Nader encena na tela o teatro poético de Waly
Resenha de documentário
Título: Pan-Cinema Permanente
Direção: Carlos Nader
Cotação: * * * *
Em exibição no festival É Tudo Verdade
Rio de Janeiro: Unibanco Artplex (31 de março, às 14h)
São Paulo: CineSesc (1º de abril, às 21h. 2 de abril, às 13h)
Título: Pan-Cinema Permanente
Direção: Carlos Nader
Cotação: * * * *
Em exibição no festival É Tudo Verdade
Rio de Janeiro: Unibanco Artplex (31 de março, às 14h)
São Paulo: CineSesc (1º de abril, às 21h. 2 de abril, às 13h)
É tudo mentira, costumava dizer Waly Salomão (1944 - 2003) a respeito da realidade cotidiana. Parceiro de Caetano Veloso e Jards Macalé, entre outros compositores para quem fez letras de músicas, o poeta sustentava que a vida era uma encenação em que todos vestem personagens - ou máscaras. Waly, figura lendária pontuada por excessos de linguagem, era ele próprio uma bela personagem. Que rendeu comovente documentário de Carlos Nader, amigo da personagem enfocada neste filme de estrutura pouco convencional que, embora até salpique informações biográficas de Waly, foge da intenção de reconstituir a trajetória deste baiano de Jequié que, nos anos 60, foi para o Rio de Janeiro com a cara, a coragem e a sua poesia para "pegar o sol com a mão".
Com uma câmera digital na mão e as idéias verborrágicas na cabeça de Waly, Nader filmou o poeta em eventos, happenings e passagens cotidianas desde 1994. A sedução de seu filme reside justamente na exposição destes fragmentos de espontaneidade construída. Nader encena na tela o teatro poético de Waly. Pan-Cinema Permanente - cujo título foi extraído de poema dedicado por Waly a Nader - é quase um monológo que dá voz à personagem principal. Tanto que os depoimentos de nomes como Antonio Cicero e Caetano Veloso são quase todos ouvidos em off. E eles reiteram o caráter teatralizado das atuações cotidianas do parceiro e amigo. "Ele era excessivo", admite um saudoso Caetano.
A força do filme está nas palavras de Waly e na edição pouco linear, intencionalmente cheia de buracos negros. Em seu delírio verborrágico de eventuais contornos barrocos, o poeta diverte e comove os espectadores em cenas como a entrevista que deu a um programa de uma emissora de TV síria. O apresentador vira marionete no teatro encenado ao vivo por Waly naquele programa em que o poeta canta os versos de Mel, celebrizados por Maria Bethânia na música que deu título ao seu álbum de 1979. Mais tarde, é a vez de Adriana Calcanhotto mostrar, a sós com seu violão, a música que fez para os versos revoltos ("Só meu sangue sabe tua seiva e senha / E irriga as margens cegas / De tuas elétricas ribeiras") de Teu Nome Mais Secreto, última parceria da cantora com o poeta, gravada recentemente por Calcanhotto em seu oitavo (e ainda inédito) álbum, Maré, nas lojas em 18 de abril.
"A vida é sonho", sentenciava Waly. Nader conseguiu traduzir na tela o espírito onírico e circense da performance de Waly em seu palco terreno. Pan-Cinema Permanente costura fragmentos poéticos com trechos de filmes Super 8 dirigidos por Waly na cena tropicalista dos anos 60. Não há aparente lógica na edição. Não há referências explícitas, que seriam lógicas, a Jards Macalé e a Gal Costa (ouvida somente na gravação original de Vapor Barato), duas personagens emblemáticas no teatro musicado de Waly. Mas tudo faz sentido. É o espírito festivo do poeta que domina a cena neste filme que, mais do que documentar ou catalogar, optou por celebrar sua passagem pelo mundo. Em todos os sentidos, já que há takes filmados em diversos países. Talvez tudo seja mesmo mentira. Só que as mentiras sinceras de Waly Salomão interessam.
3 Comments:
Belo texto, Mauro. Waly, com sua verborragia literária e musical realmente faz uma falta danada...
Fico impressionado como omitem informaçãoes das histórias das pessoas por isso que no Brasil ninguém se interessa por história, Waly é muito mais relacionado a Gal e Macalé do que qualquer outro participante desse filme.É TUDO MENTIRA MESMO.
Tambem acho tudo muito estranho...eu so soube que Wally dirigiu Bethania no "Mel" nos anos 90...sou quarentao, fan dos baianos , mas nunca prestei atencao no fato de que Wally tambem era autor de "Mel" junto com Caetano...entre outras musicas otimas gravadas por Gal e Bethania. O nome de Wally sempre me chegava vinculado ao nome de Gal...anos depois ao presenciar o fabuloso "Plural" no Canecao, ao comprar o programa do show foi que me deparei com uma entrevista de Wally...a patir dai li mais sobre ele, me atentei pela genialidade de sua poesia e de sua imagem de poeta incendiario. Sem duvida nenhuma um artista talentosissimo e super antenado, MAS mesmo assim Gal sera sempre pra mim a porta voz numero um de sua obra. Uma lastima nao existir mencao nenhuma a ela neste documentario, que mesmo que acenda as luzes sobre outras faces da obra de Wally ja nasce torto.
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