28 de junho de 2008

Maré cheia de charme arrasta os fãs de Adriana

Resenha de show
Título: Maré
Artista: Adriana Calcanhotto
Local: Canecão (RJ)
Data: 27 de junho de 2008
Cotação: * * * *

Difícil não se deixar arrastar pela maré cheia de charme e sedução do novo show de Adriana Calcanhotto, que chegou ao Rio de Janeiro (RJ) na noite de sexta-feira, 27 de junho de 2008, depois de passar por Argentina, Portugal e São Paulo (SP). São ondas de modernidade e inventividade que batem muito bem no palco, expandindo o universo musical do disco Maré, editado em abril. Emoldurada pelos véus transparentes que projetam motivos marítimos no cenário pintado de azul (um dos mais óbvios de Hélio Eichabuer), a cantora surge em cena como se estivesse saindo do mar - e o figurino esplendoroso de Gilda Midani ajuda a criar a aura mitológica - ouvindo numa concha colada ao ouvido sons compartilhados com a platéia. É uma entrada belíssima e cheia de teatralidade que jamais faz supor a linearidade fria dos três primeiros números (Maré, Três e Seu Pensamento). Mas Calcanhotto tem seus truques (como contar uma piada velha que sempre funciona), seu charme e o show começa a envolver o público a partir da quarta música, Mais Feliz, hit de Maritmo, o álbum de 1998 que dialoga conceitualmente com o recente Maré.
Em cena, Calcanhotto comprova a inteligência de suas escolhas musicais e estilísticas. Os arranjos modernos - tocados por quarteto formado por músicos como o hermano Bruno Medina (teclados) e Marcelo Costa (bateria e percussão) - valorizam os números com barulhinhos bons e surpreendentes que vão dando novas nuances às músicas. Em Asas, por exemplo, outra música de Maritmo, já saltam aos ouvidos a excelência das programações eletrônicas pilotadas por Domenico Lancellotti, que se reveza na outra bateria, nos mpcs, no baixo e na guitarra. Já em Mulher sem Razão são os sons tirados da escaleta tocada por Alberto Continentino que quase dão outro tom à parceria de Cazuza (1958 - 1990), Bebel Gilberto e Dé Palmeira. Tem que ver...
A ambiência do show Maré é pautada pela suavidade do disco homônimo. Mas, em cena, Calcanhotto se revela menos cool. E a intérprete - até então restrita ao canto e ao violão - se permite tirar até sons distorcidos da guitarra no meio de Para Lá, sua parceria com Arnaldo Antunes. Em Vai Saber?, precedido por discurso em que Calcanhotto exercita seu humor afiado para revelar como o samba feito para Mart'nália foi parar na voz de Marisa Monte, a artista faz roncar uma cuíca com charme. A leitura da autora para o samba é menos suntuosa do que o registro de Marisa no álbum Universo ao meu Redor (2006). Funciona.
Há números em que nem todo o quarteto divide com Calcanhotto a cena sedutora, na qual as duas baterias estão dispostas frente à frente. Em Sem Saída, número que não alcança a densidade do registro do CD, a artista se acompanha ao violão em arranjo econômico que inclui toques dos teclados de Bruno Medina. Na inédita Poética do Eremita, música composta por Calcanhotto sobre versos da poeta portuguesa Fiama Hasse Pais Brandão (1938 - 2007), a cantora troca o violão pelo violoncelo, do qual tira sons sujos que interagem com os acordes minimalistas da guitarra tocada por Alberto Continentino. Tal música é sobra do CD Maré.
Após surpreender e cantar um samba-rock de Seu Jorge, Tive Razão, Calcanhotto apresenta músicas de maior empatia popular. É quando se ouve o coro espontâneo da platéia em Fico Assim sem Você (número ao qual Domenico Lancellotti acrescenta sutis grooves funkeados que aludem a origem deste hit da dupla Claudinho & Buchecha). Na seqüência, Um Dia Desses (com Alberto Continentino assumindo os vocais feitos por Moreno Veloso no CD) e Vambora ratificam a capacidade da artista de aliar popularidade com sofisticação em vários pontos de sua obra.
As ondas tropicalistas que sempre bateram no mar de Calcanhotto são perceptíveis em Porto Alegre (Nos Braços de Calipso), o tema de Péricles Cavalcanti que, no palco, tem muito da alegria anárquica do grupo Os Mutantes. Detalhe: Calcanhotto dá conta do recado ao fazer o canto da sereia que, no disco, é luxuosamente simulado por Marisa Monte. Em seguida, Maresia encerra o show, cujo bis inclui músicas de Dorival Caymmi (Quem Vem pra Beira do Mar), Guilherme Arantes (Meu Mundo e Nada Mais, com toda pinta de hit popular do provável registro ao vivo do show) e Los Hermanos (Deixa o Verão, com pegada roqueira similar ao registro do grupo). Cortesia para o público do Rio de Janeiro, um segundo bis com Cariocas - pedida pela platéia - e Devolva-me encerra definitivamente uma apresentação que arrasta o séquito fiel de Adriana Calcanhotto em maré hype de forte encantamento.

8 Comments:

Anonymous Anônimo said...

admiro adriana desde que ouvi o cd Senhas, gostei do cd Maré e não vi esse show ainda (será que chega aqui em Porto Alegre?) e acho que seu melhor show, dos que eu vi, é o Público, um show simples, direto, que envolvia.

28 de junho de 2008 às 12:54  
Anonymous Anônimo said...

Escrever que Adriana "dá conta" de fazer o canto que Marisa faz no cd é no mínimo, uma falta de respeito com a artista! Menos Mauro... Menos!

28 de junho de 2008 às 14:44  
Anonymous Anônimo said...

QUE RESENHA INSPIRADA, SR. MAURO, VEJO QUE O SHOW FEZ SUA ALMA VIAJAR!!!

28 de junho de 2008 às 19:13  
Anonymous Anônimo said...

uma noite tranquila

O show começa bem, com a canção Maré, faixa-título do disco. Calcanhotto canta quase todo o disco novo. Alias, um dos grandes problemas do show é isso: há canções no disco MARÉ que funcionam em disco e não funcionam no palco.

adriana canta TIVE RAZÃO, do Seu Jorge, só voz e violão - ficou bacana.
por outro lado, Adriana não consegue o mesmo brilho e autoridade quando canta e toca "Vai saber?", gravada em 2006 pela Marisa Monte.

Perdido no repertório, MEU MUNDO E NADA MAIS, de Guilherme Arantes foi muito útil ao bis, que tendeu ser muito FRIO. A versão de Adriana é um lance que cai no estilo que Caetano faz, vezes sério, vezes irônica. É, perto das outras canções do show, o momento 'brega SUPER necessário'.

Adriana como interprete ganhou quando fez 'Quem vem pra beira do mar'. é muito bom Calcanhotto com canções de Caymmi. é útil e agradável.

o show em si não tem um clímax, assim como o disco de estúdio, ele tem poucos voos - o que nao significa ser ruim, mas em momentos mais soltos, quem pecava era a platéia, que não conhecia Deixa o verão ou Porto Alegre [ esta com um OFF dos vocalizes de Marisa Monte ].

No segundo bis ela obrigatóriamente jogou para ganhar com duas canções de sucessos.

Momento muito importante do show: ASAS - do disco Maritmo / Mulher sem Razão / Três. Alias, Três ganha de todas as outras versões devido a MUSICALIDADE, mas perde para MARINA LIMA em interpretação.

Eu diminuaria os momentos voz e violao, que são cansativos [ e faria um arranjo com a banda ]. e Talvez nao tocaria o CELLO... que na verdade ela nao toca, só arranha.

é impressionante o quanto Adriana Calcanhotto tem influencia rasgada de Caetano Veloso. Sua maior referência.

Adriana é uma boa cantora. E o show Maré tem 80% de músicas de outros autores.

ty medeiros
cinematranscendental@hotmail.com

29 de junho de 2008 às 05:32  
Anonymous Anônimo said...

Ty,
sua crítica vai em cima da pinta.
É muito mais lúcida do que todas que li até agora. Você devia trabalhar com isso.
Parabéns!

Zeca

30 de junho de 2008 às 12:28  
Anonymous Anônimo said...

Fui CENSURADO!!!!!!!!!!

O que havia de impublicável no meu comentário Mauro?

Me manda um email: ptcaju@yahoo.com.br

Espero não me decepcionar com vc.

Um abraço!!!!!!!!!!!!

30 de junho de 2008 às 17:33  
Anonymous Anônimo said...

Mauro e Ty, estavamos lá. Concordo e discordo de vcs em alguns pontos.
Mas em tese, espera-se mais desse show do que o mesmo tem pra oferecer.
Adriana, no entanto, tem habilidade artística suficiente para não torná-lo um show morno em sua totalidade.
E que mal tem em dizer que Adriana dá conta do recado em algo que foi feito nada menos do que por Marisa e ela própria?
Eu vou além e digo que ela não deu conta de entoar com tal maestria seu próprio samba que pela voz de Marisa, parece (como diz Adriana mesmo) ser de sua propriedade de tão bem cantado.

30 de junho de 2008 às 22:14  
Anonymous Anônimo said...

O figurino remete ao estilo de Lucina !!

2 de julho de 2008 às 20:51  

Postar um comentário

<< Home