Canto de Célia resiste ao tempo e ao mercado
Título: Faço no Tempo
Soar Minha Sílaba
Artista: Célia & Dino
Barioni
Gravadora: Lua Music
Cotação: * * * *
Não fosse o mercado selvagem - como bem o define Hermínio Bello de Carvalho no texto que escreveu para o encarte deste disco de Célia - cantora excepcional como ela não teria ficado sete anos sem lançar CD na selvageria da indústria fonográfica. Revelada e avalizada em 1970 no programa Um Instante, Maestro!, apresentado por Flávio Cavalcanti (1923 - 1986), a artista tem caminhado à margem do mercado sem perder a coerência, certa de que sua obra ficará. Certeza, aliás, ampliada com o lançamento deste magnífico disco Faço no Tempo Soar minha Sílaba, idealizado e produzido por Thiago Marques Luiz.
O título foi extraído de verso da letra de Muito Romântico (1977), a canção de Caetano Veloso que abre o CD, dividido por Célia com o violonista Dino Barioni, arranjador e diretor musical. Intérprete comedida, Célia sabe valorizar as intenções dos compositores sem exacerbar seu canto. É puro prazer ouvi-la destilar as incertezas sentimentais de Dúvida (1946) - a valsa bissexta do repertório de Luiz Gonzaga recriada com adesão do acordeom de seu discípulo Dominguinhos - e remoer as desilusões conjugais de Mãe, Eu Juro, pérola obscura da obra de Adoniran Barbosa, unida por afinidade matrimonial em medley com Sem Açúcar (Chico Buarque, 1975). Buarque também está representado pelo Tango de Nancy (1985). Detalhe: o Marques Filho que assina Mãe, Eu Juro com Adoniran é, na realidade, o saudoso sambista Noite Ilustrada (1928 - 2003).
Com a mesma segurança exibida nos dribles do samba Geraldinos e Arquibaldos (Gonzaguinha, 1975), a cantora desenvolve a trama folhetinesca de Cabaré (João Bosco e Aldir Blanc, de 1973). Entre um samba-canção do repertório de Carmen Costa (Quase, 1954) e a melancolia nostálgica de Serra da Boa Esperança (de Lamartine Babo), Célia recebe colegas como Beth Carvalho (Pressentimento, 1968), Zélia Duncan (Disritmia, 1974) e Lucinha Lins (Vacilão, de 2000). Nas duas primeiras gravações, o bom Quinteto em Branco e Preto se integra ao violão de Barioni. A interação vocal de Célia com Zélia é perfeita. Já com Beth e Lucinha, há choque de estilos realçado pelo fato de Célia estar em grande forma. No todo, Faço no Tempo Soar Minha Sílaba coroa os 60 anos que Célia vai completar em setembro. É um presente para fãs da melhor MPB e de cantoras que cultivam o romantismo de manter sua integridade artística. Nesse sentido, Célia é muito romântica e vence o tempo.