Resenha de Show Título: Santo de Casa
Artista: Mariene de Castro (em fotos de Mauro Ferreira)
Local: Largo Pedro Archanjo Pelourinho Salvador (BA)
Data: 30 de maio de 2009
Cotação: * * * 1/2
Em cartaz em 19 de junho na Concha Acústica do TCA (Salvador)
Mariene de Castro não é santa, mas até que faz milagres em cena... Bastou ela entrar no palco armado no Largo Pedro Archanjo, no Pelourinho (Salvador -BA), para transformar a raiva da platéia em alegria. Nem parecia que, segundos antes, os dez músicos de sua banda tinham ocupado seus lugares em cena debaixo de vaias e de frases como "Eu vou embora!!" e "Quero respeito!!", repetidas em coro pelo público irritado com o atraso de uma hora e meia do show de pré-lançamento do segundo trabalho da cantora, Santo de Casa, nas lojas em breve (em CD e DVD) com o registro ao vivo do espetáculo gravado em 15 de fevereiro de 2009 no Teatro Castro Alves (BA). Com sua presença radiante, Mariene dissipou a raiva da platéia ao entrar em cena para abrir o show com Na Paz de Deus. O mesmo samba - gravado originalmente por Alcione em 1986 no álbum Fruto e Raiz (1986) - com que fechou o eclético roteiro, duas horas e meia depois, consagrada pelo público que lotou o largo para vê-la na noite de sábado, 30 de maio de 2009.
Mariene de Castro é uma cantora luminosa em cena. Sobretudo quando canta o samba de sua terra, ritmo no qual está calcado seu primeiro belo CD, Abre Caminho (2004), cuja faixa-título foi entoada logo após Na Paz de Deus. Santo de Casa é um show que celebra o samba da Bahia em todas as suas formas. Em sua primeira metade, o espetáculo resulta encantador. Mariene canta pot-pourri de sambas-de-roda munida de prato e faca, desencava a chula (Raiz) e reverencia o seminal Dorival Caymmi (1914 - 2008) com versão suave de Rosa Morena e um pot-pourri que põe na mesma panela Vatapá, Lá Vem a Baiana, A Vizinha do Lado e Requebre que Eu Dou um Doce. Sambas cozidos no molho farto da percussão que dá o tempero sempre quente dos arranjos.
Compositor predominante no repertório do primeiro álbum da cantora, Roque Ferreira também está muito bem representado no roteiro. Com seus graciosos movimentos corporais, a intérprete canta De Maré - parceria de Roque com Toninho Geraes que faz parte do repertório do grupo carioca Sururu na Roda e ganha regravação de Mariene no CD e DVD Santo de Casa - e põe Samba pra Moças, popularizado por Zeca Pagodinho, em seu habitat natural. Na sequência, fora da roda do samba baiano, a cantora celebra São João e São Luiz Gonzaga (1912 - 1989) no ritmo do xote, enfileirando temas como Foguete, Boiadeiro, Eu Só Quero um Xodó e Qui Nem Jiló, número em que Neném entra em cena para tocar zabumba. O baticum tornou o Jiló menos amargo.
Findo o bloco nordestino, o roteiro começa a pecar pelo excessiva abertura do leque estético. Mariene faz pot-pourri de cirandas, canta sambas-enredos de agremiações cariocas (É Hoje resulta explosivo enquanto Lenda das Sereias é cantado sem brilho) e rebobina até hit do extinto grupo Secos & Molhados, O Vira, encorpado com o baticum afro-baiano em arranjo que também evoca o som das guitarradas que dão o tom da música do Norte do Brasil. Neste giro nacional, até o samba-rock Brasil é revivido, totalmente fora de eixo e de propósito. Da mesma forma que também resulta fora da ordem a longuíssima apresentação da banda e da equipe técnica responsável pelo show. No fim, Mariene de Castro volta para casa, com mais clássicos de Caymmi (O Samba da Minha Terra) e mais sambas-de-roda. Ainda assim, fica a sensação de que o show resulta gorduroso na segunda metade. E não é preciso ser santo milagroso para aparar os excessos. A cantora em si é luminosa e merece que lhe abram mais caminhos no mercado fonográfico, para ser ouvida além do circuito baiano.