Resenha de documentárioTítulo: Simonal Ninguém Sabe o Duro que DeiDireção: Cláudio Manoel,Micael Langer e CalvitoLealCotação: * * * * *Em exibição no festivalÉ Tudo VerdadeSão Paulo: CineSesc (4 de abril, às 21h. 5 de abril, às 13h)Humorista do grupo Casseta & Planeta, Cláudio Manoel quis reabrir em seu primeiro filme um dos casos policiais mais controvertidos da música pop brasileira. Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei reconstitui a ascensão, glória e queda de um dos cantores mais populares do Brasil na virada dos anos 60 para 70. Condenado ao ostracismo depois que foi apontado como informante do Departamento de Ordem Política e Social (mais conhecido como Dops, o órgão repressor do regime militar instaurado no Brasil em 1964), Wilson Simonal (1938 - 2000) foi banido do cenário musical por conta dessa suposta associação com a ditadura. O documentário investiga Simonal sem condená-lo, mas também sem absolvê-lo. Cabe ao espectador, diante das versões dos fatos expostos no filme, dar o seu veredicto pessoal. O grande mérito da produção é documentar os fatos com precisão sem julgar Simonal.
O roteiro prima por entrelaçar os depoimentos - dados por nomes como Boni, Chico Anysio, Jaguar, Nelson Motta, Ricardo Cravo Albin, Miele, Pelé, Sérgio Cabral, Tony Tornado - com farto material de arquivo. É como se as imagens referendassem os testemunhos dos que conviveram com Simonal em sua fase áurea. E, no auge, Simonal era cheio de si - como pode ser percebido no seu dueto com Sarah Vaughan em The Shadow of your Smile, na maneira como regia a platéia dos programas da TV Record e na performance incendiária que obteve no show que fez no Maracanãzinho (RJ), em 1970, antes da apresentação de Sergio Mendes, o ofuscado astro principal da noite. Foi o auge da pilantragem, o subgênero inventado por Carlos Imperial para rotular a música de Simonal. "A pilantragem foi uma bobagem", resumiu Sérgio Cabral, com aguçada visão crítica do repertório (a rigor, irregular) do astro. Simonal alternou o lixo e o luxo da MPB.
Através dos depoimentos de colegas como Tony Tornado, o documentário toca de forma clara na questão racial que permeia toda a carreira de Simonal, pois sempre houve quem não engolisse o imenso sucesso popular daquele negro, filho de empregada doméstica, que tinha um suingue fenomenal, uma voz privilegiada e - cheio de si, em atitudes que beiravam a arrogância - desfilava com carros e louras, alfinetando as elites brancas do país tropical.
Em seu ano áureo, 1970, Simonal chegou a ser o cantor oficial do tricampeonato do Brasil na Copa do Mundo, no México. Mas o jogo começou a virar em agosto de 1971, quando Simonal mandou agentes do Dops dar uma surra no então contador de sua empresa, Raphael Viviani, sob a alegação de roubo. Nunca ouvido fora do inquérito policial instaurado para averiguar o caso, o depoimento de Viviani é a maior contribuição do filme para que a história seja entendida sob todos seus prismas. Com olhos marejados, Viviani nega o roubo e relata que o admitiu somente sob tortura dos agentes - tortura que, sustenta Viviani, incluiu choques elétricos.
Ingênuo, Simonal alegou que recorreu ao Dops por ter contatos no órgão e por estar sofrendo ameaças de terroristas. Foi outra atitude infeliz que o complicou quando o inspetor Mário Borges o denunciou na imprensa, sem provas, como informante do Dops. Tendenciosa e sensacionalista, a imprensa da época condenou Simonal e negou seu direito de defesa. Isolado como se fosse um leproso, como lembra Nelson Motta, Simonal viu as portas se fecharem e, mesmo tendo gravado regularmente discos até meados dos anos 70, ficou sem ter como divulgá-los nas casas de shows e na própria mídia. Foi o início de longa fase crespuscular que levou o cantor ao alcoolismo e à morte por cirrose hepática, em 2000, aos 62 anos, quando já perdera a voz e o suingue raros.
Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei conta de forma envolvente essa bela história que alternou cenas de alegria e tristeza. Não absolve e tampouco condena Wilson Simonal, mas esclarece fatos e enfatiza a força de seu canto. Um filme histórico!