso) em disco coeso que se inspira em Hélio Oiticica (O Herói, o Marginal - faixa produzida por Mallu em parceria com Manoel Brasil) e flerta até com a psicodelia, à moda dos Beatles, em Bee on the Grass. É fato que, em uma ou outra faixa, caso de Nem Fé Nem Santo, Mallu dá a impressão de não cantar em português tão à vontade como canta em inglês. Contudo, Mallu Magalhães - o disco, ora distribuído nas lojas pela Sony Music - é trabalho inspirador que garante o futuro e o sucesso da artista paulista, tanto no mundo virtual quanto no real.

Elza grava ao vivo em SP show feito com Aquino

Show dividido por Elza Soares com o violonista João de Aquino, Arrepios ganha registro ao vivo em CD, a ser gravado na curta temporada feita no Teatro Fecap, em São Paulo (SP), desta sexta-feira, 11 de dezembro de 2009, a domingo. O disco vai ser editado em 2010 pela gravadora Lua Music. O roteiro concilia bolero (La Barca) e hit de Ângela Maria (Vida de Bailarina) com músicas de Ary Barroso (Camisa Amarela, Faceira), Luiz Melodia (Juventude Transviada), Arthur Hamilton (Cry me a River) e do próprio João de Aquino (Cobra Caninana). Clique aqui para ler a resenha do show que estreou no Rio de Janeiro (RJ) em 12 de agosto de 2009.

Turnê canadense do White Stripes origina caixa

Em 2007, o duo White Stripes fez turnê pelo Canadá para badalar o sexto álbum, Icky Thump, lançado em junho daquele ano. Tal turnê gerou caixa a ser lançada em breve por Jack e Meg White. O box The White Stripes - Under Great White Northern Lights embala dois DVDs (um exibe documentário sobre a turnê e o outro registra o show que festejou o 10º aniversário da dupla criada em 1997), CD ao vivo (o primeiro do White Stripes), dois vinis e libreto - de 208 páginas - ilustrado com fotos da turnê.

Projeto Guri agrega Zélia, Takai e Céu em disco

Dando início aos festejos por seus 15 anos, o Projeto Guri - iniciativa de caráter educativo e assistencial que proporciona estudo musical para crianças carentes de São Paulo - lança via MCD um CD que agrega no elenco nomes como Arnaldo Antunes, Céu, Fernanda Takai, John Ulhoa, Siba, Thalma de Freitas e Zélia Duncan, entre outros. Além da causa nobre, o elemento catalisador desse cast é a presença de Beto Villares na produção e na direção artística do disco, que conta com a participação de 380 alunos da instituição. Um show no Auditório Ibirapuera - agendado para domingo, 13 de dezembro de 2009 - vai oficializar e promover o lançamento do disco. Eis as músicas e intérpretes do CD Projeto Guri Convida:

1. Sonho de Criança - Max B.O e Thalma de Freitas
2. Tatu - Antonio Pinto
3. Vende-Se Dinheiro - Arnaldo Antunes
4. O Resto da Tinta - Fernando Catatau
5. Robotito - Céu e Sonantes
6. Convite - Anelis Assumpção e Gui Amabis
7. A Voz do meu Instrumento - Fernanda Takai e Zélia Duncan
8. Fugitivos - Mauricio Pereira
9. Normal - Beto Villares
10. Sem Embaraço - Fernanda Takai e John Ulhoa
11. Choro do Guri - Antonio Pinto
12. Caim - Andreia Dias
13. Cantando Ciranda na Beira do Mar - Siba
14. Corisco - Curumin
15. Encarnada - Iara Rennó
16. Virar o Jogo - Rappin' Hood
17. Benção da Garoa - Renato Dias
18. Sou Bobo Não - André Abujamra

10 de dezembro de 2009

Retrô 2009: titã do iê iê iê atualiza pop dos 60

Presença certa em todas as listas musicais de melhores de 2009, Arnaldo Antunes surpreendeu público e até crítica com Iê Iê Iê, o décimo título de sua discografia solo, editado em setembro. Ao revitalizar e atualizar o gênero que semeou a cultura pop do início dos anos 60, o ex-Titã - visto acima em foto de Fernando Laszlo - popularizou seu som sem apelações. Mérito também do guitarrista Fernando Catatau, produtor do disco que destacou músicas como Longe (belíssima balada de Antunes com Marcelo Jeneci e Betão Aguiar que já havia sido gravada pelo cantor sertanejo Leonardo) e Invejoso. Ao CD, que misturou sons modernos com timbres que remetem aos primórdios do iê iê iê, seguiu-se um eletrizante show que vem percorrendo o Brasil com roteiro que agrega temas dos repertórios de Odair José (Quando Você Decidir) e Luiz Melodia (Pra Aquietar) sem macular o conceito estético do disco. Tanto pelo CD como pelo show, Iê Iê Iê é um grande destaque de 2009.

Edição de 'Loki' em DVD abre selo Canal Brasil

Documentário sobre Arnaldo Baptista, Loki ganha edição em DVD neste fim de 2009. O DVD é o primeiro título do selo Canal Brasil, recém-aberto pelo homônimo canal de TV que produziu o filme dirigido pelo estreante (na tela) Paulo Henrique Fontenelle. Exibido pela primeira vez em outubro de 2008 no Festival do Rio, mostra carioca de cinema em que faturou o prêmio de Melhor Documentário, Loki chega ao DVD com extras que incluem galeria de fotos das pinturas de Arnaldo, entrevista com o diretor, making of da produção do filme e imagens da premiação no Festival do Rio. Clique aqui para ler a resenha postada em Notas Musicais sobre o documentário.

Costello lança em janeiro CD com show de 1978

Elvis Costello vai lançar em 11 de janeiro de 2010 o segundo título da série de CDs ao vivo intitulada The Costello Show (o primeiro, Live at the El Mocambo, saiu em setembro com o registro de show feito em 1978, no Canadá). Este segundo CD se chama Live at Hollywood High e também perpetua um show de 1978 - no caso, feito em Los Angeles (EUA). O repertório de 20 músicas gira em torno dos três primeiros álbuns do artista, My Aim Is True (1977), This Year's Model (1978) e Armed Forces (1979).

Ivete dueta com Vallín e grava Stevie para rede

Ivete Sangalo expande limites de seu fraco repertório. Além de ter regravado balada de Stevie Wonder (Ribbon in the Sky, 1982) em registro feito somente para a internet, a baiana figura no primeiro CD solo de Sergio Vallín, o guitarrista do grupo mexicano de rock Maná, Bendito Entre las Mujeres, lançado em setembro de 2009 e já editado no Brasil via Warner Music. Ivete faz dueto com Vallín na 11ª faixa, Gotas de Ti . Disco agrega várias cantoras.

DVD de Ivone Lara chega às lojas ainda este ano

Gravado ao vivo - em show feito no Canecão, no Rio de Janeiro (RJ) - no dia 11 de agosto de 2009, o primeiro DVD de Ivone Lara, Canto de Rainha, chega às lojas ainda este ano, distribuído pela major Universal Music. Editado também no formato de CD (que traz 14 faixas contra as 20 do DVD), o registro ao vivo conta com adesões de Beth Carvalho, Jorge Aragão, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Délcio Carvalho e de integrantes da Velha Guarda do Império Serrano. Clique aqui para ler a resenha do show e aqui para conhecer o roteiro seguido na gravação ao vivo que originou o primeiro DVD da rainha - vitalícia - do samba.

9 de dezembro de 2009

Retrô 2009: o estouro de Lady Gaga no mundo

The Fame - o álbum que projetou mundialmente Lady Gaga - é de 2008, mas chegou oficialmente ao Brasil em 2009, em março, cinco meses depois de seu lançamento no exterior, num indício de que a gravadora Universal Music não apostava todas suas fichas em Stefani Joanne Angelina Germanotta. Mas o fato é que apenas Beyoncé foi páreo para Lady Gaga em 2009. O estouro mundial do electro-pop da nova Madonna ecoou com força no Brasil. Nada menos do que quatro faixas do álbum The Fame - Just Dance, Love Game, Poker Face e Paparazzi - viraram hits nacionais. A ponto de o novo disco de Gaga - The Fame Monster, reedição turbinada do bom álbum anterior, com CD adicional e oito faixas inéditas (entre elas, o single Bad Romance, Dance in the Dark e Telephone, esta gravada com a rival Beyoncé) - ter merecido imediata edição nacional. O mundo pop dá voltas... voltas rápidas.

Bosco entra no tom soberano de Jobim e do jazz

Resenha de Show
Título: Não Vou pro Céu, mas Já Não Vivo no Chão
Artista: João Bosco (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Allegro Bistrô - Modern Sound (RJ)
Data: 8 de dezembro de 2009
Cotação: * * * *

Em 1972, ano em que foi lançado por Elis Regina (1945 - 1982), João Bosco estreou no mercado fonográfico através do Disco de Bolso do extinto Jornal O Pasquim. De um lado do disco, havia Agnus Sei, tema do compositor novato com seu parceiro Aldir Blanc. De outro, havia Águas de Março, o clássico instântaneo de Tom Jobim (1927 - 1994), escolhido pelo Pasquim para ser o padrinho de Bosco no lançamento. Pois foi justamente nas Águas de Março que, 37 anos depois de sua estreia fonográfica, o compositor de Desenho de Giz (1986) se banhou para lembrar Jobim no show de lançamento de seu álbum Não Vou pro Céu, mas Já Não Vivo no Chão (2009), feito no Allegro Bistrô, na loja carioca Modern Sound, na noite de 8 de dezembro de 2009, data em que a morte do Maestro Soberano completou 15 anos. De quebra, Bosco ainda apresentou arrasadora leitura de Lígia (1976) com toda a sensualidade inerente ao tema. Foi encantador.

Além de Jobim, Bosco entrou no tom do jazz. Na companhia de trio formado por Ricardo Silveira (guitarra), Kiko Freitas (bateria) e Ney Conceição (baixo), o compositor abordou a própria obra com arranjos jazzísticos. Sambas como O Ronco da Cuíca (1976) e Incompatibilidade de Gênios (1976) ganharam longas passagens instrumentais para possibilitar improvisos, criações e recriações do trio num clima jazzístico já experimentado por Bosco, em outro formato, na turnê feita em 2007 com a orquestra alemã NDR BigBand (clique aqui para ler a resenha do show realizado em 8 de maio de 2007 no Theatro Municipal do Rio de Janeiro). Por conta da total interação de Bosco com o trio, o que dá ao roteiro caráter elástico, o foco do show acabou nem sendo o último álbum de Bosco, ouvido à exaustão antes do show nas dependências da lendária loja carioca. De Não Vou pro Céu, mas Já Não Vivo no Chão, um dos grandes discos de 2009, o compositor tocou apenas Perfeição - em total sintonia com a atmosfera refinada e suave dessa parceria com Francisco Bosco que remete à bossa de outro João, o Gilberto - e Sonho de Caramujo, samba que, no palco, soou menos sedutor porque, no todo, Bosco não conseguiu reproduzir ao vivo a pegada e o clima do lindo registro de estúdio.

A leveza do toque da bateria de Kiko Freitas foi um dos temperos de Vatapá, o samba de Dorival Caymmi (1914 - 2008), cuja obra tinha sido evocada momentos antes em Terreiro de Jesus (2002), destaque do set de voz-e-violão que abriu o show. Neste bloco inicial, Bosco reviveu sucessos como Nação (1982) e O Mestre-Sala dos Mares (1975), com total domínio de seu violão e de seus vocais percussivos, num prenúncio da sonoridade elaborada que ficaria mais encorpada com a entrada em cena do trio com quem pintou e bordou em músicas como Linha de Passe (1979) e Bala com Bala (1972). No bis, o coro popular na balada Papel Machê (1984) foi tão forte e espontâneo que o cantor deixou por alguns instantes os vocais a cargo do público que disputou um lugar no concorrido show. Gente que sabe há anos que João Bosco figura no céu da música brasileira enquanto outros rastejam pelo chão...

Clayton orquestra obra de Aznavour em bom CD

Resenha de CD
Título: Charles Aznavour
& The Clayton Hamilton
Jazz Orchestra
Artista: Charles Aznavour
Gravadora: Capitol
Records / EMI Music
Cotação: * * *

Aos 85 profícuos anos, Charles Aznavour ainda continua em atividade, fazendo turnês e gravando discos. Em maio de 2009, o senhor da canção francesa se dividiu entre o Capitol Studios (Los Angeles, EUA) e o Sear Studios (Nova York, EUA) para gravar 12 standards de seu cancioneiro e duas inéditas com a The Clayton & Hamilton Jazz Orchestra. Sob a regência do maestro e baixista John Clayton, Aznavour embala sua obra em tons jazzísticos, à moda das big-bands da era do swing - como pode ser conferido em faixas como The Jam e Viens Fais-moi Rêver. A voz do cantor perdeu parte do viço por conta do tempo, mas ainda soa firme e majestosa. Os arranjos seguem os padrões do gênero, mas é justo ressaltar a pulsação especial dada pela orquestra a Comme Ils Disent. Duetos de Aznavour com Dianne Reeves (em The Times We've Known) e Rachel Ferrell (em Fier de Nous e na suave I've Discovered that I Love You) contribuem para dar brilho adicional ao disco, embora Ferrell carregue nas tintas em Fier de Nous. No todo, trata-se de bom CD. Que reitera o longevo talento do cantor.

Martinho saúda na Biscoito Fino os 100 de Noel

Há seis anos na MZA Music, gravadora por onde já lançou seis CDs e quatro DVDs desde 2003, Martinho da Vila estreia na Biscoito Fino. Embora ainda deva um disco à MZA, já em fase de gravação, o compositor também prepara pela Biscoito Fino um projeto com regravações do repertório de Noel Rosa (1910 - 1937). O CD está agendado para 2010, ano em que vai ser festejado o centenário de nascimento do poeta da mesma Vila (Isabel, RJ) que aparece no sobrenome artístico de Martinho. Sairá primeiramente encartado em um livro - lançado pela Biscoito Fino em parceria com a PUC - antes de ser editado de forma comercial (depois do disco da MZA).

Selma cumpre bem a missão de cantar Pinheiro

Resenha de CD
Título: A Minha
Homenagem ao
Poeta da Voz
Artista: Selma Reis
Gravadora: Tessitura
Musical
Cotação: * * * * 1/2

Ao despontar em 1990 com seu segundo disco (o que trouxe o hit Emoções Suburbanas), a voz de Selma Reis já soou deslocada no tempo, evocando uma MPB que já estava associada aos anos 70. Natural, tal associação talvez seja a responsável pelo extraordinário êxito do álbum que a cantora dedica ao repertório de Paulo César Pinheiro, compositor que entrou na discografia de Selma naquele álbum de 1990, assinando os versos dramáticos de Porto Santo. Pinheiro é dono de obra vasta e boa parte dela permanece inédita em disco. Contudo, Selma optou por cantar músicas já conhecidas, em sua maioria compostas por Pinheiro nos anos 70 com amplo leque de parceiros. Sucessos que, sim, já mereceram gravações definitivas de intérpretes como Clara Nunes (1942 - 1983), Elis Regina (1945 - 1982) e Simone. Mas, contra todos os prognósticos pessimistas, ela se saiu muito bem na árdua missão, imprimindo seu toque pessoal nas regravações, escoradas em inspirados arranjos de músicos como o percussionista Robertinho Silva, o pianista Paulo Malaguti e os guitarristas Victor Biglione e Fernando Carvalho. Cantora de tons habitualmente pesados, Selma soube imprimir certa leveza em músicas como Sem Companhia (Paulo César Pinheiro e Ivor Lancellotti, 1980). Mesmo nos temas de maior densidade emocional, casos do Bolero de Satã (Paulo César Pinheiro e Guinga, 1979) e de Bodas de Vidro (Sueli Costa e Paulo César Pinheiro, 1992), a intérprete dosa tons e emoções com a economia vocal que em menor grau também pauta Velho Arvoredo (Paulo César Pinheiro e Hélio Delmiro, 1976). Um acerto, pois, de todo modo, o álbum reitera a força da voz da cantora. Seja nos floreios operísticos feitos enquanto Portela na Avenida (Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte, 1981) desfila no disco com os vocais da mangueirense Beth Carvalho, seja na citação afro feita com propriedade em Banho de Manjericão (Paulo César Pinheiro e João Nogueira, 1979) em inebriante arranjo de percussão-e-voz orquestrado por Robertinho de Silva. A evocação afro está em fina sintonia com as crenças ancestrais relacionadas na letra de Pinheiro. Até mesmo Cordilheira (Paulo César Pinheiro e Sueli Costa, 1979) - eternizada em gravação arrebatadora de Simone - se impõe firme no registro de Selma graças à bela trama de violões e acordeom urdida pelo guitarrista Victor Biglione, arranjador da faixa. Se Cicatrizes (Paulo César Pinheiro e Miltinho, 1972) ganha metais que remetem a um baile de gafieira, Viagem (Paulo César Pinheiro e João de Aquino, 1973) é refeita num clima etéreo que conduz o ouvinte por atmosfera distinta da gravação emblemática de Marisa Gata Mansa (1933 - 2003). Entre a malícia sensual do samba Tô Voltando (Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós, 1979) e a fina malandragem de Vou Deitar e Rolar (Paulo César Pinheiro e Baden Powell, 1970), Selma ainda dá voz ao compositor homenageado (que recita o poema Ofício) e a Diogo Nogueira - participação afetiva no samba As Forças da Natureza (Paulo César Pinheiro e João Nogueira, 1977) - além de apresentar a (boa) inédita Passatempo, tema de suingue bissexto no canto da intérprete. Ao fim do disco, quando entoa Minha Missão (João Nogueira e Paulo César Pinheiro, 1981) com ênfase solene nos versos que exaltam o ofício do canto, Selma Reis deixa no ouvinte a certeza de que sua missão de gravar a obra de Paulo César Pinheiro foi bem-sucedida. Na volta à MPB, após dois CDs de repertório sacro, a cantora brilha na pena do poeta da voz.

Grupo recria Villa-Lobos com lirismo matreiro

Resenha de CD
Título: O Papagaio do
Moleque - A Música de
Villa-Lobos
Artista: Rabo de Lagartixa
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * * *

É com alegria quase infantil - traduzida de certa forma no título de seu segundo álbum, O Papagaio do Moleque - que o grupo Rabo de Lagartixa aborda feliz a obra de Heitor Villa-Lobos (1887 - 1959) em disco que se junta às lembranças dos 50 anos da morte do mais cultuado compositor erudito do Brasil. Decorridos onze anos do lançamento de seu primeiro CD, editado em 1998, o quinteto carioca se reuniu em estúdio para reviver o cancioneiro menos conhecido de Villa-Lobos entre o lirismo e a matreirice - termo, aliás, usado com propriedade pelo violonista Turíbio Santos em texto sobre o disco reproduzido no encarte. O lirismo brota das regravações de temas como Tristorosa (1910), faixa de tom seresteiro, e Quarteto de Cordas nº 1 - Canto Lírico, em que o grupo toca no violão a melodia originalmente escrita para viola. A matreirice pode ser detectada na transformação em polca de Brincadeira, segundo movimento do Quarteto de Cordas nº 1. Ou na ligeira evocação do ritmo do jongo feita na terceira parte do Poema Singelo (1942). Com direito a um tema inédito em disco, Canção das Águas Claras (1959), o repertório de O Papagaio do Moleque é tocada pelo Rabo de Lagartixa com tais ousadias estilísticas. Se a valsa Realejo (1926) vira uma marcha, Cançoneta (quarto movimento do Quarteto de Cordas nº 1) ganha toques de baião. É fato que nem sempre o quinteto é bem-sucedido em suas intenções. O arranjo do obscuro Canto do Cisne Negro (1917) não evidencia a contento o tom sombrio do tema. No todo, porém, O Papagaio do Moleque aborda o fino cancioneiro de Villa-Lobos com frescor inusitado, sem excessivas reverências ao compositor.

8 de dezembro de 2009

Retrô 2009: Pitty emplaca o hit pop 'Me Adora'

Lançado em agosto, o irregular terceiro álbum de estúdio de Pitty, Chiaroscuro, não soou tão diferente assim quanto fizeram supor as notícias veiculadas desde o início da gravação. Contudo, o CD apresentou a música mais pop do repertório da roqueira, Me Adora, que virou hit. Em alta rotação nas rádios com seu refrão irresistível, Me Adora gerou clipe e ringtone. Um dos maiores sucessos de 2009, a música é cantada a plenos pulmões nos shows de Pitty. O público adorou a canção, que fez valer o CD de inéditas.

Para APCA, Calixto fez o melhor disco de 2009

A escolha pela APCA dos melhores de 2009 na área musical surpreendeu, em especial na categoria Melhor Disco. De acordo com a Associação Paulista dos Críticos de Arte, Aline Calixto - primeiro álbum da homônima cantora mineira, lançado em junho pela Warner Music - foi o melhor disco do ano. A APCA também premiou Céu (como cantora, pelo CD Vagarosa), Lenine (eleito o melhor compositor), Maria Gadú (escolhida a Revelação do ano), Ney Matogrosso (prêmio pelos shows Inclassificáveis e Beijo Bandido) e Paralamas do Sucesso (Melhor Grupo). Os jurados Ayrton Magnani Júnior, Inês Fernandes Correia e José Roberto Fresch também decidiram fazer Homenagem Póstuma ao cantor e compositor Zé Rodrix (1947 - 2009), morto em 22 de maio. Os prêmios somente vão ser entregues a tais eleitos em abril de 2010.

Caixa 'Backtracks' embala raridades do AC/DC

No rastro do (feliz) retorno ao Brasil do grupo AC/DC, que trouxe sua Black Ice Tour a São Paulo (SP) em 27 de novembro, a Sony Music põe nas lojas o combo triplo Backtracks. Como a gravadora gerencia o vasto catálogo fonográfico da banda australiana desde 2002, o material contido na caixa - que agrega dois CDs com 28 registros raros e DVD com 16 clipes - abrange várias fases da carreira do dinossauro do metal, em atividade desde 1973. O CD 1, Studio Rarities, inclui faixas do primeiro álbum do AC/DC, High Voltage (1974), editado somente na Austrália. São os casos de Stick Around e Love Song. Há também obscuros lados B - entre eles, Down on the Borderline e Cyberspace -de singles editados na terra natal da banda. Já o CD 2, Live Rarities, agrega 15 números extraídos de shows feitos pelo grupo num período que vai de 1977 a 2000. Por seu turno, o DVD Family Jewels 3 rebobina 16 vídeos. O material é farto, mas, para quem se dispuser a gastar mais, há edição ainda mais luxuosa de Backtracks, com três CDs, dois DVDs e um vinil. Mimo caro, porém de preço justificado pelo requinte detalhista da embalagem e pelo alto valor documental desses raros fonogramas.

Moura realça suingue plural do país em 'Brasis'

Resenha de CD
Título: Brasis
Artista: Gabriel Moura
Gravadora: Som Livre
Cotação: * * * *

"Tem um Brasil que soca / Outro que apanha / Um Brasil que saca / Outro que chuta / Vai à luta, bate bola / Porém não vai à escola", enquadra Gabriel Moura na letra do frevo Brasis, faixa-título de seu ótimo primeiro disco solo, produzido e arranjado por seu tio Paulo Moura. Lançado em 2006 de forma independente, Brasis ganha reedição da Som Livre neste mês de dezembro de 2009 com outra capa, um outro projeto gráfico e faixa-bônus (Som Mil). Um dos fundadores do grupo Farofa Carioca, que projetou em 1996 o mais bem-sucedido Seu Jorge, Moura cumpre a expectativa depositada neste CD individual. Compositor já gravado por Zeca Pagodinho e Ana Carolina, parceiro de Seu Jorge em sucessos recentes como Burguesinha e Mina do Condomínio, Moura viaja pela diversidade rítmica dos vários Brasis, partindo do samba, como deixa claro no cartão de visitas do álbum, Eu Canto Samba, tema de sua autoria (homônimo do samba que batizou o disco lançado por Paulinho da Viola em 1989). Sim, Moura canta samba e parte do samba, mas chega logo ao samba-rock, à moda de Bebeto, em O Perfume da Nega e em Mini Saia. Mas tem também um pouco do balanço funk em algumas faixas deste Brasis. Em Chose de Louque, Moura diz versos em francês no compasso do rap. Quando compõe sozinho, como em Garota do Méier, as letras adquirem tom descritivo, meio cinematográfico, ainda que eventualmente maculadas por versos imperdoáveis como "Quem é do Méier não bobeia". Entre a levada nordestina de Tem Fila e o clima acústico das baladas É Bom Andar a Pé (Melhor) e Estrela do Céu, há vários Brasis. E Gabriel Moura procura sintetizá-los em disco que prima ora pelo suingue, ora pelo intimismo (como em Inverno no Rio). Tomara que, com a oportuna reedição do álbum pela Som Livre, sua farofa azeitada seja tão saboreada e popularizada quanto a de Seu Jorge.

Ritchie, Leonardo e Zeca lançam seus blu-rays

Alardeado como "o primeiro blu-ray de um artista brasileiro", Ritchie Outra Vez - Ao Vivo no Estúdio ainda não chegou às lojas. Embora já esteja em pré-venda, a previsão é de que chegue ao mercado somente na segunda quinzena deste mês de dezembro de 2009. Já a Universal Music põe nas lojas, até o dia 15, os blu-rays dos últimos registros de shows de Zeca Pagodinho (Uma Prova de Amor ao Vivo) e Leonardo (Esse Alguém Sou Eu).

Bassey exibe digna performance após 20 anos

Resenha de CD
Título: The Performance
Artista: Dame Shirley
Bassey
Gravadora: Universal
Music
Cotação: * * * 1/2

Potente voz-ícone da canção britânica, cultuada pela tribo GLS por conta de seu estilo over, Shirley Bassey estava afastada há 20 anos dos estúdios. Duas décadas após investir em repertório cantado em espanhol no disco La Mujer (1989), Bassey - agora com o prefixo Dame antecedendo seu nome artístico - esboça um retorno ao universo fonográfico com The Performance, bom álbum em que canta músicas inéditas compostas para ela por um time contemporâneo formado por Rufus Wainwright, KT Tunstall, The Manic Street Preachers e Pet Shop Boys, entre outros nomes da cena britânica. Produzido por David Arnold, nome ligado às trilhas sonoras de filmes de James Bond que projetaram a voz de Bassey em escala mundial em 1964 (com Goldfinger) e em 1971 (com Diamonds Are Forever), o disco tem frescor. Sem abandonar seu festejado estilo grandiloquente, embora consiga esboçar tons mais íntimos em algumas compassos da bela balada Almost There, da lavra de Tom Baxter. A faixa tem o tom orquestral típico dos álbuns de Bassey. Que se repete na quase solene Performance of my Life, belo tema composto por Neil Tennant e Chris Lowe, do duo Pet Shop Boys. Contudo, Bassey experimenta também outros climas. Apartment, de Rufus Wainwright, tem tom flamenco, dado pelo arranjo de violões. A excelente The Girl from Tiger Bay - pérola cedida pelo grupo Manic Street Preachers - tem refrão grudento e pegada pop quase roqueira. Já Nice Men, de KT Tunstall, poderia figurar na trilha de uma filme de James Bond pela ligeira tensão que pontua o arranjo. Enfim, The Performance é uma volta digna - sem mofo e com a voz ainda em satisfatória forma - da dama Shirley Bassey.

7 de dezembro de 2009

Retrô 2009 - Gadú foi a maior revelação do ano

Lançado em julho, o primeiro disco de Maria Gadú justificou a expectativa e o alto investimento da gravadora Som Livre, que vem promovendo o CD com o apoio da TV Globo. A cantora e compositora paulista reuniu inspirado repertório autoral, com destaques para Shimbalaiê (faixa em alta rotação na trilha sonora da novela Viver a Vida), Dona Cila e para o belo samba Altar Particular. Se, por um lado, a intérprete mostrou que ainda não tem maturidade para encarar músicas como Ne me Quitte Pas (gravada em registro que prioriza o suingue em detrimento da densidade emocional exigida pelo tema do belga Jacques Brel), por outro, Gadú exibiu faro para garimpar inédito repertório alheio sem cair no óbvio. Tudo Diferente (de André Carvalho) e Linda Rosa (da lavra dos novatos Gugu Peixoto e Luiz Kiari) são canções que ajudaram a dar brilho à estreia fonográfica da artista. Os shows realçaram a espontaneidade (às vezes, até excessiva) da cantora no palco e confirmaram Maria Gadú como a maior e mais promissora revelação musical de 2009 pela voz e pelo repertório.

Bartoli canta árias dos 'castrati' sem sacrifício

Resenha de CD
Título: Sacrificium
Artista: Cecilia Bartoli
Gravadora: Decca
/ Universal Music
Cotação: * * * *

Um dos campeões de vendas no setor erudito em 2009, com números típicos de discos feitos no volátil universo pop, Sacrificium é o CD em que a cantora lírica Cecilia Bartoli aborda o repertório dos castrati, ou seja, dos meninos cantores do século 18 que foram castrados na infância para que suas vozes não adquirissem os adultos timbres masculinos. Intérprete de fartos recursos, dona de bela voz de mezzo-soprano, Bartoli escala sem sacríficios as notas mais altas de 12 árias criadas por compositores italianos - entre eles, Nicola Porpora (1686 - 1768) e Antonio Caldara (?1671 - 1736) - para os castrati. Uma aura de beleza barroca envolve temas como Chi Temea Giove Regnante - ária da ópera Farnace (1724) - e Profezie, Di me Diceste (da ópera Sedecia, de 1732). O instrumental de Sacrificium é o mesmo de discos do gênero. Contudo, talvez pelo fato de o repertório ser praticamente desconhecido, o CD chega às lojas com real ar de novidade - o que talvez ajude a explicar os expressivos números de vendas ao redor do mundo. Êxito comercial que não deverá se repetir no Brasil, país onde o titubeante mercado fonográfico de música erudita já parece ter sido castrado ao longo desta década...

Saem no Brasil CDs de Cat Power e Sonic Youth

O selo Lab 344 está editando no Brasil eclético pacote de títulos estrangeiros oriundos da cena indie de pop rock. Entre os discos que chegam às lojas nacionais, há The Eternal, 16º álbum de estúdio do grupo Sonic Youth, lançado em junho de 2009 (clique aqui para ler a resenha de Notas Musicais). O CD foi pilotado por John Agnello, produtor do álbum anterior (Rather Ripped, 2006), um dos melhores da discografia do Sonic Youth. Outro destaque do pacote é Jukebox, oitavo álbum da cantora e compositora norte-americana Cat Power, lançado em 2008. Trata-se de disco de covers em que Power recria temas dos repertórios de Joni Mitchell (Blue, 1971), James Brown (Lost Someone, 1961), Bob Dylan (I Believe in You, 1979) e Liza Minnelli (Theme from New York, New York, 1977) entre outros nomes. Também de 2008, mas até então indisponível no mercado brasileiro, é The BBC Sessions, coletânea que reúne registros feitos pela banda escocesa Belle and Sebastian em programas da rádio inglesa BBC em período que vai de 1996 a 2001. O repertório inclui o último registro da vocalista Isobel Campbell no grupo, captado em 2001 no programa do falecido radialista John Peel. Por fim, há também no pacote nacional do selo Lab 344 o segundo álbum do trio norueguês 3-11 Porter, Surround me, editado em 2008. Para quem não liga o nome do grupo à sua música, é do 3-11 Porter o tema Surround me with your Love, propagado em cenas da novela Viver a Vida. A bela música integra a trilha lounge do folhetim, já editada em CD pela gravadora Som Livre, em outubro.

Sax pop de Kenny G sopra latinidade em DVD

Ora lançado no Brasil pela ST2, no formato de DVD, o novo registro ao vivo de Kenny G, An Evening of Rhythm & Romance, foca show feito pelo saxofonista em San Diego, na Califórnia (EUA), no fim de 2008, ano em que G promoveu Rhythm & Romance, álbum de clima latino no qual está sedimentado o show. A latinidade do disco explica a presença no roteiro de clássicos como Havana e o bolero Besame Mucho, tocados entre covers dos repertórios de James Blunt (You're Beautiful) e Louis Armstrong (What a Wonderful World). Songbird, hit da lavra autoral do músico, fecha o show. Nos extras, há entrevista com o saxofonista e execuções de temas natalinos (Deck the Halls, 12 Days Of Christmas, Dreaming of a White Christmas e Santa Claus Is Coming to Town). An Evening of Rhythm & Romance é o primeiro título da obra de Kenny G editado em blu-ray, vídeo de alta definição que substituirá o DVD.

'Escândalo' nada soma à discografia de Ro Ro

Resenha de CD
Título: Escândalo
Artista: Ângela Ro Ro
Gravadora: Discobertas
Cotação: * * *

A rigor, Escândalo - o CD que compila os áudios de 18 números feitos por Ângela Ro Ro na temporada de 2005 do homônimo programa de TV apresentado por ela no Canal Brasil - nada acrescenta à discografia da cantora e compositora. Inclusive porque todas as 18 músicas já foram registradas em melhores condições por Ro Ro nos seus álbuns. Apenas os teclados de Ricardo Mac Cord - autor de todos os arranjos - acompanham a voz rouca da cantora numa formação que se revela insuficiente para temas como o samba Fila de Ex-Mulher, por exemplo. Aliás, o repertório peca por priorizar músicas (Garota Mata Hari, Viciei em Você, Raiado de Amor, Boemia do Sono e Sim, Dói) de um álbum menor na discografia da artista (Acertei no Milênio, Jam Music, 2000) em detrimento das músicas da fase áurea da compositora. Desse período inicial, apenas Fogueira e Simples Carinho marcam discreta presença no disco em registros de emoção rarefeita - a mesma que norteia as abordagens de standards internacionais como All of me, As Time Goes by e Senza Fine. A favor do disco, vale ressaltar que a excelência da masterização comandada por Ricardo Carvalheira. Contudo, a boa qualidade técnica dos registros - todos inéditos em disco - não torna Escândalo menos requentado. Indicada apenas para fãs extremados de Ângela Ro Ro, esta compilação de áudios das aberturas do extinto programa de TV ao menos não deixa passar em branco os 30 anos de carreira fonográfica da artista, (não) comemorados em 2009. Que venha um CD de boas inéditas!!

6 de dezembro de 2009

'4Ever' historia a produção paralela dos Beatles

Em 1998, o produtor Marcelo Fróes compilou para a EMI Music gravações de músicas cedidas por John Lennon (1940 - 1980) e Paul McCartney para cantores e grupos contemporâneos dos Beatles, mas não necessariamente gravadas pelos Fab Four. Intitulado 4Ever, o CD virou item de colecionador. Onze anos depois, Fróes amplia o projeto - mantendo o título 4Ever - e historia a rara produção paralela de Lennon & McCartney como compositores em ótima coleção de três CDs editados pelo selo Discobertas e vendidos separadamente nas lojas (com distribuição da Microservice). Ao todo, os três volumes da série 4Ever - Os Beatles por seus Amigos totalizam 42 registros que não são facilmente encontrados em discos. Cada volume traz alentado texto escrito por Fróes com detalhes sobre as gravações, os artistas e o contexto em que os fonogramas foram produzidos. O primeiro volume é o mais interessante por trazer somente gravações de 1963, ano em que os Beatles já faziam sucesso na Inglaterra, mas ainda não tinha conquistado os Estados Unidos - o que viria a acontecer somente em 1964. Detalhe: o produtor dos discos dos Beatles, George Martin, foi também o produtor de fonogramas como Bad to me (na voz de Billy J. Kramer & The Dakotas), Hello Little Girl e I'm in Love. Estas duas últimas músicas foram gravadas pelo quarteto The Fourmost. No segundo volume, dedicada às gravações de 1964 e 1965, já começam a aparecer na seleção músicas que figuram na discografia oficial dos Beatles, casos de Yesterday (ouvida em 4Ever nas vozes de Alma Cogan - cantora que se tornara amante de Lennon - e Mariane Faithfull) e de Eigth Days a Week (também na voz de Cogan, morta precocemente em outubro de 1966). Mas há também músicas que se encaixam sob medida no conceito original da coleção. Exemplo é It's for You, tema de Lennon & McCartney, cedido em 1964 à cantora Cilla Black, que o gravou com produção de George Martin em 29 de junho para um single que seria editado em 31 de julho daquele ano. Bem mais ralo, o terceiro volume da coleção reúne registros feitos entre 1966 e 1969 - fase em que os Beatles já compunham basicamente para o repertório do grupo, com a pressão de se superar a cada álbum (embora nem tudo que compuseram tivesse sido efetivamente gravado pela banda). Tanto que, para preencher as 14 faixas, Fróes usa o recurso de enfileirar versão demo, take alternativo e a gravação oficial da música Step Inside Love, gravada pela recorrente Cilla Black em 21 de novembro de 1967. Encheção de linguiça à parte, a coleção 4Ever - Os Beatles por seus Amigos atrairá beatlemaníacos...

Dravs já produz o terceiro álbum do Arcade Fire

Em clima sigiloso, o terceiro álbum do grupo canadense Arcade Fire já está em fase inicial de produção. Quem pilota o disco é Markus Dravs, produtor do álbum anterior da banda, Neon Bible (2007). O lançamento está previsto para 2010, possivelmente no segundo semestre. O sexteto despontou em 2004 - com Funeral.

Som Livre lança terceira trilha de 'Viver a Vida'

A gravadora Som Livre põe na loja neste mês de dezembro de 2009 o CD que traz a terceira trilha sonora da novela Viver a Vida, exibida às 21h pela Rede Globo. Logo depois das trilhas nacional e lounge, é a vez da seleção internacional. Cujo repertório inclui até os brasileiros Tiago Iorc e Marina Elali, apostas da gravadora global. Iorc figura na trilha com My Girl, cover da balada lançada pelo grupo The Temptations em 1964. Já Elali aparece com o duo com Jon Secada em Lost Inside your Heart. Eis as 15 faixas do CD Viver a Vida Internacional:

1. Falling for You - Colbie Caillat
2. 22 - Lilly Allen
3. I Wanna Know What Love Is - Mariah Carey
4. Hush Hush Hush Hush - Pussycat Dolls
5. Did It Again -Shakira
6. Heroes & Saints - Nikolaj Grandjean
7. Lost Inside your Heart - Marina Elali Jon Secada
8. I Look to You - Whitney Houston
9. Head Over Heels - Alain Clark
10. Do for Love - Sabrina Starke
11. Let Go - Mia Rose
12. Tu Es ma Came - Carla Bruni
13. My Girl - Tiago Iorc
14. What The World Needs Now Is Love - Traincha

15. La Llave de mi Corazon - Juan Luis Guerra

O som da Motown ecoa com brilho em musical

Resenha de Musical
Título: O Som da Motown
Idealização e direção: Renato Vieira e Cláudio Figueira
Elenco: Alcione Marques, Débora Pinheiro, Ellen Wilson,
Simone Centurione e Thalita Pertuzatti
Local: Teatro do Leblon - Sala Marília Pêra (RJ)
Cotação: * * *
Em cartaz de quinta-feira a domingo
Até 20 de dezembro de 2009

Gravadora fundada por Berry Gordy Jr. em dezembro de 1959, em Detroit (Michigan, EUA), a Motown tirou a black music dos guetos negros ao propagar o soul e o rhythm and blues para todos os Estados Unidos e, por tabela, para o mundo. Durante seu período áureo (1961-1972), a companhia lançou e projetou artistas que se tornariam ícones da música negra norte-americana. Entre eles, Michael Jackson (1958 - 2009), Stevie Wonder, Marvin Gaye (1939 – 1984), Gladys Knight, Diana Ross (lançada no trio The Supremes) e o grupo The Temptations. Nomes emblemáticos cujos repertórios figuram entre as cerca de 50 músicas que compõem o roteiro de O Som da Motown, musical criado por Renato Vieira e Cláudio Marques para celebrar os 50 anos da Motown. Em cartaz no Rio de Janeiro (RJ) até 20 de dezembro de 2009, o musical é, a rigor, um (bom) show teatralizado que se sustenta com as vozes encorpadas das cinco cantoras/atrizes - recrutadas para o elenco através de testes - mas com direito a perucas e trocas de figurinos.

O cenário cheio de brilhos remete à disco music - gênero, aliás, evocado no bloco final com a destoante lembrança de Don't Leave me This Way (o hit da cantora Thelma Houston, lançado em 1976, quando a Motown já havia diluído seu marcante som). Mas o que se ouve no simpático musical carioca são os hits da fase áurea da gravadora. De início, quando as atrizes cantam músicas como I Heard It Through the Grapevine - lançada em 1966 pelo grupo The Miracles, mas popularizada nos anos seguintes nos registros de Marvin Gaye e Gladys Knight and the Pips - parece que o musical vai seguir linha desconexa. Contudo, aos poucos, O Som da Motown vai encontrando seu tom teatral, com blocos mais diferenciados, ainda que não haja no espetáculo uma dramaturgia propriamente dita. Quando existe, a teatralidade é evocada mais pela interação entre as atrizes e pela entonação dada às letras dos clássicos da gravadora. Tendência que já se intensifica nos palcos.

Dentre as cinco vozes do musical, a de Débora Pinheiro é a que exibe brilho maior, atestado pelas interpretações de Theme From Mahogany (Do You Know Where You're Going to?) - balada gravada originalmente por Thelma Houston em 1973, mas propagada na voz cristalina de Diana Ross a partir de 1975 - e de Three Times a Lady, a canção lançada pelo trio The Commodores (na voz de Lionel Richie) em 1978. Alcione Marques também impressiona pelo registro potente que roça o timbre masculino. Já Simone Centurione tem seu momento no terno dueto virtual feito com Michael Jackson - visto e ouvido via telão - em Ben, faixa-título do álbum lançado pelo futuro Rei do Pop em 1972. Juntas, Débora Pinheiro, Ellen Wilson e Thalita Pertuzatti também marcam bela presença em cena ao reviver o trio The Supremes com caracterizações adequadas - como pode ser visto na foto que ilustra a resenha. Enfim, O Som da Motown é musical simples e, por isso mesmo, eficiente. A banda que acompanha ao vivo as cantoras-atrizes é meramente correta e nem de longe reedita a pulsação dos arranjos que deram identidade ao som da companhia de Berry Gordy, mas a força do repertório e das vozes do elenco garante o prazer do espectador. O som da Motown ainda contagia.

'Cantora' é pungente testemunho da fé de Sosa

Resenha de CD
Título: Cantora
Artista: Mercedes Sosa
e convidados
Gravadora: Sony Music
Cotação: * * * *

Talvez por já pressentir que Cantora fosse seu último registro fonográfico, Mercedes Sosa (1935 - 2009) fez deste projeto de duetos um coerente e pungente testemunho de sua fé e ideologia humanitárias. Desmembrado em dois volumes na edição original argentina, mas lançado no Brasil na forma de CD simples que agrega DVD com alentado making of do álbum, Cantora alcança picos de expressão ao aproximar Sosa do rapper René Perez. Metade do duo porto-riquenho Calle 13, Perez põe seu rap engajado em Canción para un Niño en la Calle num dueto que realça afinidades ideológicas entre os repertórios da cantora e da dupla. Também com alto grau de beleza e politização, Violetas para Violeta - tema que junta Sosa ao cantor e ativista espanhol Joaquín Sabina com citação de versos da obra da compositora chilena Violeta Parra (1917 - 1967) - é outro destaque, inclusive pela pulsação das guitarras que norteiam o arranjo. Já a mexicana Julieta Venegas contribui com uma composição, Sabiéndose de los Descalzos, que poderia figurar em qualquer disco de Sosa. Por seu turno, a colombiana Shakira imprime a habitual efervescência latina em La Maza - tema do cubano Silvio Rodríguez - enquanto o uruguaio Jorge Drexler revive Sea (música de sua autoria, lançada no Brasil por Ney Matogrosso no show Inclassificáveis) com La Negra. Por mais que a voz de Sosa tenha perdido extensão, num declínio evidente na versão desnudada de Coração Vagabundo feita com Caetano Veloso, a força emanada por sua figura e suas interpretações garante o vigor desse Cantora. Já na faixa de abertura - a poética Aquellas Pequeñas Cosas, gravada com o autor Joan Manuel Serrat - fica evidente a aura especial que envolve esse testamento de Mercedes Sosa, que, ao sair de cena, deixou obra imaculada, fiel aos seus firmes princípios ideológicos.