30 de março de 2008

Filme reabre caso de Simonal sem dar veredicto

Resenha de documentário
Título: Simonal Ninguém
Sabe o Duro que Dei
Direção: Cláudio Manoel,
Micael Langer e Calvito
Leal
Cotação: * * * * *
Em exibição no festival
É Tudo Verdade
São Paulo: CineSesc (4 de abril, às 21h. 5 de abril, às 13h)

Humorista do grupo Casseta & Planeta, Cláudio Manoel quis reabrir em seu primeiro filme um dos casos policiais mais controvertidos da música pop brasileira. Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei reconstitui a ascensão, glória e queda de um dos cantores mais populares do Brasil na virada dos anos 60 para 70. Condenado ao ostracismo depois que foi apontado como informante do Departamento de Ordem Política e Social (mais conhecido como Dops, o órgão repressor do regime militar instaurado no Brasil em 1964), Wilson Simonal (1938 - 2000) foi banido do cenário musical por conta dessa suposta associação com a ditadura. O documentário investiga Simonal sem condená-lo, mas também sem absolvê-lo. Cabe ao espectador, diante das versões dos fatos expostos no filme, dar o seu veredicto pessoal. O grande mérito da produção é documentar os fatos com precisão sem julgar Simonal.
O roteiro prima por entrelaçar os depoimentos - dados por nomes como Boni, Chico Anysio, Jaguar, Nelson Motta, Ricardo Cravo Albin, Miele, Pelé, Sérgio Cabral, Tony Tornado - com farto material de arquivo. É como se as imagens referendassem os testemunhos dos que conviveram com Simonal em sua fase áurea. E, no auge, Simonal era cheio de si - como pode ser percebido no seu dueto com Sarah Vaughan em The Shadow of your Smile, na maneira como regia a platéia dos programas da TV Record e na performance incendiária que obteve no show que fez no Maracanãzinho (RJ), em 1970, antes da apresentação de Sergio Mendes, o ofuscado astro principal da noite. Foi o auge da pilantragem, o subgênero inventado por Carlos Imperial para rotular a música de Simonal. "A pilantragem foi uma bobagem", resumiu Sérgio Cabral, com aguçada visão crítica do repertório (a rigor, irregular) do astro. Simonal alternou o lixo e o luxo da MPB.
Através dos depoimentos de colegas como Tony Tornado, o documentário toca de forma clara na questão racial que permeia toda a carreira de Simonal, pois sempre houve quem não engolisse o imenso sucesso popular daquele negro, filho de empregada doméstica, que tinha um suingue fenomenal, uma voz privilegiada e - cheio de si, em atitudes que beiravam a arrogância - desfilava com carros e louras, alfinetando as elites brancas do país tropical.
Em seu ano áureo, 1970, Simonal chegou a ser o cantor oficial do tricampeonato do Brasil na Copa do Mundo, no México. Mas o jogo começou a virar em agosto de 1971, quando Simonal mandou agentes do Dops dar uma surra no então contador de sua empresa, Raphael Viviani, sob a alegação de roubo. Nunca ouvido fora do inquérito policial instaurado para averiguar o caso, o depoimento de Viviani é a maior contribuição do filme para que a história seja entendida sob todos seus prismas. Com olhos marejados, Viviani nega o roubo e relata que o admitiu somente sob tortura dos agentes - tortura que, sustenta Viviani, incluiu choques elétricos.
Ingênuo, Simonal alegou que recorreu ao Dops por ter contatos no órgão e por estar sofrendo ameaças de terroristas. Foi outra atitude infeliz que o complicou quando o inspetor Mário Borges o denunciou na imprensa, sem provas, como informante do Dops. Tendenciosa e sensacionalista, a imprensa da época condenou Simonal e negou seu direito de defesa. Isolado como se fosse um leproso, como lembra Nelson Motta, Simonal viu as portas se fecharem e, mesmo tendo gravado regularmente discos até meados dos anos 70, ficou sem ter como divulgá-los nas casas de shows e na própria mídia. Foi o início de longa fase crespuscular que levou o cantor ao alcoolismo e à morte por cirrose hepática, em 2000, aos 62 anos, quando já perdera a voz e o suingue raros.
Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei conta de forma envolvente essa bela história que alternou cenas de alegria e tristeza. Não absolve e tampouco condena Wilson Simonal, mas esclarece fatos e enfatiza a força de seu canto. Um filme histórico!

10 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Há tempos eu queria falar isso aqui no blog: certos artistas têm o dom de colocar determinadas características suas em tudo o que fazem.

Simonal colocou o suingue (ou melhor, a pilantragem) em tudo o que fez. De "Nem vem que não tem" a "Mamãe Passou Açúcar em Mim".

Junto dele, na MPB suingada, só Ben Jor e Tim.

Já pretendia ver o filme. Agora, depois desta resenha, verei-o, com certeza.

Felipe dos Santos Souza

30 de março de 2008 às 14:29  
Anonymous Anônimo said...

Felipe, não manjo de Simonal, me indica aí os 2 ou 3 melhores discos dele.
Desde já agradeço.

Jose Henrique

30 de março de 2008 às 17:44  
Anonymous Anônimo said...

Ótimo cantor o Simonal. Se era dedo-duro, eu não sei, mas as patrulhas tinham força na mídia e no meio artístico. Lista negra não era privilégio só da direita. Tentaram enterrar até a Elis. Só não conseguiram porque ela era a maior e, possivelmente, porque era branca.

30 de março de 2008 às 18:10  
Anonymous Anônimo said...

Simonal deixou um legado bacana: Max de Castro, um dos cantores/compositores/instrumentistas mais inspirados da atualidade!

30 de março de 2008 às 22:16  
Anonymous Anônimo said...

Luc,

Excelente seu comentário, pois a patrulha está mais viva do que nunca. Vide o caso recente do próprio Cláudio Manoel e os devotos de Glauber Rocha...

Mauro,

Parabéns pela resenha. Aliás o título do filme é um achado. A meu ver um inteligente jogo de palavras: "Duro Que Dei" X "Dedo-duro" ...

abração,
Denilson

PS: No Youtube tem um vídeo da Elis fazendo um dueto com o Wilson Simonal que é espetacular. Os dois esbanjam suingue nesse vídeo, como poucas vezes vi. Tente assistir.

31 de março de 2008 às 09:26  
Anonymous Anônimo said...

Denilson, obrigado pela dica. Gostei muito. Arrepiante o dueto de Elis e Simonal.

Quanto à reação ao comentário do Marcelo Madureira sobre o Glauber, imagino que este último deva estar dando voltas na tumba. Glauber era um pensador original, caótico e livre. Ia responder à altura, mas jamais concordaria em botar o humorista na geladeira.

31 de março de 2008 às 10:45  
Anonymous Anônimo said...

Vamos lá, Zé Henrique:

Eu lhe diria que todos os trabalhos de Simonal entre 1965 e 1970 são altamente recomendáveis. Mas, já que é para destacar alguns, destaco:

-Show em Simonal (1967)
-Alegria, Alegria!!! (1967)
-Alegria, Alegria vol. 2 - ou "Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga" (1968)
-Alegria, Alegria vol. 3 - ou "Cada um tem o disco que merece" (1969)

O diabo é que todos esses foram lançados na caixa "Wilson Simonal na Odeon", de 2004, coordenada pelos pimpolhos Simoninha e Max de Castro. Como a caixa saiu de catálogo...

De todo modo, arquivos em MP3 estão aí pra isso, eh, eh, eh...

Felipe dos Santos Souza

31 de março de 2008 às 11:26  
Anonymous Anônimo said...

Valeu, Luc

Confundi o Cláudio Manoel com o Marcelo Madureira.

Aliás, não é a primeira vez que o Marcelo fala sobre o Glauber dessa forma. Não entendo porque o fuzuê.

Coisas da patrulha...

Também acho que o Glauber ia achar o máximo essa declaração. Aliás, essa característica é o que mais admiro no Gláuber...

abração,
Denilson

31 de março de 2008 às 11:43  
Blogger Ju Oliveira said...

Glauber Rocha fazia declarações raivosas e levianas sobre as pessoas o tempo todo. Ele não iria condenar o Madureira porque não teria cara de pau pra isso.

estou louca pra ver esse filme. Simonal era um cantor realmente especial que eu só fui conhecer por causa da Elis e os duetos que eles fizeram juntos na época da Record. se não fosse por isso, nunca nem teria ouvido falar.

31 de março de 2008 às 14:52  
Anonymous Anônimo said...

Valeu as dicas, Felipe.
Vou caçar os disquinhos com tiros de Google.

Jose Henrique

31 de março de 2008 às 16:03  

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