Maré cheia de charme arrasta os fãs de Adriana
Título: Maré
Artista: Adriana Calcanhotto
Local: Canecão (RJ)
Data: 27 de junho de 2008
Cotação: * * * *
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Em busca da “vibe perfeita”
João Barone
"Faz poucos dias que terminamos a primeira fase de gravações do novo álbum. Os trabalhos aconteceram no estúdio de Carlinhos Brown, em pleno Candeal, bairro superconhecido da capital baiana. Antigamente, procurávamos gravar em estúdios com as melhores condições técnicas, via de regra, caros e sofisticados. Hoje em dia, com as amplas possibilidades da era digital, isso já não é mais o caso. Se alguém disser que sua banda não pode gravar em qualquer lugar, não acredite, você pode, sim... Hoje em dia é fácil achar um bom estúdio que ofereça tecnologia, razoavelmente barato e de qualidade. O estúdio construído do chão ao teto por Carlinhos Brown, batizado de Guetto, conta com o que há de melhor da tecnologia digital de ponta, além dos melhores microfones vintage e uma acústica excelente, numa sala enorme com pé direito de oito metros. Mas nós fomos gravar lá por um motivo mais importante: a busca da vibe perfeita.
Nossa experiência com estúdios de gravação é ampla, na maioria trazendo boas lembranças. Na época em que a gravadora Odeon (EMI) tinha estúdios próprios, era uma festa gravar noite adentro, com pausas para devorar pizzas e sanduíches de provolone, ou esfriar a cuca em animadas partidas de vôlei de estúdio, onde a quadra era demarcada com fita crepe numa grande sala de gravação acarpetada e a rede era composta pelas tapadeiras acústicas, uma bagunça sem igual! Com a desativação dos estúdios, gravamos em vários outros excelentes representantes do gênero no Rio, como o Nas Nuvens, Impressão Digital, Mega e no AR, todos muito bons.
Quando gravamos o disco Severino na Inglaterra, tivemos algumas experiências desagradáveis. A gravação demorou para engrenar, num processo muito moroso. O que salvou foi a incrível presença de Brian May, do Queen, participando da faixa El Vampiro Bajo El Sol, tocando guitarra e fazendo os vocais conosco, a melhor lembrança desses tempos... Ainda no exterior, mixamos alguns álbuns em Los Angeles, em Londres e gravamos alguma coisa no fantástico Real World, do Peter Gabriel, com memórias inapagáveis da nossa estadia, hospedados no próprio complexo de gravação, na cidade de Box Mills, perto de Bath.
Mas relato isso tudo para chegar hoje, com a recém entusiasmada experiência de gravar as bases do nosso novo trabalho no estúdio Guetto, nome alusivo ao globalizado bairro do Candeal, de onde o multitalentoso Carlinhos Brown – tal qual um Peter Gabriel dos trópicos - montou uma incrível usina de som que administra e comanda. Acontece que nós poderíamos ter gravado o novo disco em qualquer lugar, mas resolvemos ir atrás de um lugar especial, onde o astral fosse determinante para o andamento das gravações. Estivemos neste mesmo estúdio em outubro passado, para ensaiar a participação do Brown no show Paralamas & Titãs. Ficamos muito empolgados e resolvemos gravar nosso novo álbum neste local, pois percebemos que a atmosfera que reina nesse pedaço de Salvador é especial. Eu poderia me estender só falando de como o bairro do Candeal representa um dos melhores exemplos de resgate e inclusão social da população carente de recursos, que foi promovido pelo Brown usando primordialmente a música, que sabemos ser um dos melhores remédios para os males do mundo. Quem quiser prova mais concreta, só indo lá para entender.
No primeiro dia de gravação, Brown adentra o estúdio como um furacão, reflexo da sua transbordante alegria pela nossa presença. Tocou, cantou e anunciou que haveria reza, samba de roda e fogos pelo final da trezena à Santo Antônio, um dos mais cultuados santos na Bahia, dando início aos festejos juninos, tão populares no Estado. Foram dias de pura alegria e astral lá no alto. Ficamos um pouco tristes com o término da nossa rotina, ao contrário de tempos atrás, quando muitas vezes acabar uma gravação era sempre um alívio. Tudo passou tão rápido que fez valer aquela velha máxima de que o tempo voa quando as coisas boas estão acontecendo. No último dia de gravação, recebemos no estúdio as visitas inesperadas de Geraldinho Azevedo e Ivete Sangalo, que estavam gravando num outro estúdio perto dali e apareceram para uma social. Herbert aproveitou e promoveu o seu já tradicional sarau, tocando e cantando um monte de músicas ao violão, junto com Ivete, que - para surpresa geral - tomou conta de minhas baquetas e mandou ver na bateria, acompanhando Herbert com algumas batidas muito bem executadas! Essa menina ainda vai longe!
A Bahia já nos proporcionou momentos incríveis, como nos inúmeros shows ao longo de anos, quando sempre nos deparamos com platéias das mais quentes e participantes, Olodum e Timbalada com a gente em cima do palco na Concha... Teve uma vez em que Os Paralamas foram homenageados pelo bloco afro Araketu, em plena favela dos Alagados, aquela que dá nome a canção, uns 22 anos atrás. Nós, na época, garotos classe média do Rio de Janeiro, ali, recebendo o reconhecimento daquela gente por falar da sua verdade para o resto do país. Ou no dia em que gravamos Carro Velho com o próprio Brown... Mas desta vez a Bahia nos deu algo muito mais precioso, difícil de medir, mas fácil de sentir. Estávamos super à vontade, como se a gente não tivesse saído de casa. Os trabalhos rolaram na maior harmonia, sob as bênçãos dos orixás. Deve ser isso que eles chamam de axé... e o axé foi fortíssimo!".