22 de outubro de 2009

Inclassificações de Ney valorizam Beijo Bandido

Resenha de CD
Título: Beijo Bandido
Artista: Ney Matogrosso
Gravadora: EMI Music
Cotação: * * * * 1/2

Poucos cantores podem irmanar num mesmo disco - sem prejuízo da elegância - tema de Vinicius de Moraes (1913 - 1980), Medo de Amar, e pérola pescada em garimpo kitsch, Tango pra Teresa, hit melodramático fornecido para Ângela Maria nos anos 70 pela dupla Jair Amorim e Evaldo Gouveia. Ney Matogrosso - que já dedicou disco ao repertório da Sapoti (Estava Escrito, 1994) - pode. Beijo Bandido é o disco. Mais um grande acerto na obra fonográfica deste intérprete mutante por natureza, o CD registra em estúdio o repertório do show que lhe dá nome. Show criado circunstancialmente na turnê de Inclássificáveis, o anterior espetáculo de aura roqueira em que Ney se vestiu com brilhos e fantasias. Em Beijo Bandido, o brilho é somente da voz e dos arranjos do pianista e diretor musical do álbum, Leandro Braga, líder de um quarteto que agrega também Lui Coimbra (violão e violoncelo), Ricardo Amado (violão e bandolim) e Felipe Roseno (percussões). Ney se despe para ficar nu com sua música. E que música! O disco alinha 14 joias que, com maior ou menor brilho, são lapidadas pela voz do cantor, em majestosa forma aos 68 anos.
Na ordem do CD, a dramaticidade de Tango pra Teresa é seguida pelo clima abolerado que ambienta De Cigarro em Cigarro (Luiz Bonfá). Na sequência, uma ainda arrebatadora Fascinação (Dante Marchetti e Maurice de Feraudy em versão de Armando Louzada) acentua o tom camerístico do disco. Que, no entanto, adquire contornos pop em A Cor do Desejo (Junior Almeida e Ricardo Guima) - tema em que Ney, lânguido, explora a sensualidade contida nos versos - e em Nada por mim (Herbert Vianna e Paula Toller), único momento em que o álbum e o cantor soam mais triviais. Contudo, Ney Matogrosso quase nunca é óbvio, trivial. Camaleão, o cantor se embrenha nos repertórios mais recônditos. Beijo Bandido já teria mérito somente por jogar luz sobre a obra do compositor Vítor Ramil, ainda não valorizado na música brasileira na medida de seu imenso talento. De Ramil, Ney regrava esplendidamente Invento, de cuja letra foi extraído o título do disco. Entre a atmosfera de samba-canção que pauta Segredo (Herivelto Martins e Marino Pinto) e a leveza pop de Mulher sem Razão (Cazuza, Dé Palmeira e Bebel Gilberto - já sem causar tanta surpresa por ter tido sua beleza propagada em 2008 na voz antenada de Adriana Calcanhotto), o intérprete reafirma o rigor estilístico em Doce de Coco (Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho) e A Distância (tristonha e belíssima balada da lavra de Roberto e Erasmo Carlos, lançada pelo Rei em 1972). É luxo só!
Por mais que seja o registro de um show, o disco Beijo Bandido tem textura diversa do espetáculo que vai voltar à cena em 13 de novembro de 2009, em São Paulo (SP). O CD tem nuances como as passagens instrumentais de Bicho Sete Cabeças (Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Renato Rocha) em que o bandolim de Ricardo Amado evoca o inusitado universo do choro. O disco tem pegada, perceptível no arranjo de A Bela e a Fera, tema pouco conhecido da trilha sonora composta por Chico Buarque e Edu Lobo para o balé O Grande Circo Místico. Contudo, o ápice do disco - seu ponto de fervura e exata tensão - é As Ilhas, a música de Astor Piazzolla e Geraldo Carneiro que Ney já gravara em 1975 num compacto inserido como bônus em seu primeiro álbum solo, Água do Céu Pássaro. Em novo exuberante registro, As Ilhas conecta Beijo Bandido a esse brilhante (re)começo de carreira de Ney Matogrosso. Ali já se esboçava a inclassificável natureza desse intérprete que nunca perdeu o viço e a voz. A pegada, enfim.

14 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Poucos cantores podem irmanar num mesmo disco - sem prejuízo da elegância - tema de Vinicius de Moraes (1913 - 1980), Medo de Amar, e pérola pescada em garimpo kitsch, Tango pra Teresa, hit melodramático fornecido para Ângela Maria nos anos 70 pela dupla Jair Amorim e Evaldo Gouveia. Ney Matogrosso - que já dedicou disco ao repertório da Sapoti (Estava Escrito, 1992) - pode. Beijo Bandido é o disco. Mais um grande acerto na obra fonográfica deste intérprete mutante por natureza, o CD registra em estúdio o repertório do show que lhe dá nome. Show criado circunstancialmente na turnê de Inclássificáveis, o anterior espetáculo de aura roqueira em que Ney se vestiu com brilhos e fantasias. Em Beijo Bandido, o brilho é somente da voz e dos arranjos do pianista e diretor musical do álbum, Leandro Braga, líder de um quarteto que agrega também Lui Coimbra (violão e violoncelo), Ricardo Amado (violão e bandolim) e Felipe Roseno (percussões). Ney se despe para ficar nu com sua música. E que música! O disco alinha 14 joias que, com maior ou menor brilho, são lapidadas pela voz do cantor, em majestosa forma aos 68 anos.
Na ordem do CD, a dramaticidade de Tango pra Teresa é seguida pelo clima abolerado que ambienta De Cigarro em Cigarro (Luiz Bonfá). Na sequência, uma ainda arrebatadora Fascinação (Dante Marchetti e Maurice de Feraudy em versão de Armando Louzada) acentua o tom camerístico do disco. Que, no entanto, adquire contornos pop em A Cor do Desejo (Junior Almeida e Ricardo Guima) - tema em que Ney, lânguido, explora a sensualidade contida nos versos - e em Nada por mim (Herbert Vianna e Paula Toller), único momento em que o álbum e o cantor soam mais triviais. Contudo, Ney Matogrosso quase nunca é óbvio, trivial. Camaleão, o cantor se embrenha nos repertórios mais recônditos. Beijo Bandido já teria mérito somente por jogar luz sobre a obra do compositor Vítor Ramil, ainda não valorizado na música brasileira na medida de seu imenso talento. De Ramil, Ney regrava esplendidamente Invento, de cuja letra foi extraído o título do disco. Entre a atmosfera de samba-canção que pauta Segredo (Herivelto Martins e Marino Pinto) e a leveza pop de Mulher sem Razão (Cazuza, Dé Palmeira e Bebel Gilberto - já sem causar tanta surpresa por ter tido sua beleza propagada em 2008 na voz antenada de Adriana Calcanhotto), o intérprete reafirma o rigor estilístico em Doce de Coco (Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho) e A Distância (tristonha e belíssima balada da lavra de Roberto e Erasmo Carlos, lançada pelo Rei em 1972). É luxo só!
Por mais que seja o registro de um show, o disco Beijo Bandido tem textura diversa do espetáculo que vai voltar à cena em 13 de novembro de 2009, em São Paulo (SP). O CD tem nuances como as passagens instrumentais de Bicho Sete Cabeças (Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Renato Rocha) em que o bandolim de Ricardo Amado evoca o inusitado universo do choro. O disco tem pegada, perceptível no arranjo de A Bela e a Fera, tema pouco conhecido da trilha sonora composta por Chico Buarque e Edu Lobo para o balé O Grande Circo Místico. Contudo, o ápice do disco - seu ponto de fervura e exata tensão - é As Ilhas, a música de Astor Piazzolla e Geraldo Carneiro que Ney gravou em 1975 num compacto inserido como bônus em seu primeiro álbum solo, Água do Céu Pássaro. Em novo exuberante registro, As Ilhas conecta Beijo Bandido a esse brilhante (re)começo de carreira de Ney Matogrosso. Ali já se esboçava a inclassificável natureza desse intérprete que nunca perdeu o viço e a voz. A pegada, enfim.

22 de outubro de 2009 às 11:09  
Anonymous marcílio said...

mauro,

o álbum 'estava escrito' é de 1994.

um xerão!

22 de outubro de 2009 às 11:34  
Anonymous Anônimo said...

O maior interprete da MPB juntamente com Bethânia.


Leandro

22 de outubro de 2009 às 11:35  
Blogger Mauro Ferreira said...

Tem razão, Marcílio. Obrigado.

22 de outubro de 2009 às 11:53  
Anonymous RAQUEL said...

Simplesmente apaixonante a interpretação de Ney para "Doce de Côco"!
Começa suave, quase contrito e aos poucos explode em emoção, retornando à ternura no final... Lindo! Que prazer perceber uma infinidade de nuances de uma voz numa só faixa. O cd já valeria por essa, mas não fica por aí. Está todo lindo, em tudo que canta, Ney impõe sua firmeza, ele não tem medo.
As composições recentes como "A cor do desejo" e "Invento", tbem são deslumbrantes, Ney brilha num repertório absolutamente atemporal.

22 de outubro de 2009 às 14:13  
Anonymous Ivan said...

Que outro intérprete poderia juntar compositores de estilos e gerações tão diferentes num mesmo disco e conseguir um resultado coeso e cheio de estilo? Só Ney Matogrosso, mesmo. Tremendo cantor, o mais afinado e personalista da mpb, agora deixa um pouco de lado a fera, o homem-ave do show anterior e faz o "divo" brilhar. Mais discreto, sem espalhafato, mas não menos marcante.
Incrível o que ele consegue fazer c/ a voz sussurrada em "A cor do desejo", muito expressivo e sensual. Impossível dizer qual é a melhor faixa, pois todas são tão vibrantes e a sonoridade é tão sofisticada, que nem dá pra "escolher".

22 de outubro de 2009 às 16:32  
Anonymous Anônimo said...

Maurinho,
mate uma curiosidade dos seus leitores: o que leva um disco a ter quatro estrelas e meia? Por que não quatro? Por que não cinco? Essa metade de alguma coisa é que deixa a pulga: onde está o erro que impede o quatro e meio de ser cinco?

Amor,
Luiza

22 de outubro de 2009 às 16:37  
Anonymous Ana Lívia said...

Ney me surpreendeu mais uma vez. Quando eu esperava que ele continuasse mantendo a aura pop/roqueira, motivado pelo estrondo que foi Inclassificáveis, ele ressurge, logo em seguida, assim, chique, discreto, repaginado num terno cinza-prata lindo. Aposto que as canções também estão repaginadas, sob uma ótica que ninguém nunca imaginou. Matogrosso é assim: faz o que quer, do jeito que quer, e no momento em quiser. E o admiro demais exatamente por isso.

22 de outubro de 2009 às 16:56  
Anonymous Anônimo said...

Mauro, obrigado por mais uma acurada crítica que sobretudo informa, sem pré-conceitos, sem firulas e maneirismos comumente encontrados na imprensa hoje.

O disco é lindo..

Agora, vc que é poderoso.. pede pro Ney incorporar "Ela e Eu" no show...pede please..

Abs!!!

22 de outubro de 2009 às 18:25  
Anonymous Anônimo said...

Recebi o cd ontem e não paro de ouvir. É belíssimo.
Impressiona como Ney explora cada vez melhor seus (infinitos) recursos vocais. Todas as releituras são bastante originais e os arranjos, superlativos. Discordo de ti c/ relação à Nada por mim, achei que Ney acrescentou muito à composição: deixou de lado o tom ressentido que a letra sugeria, e partiu p/ uma sensualidade meio irônica que não havia nas interpretações anteriores.
Abraços,
Rubem

23 de outubro de 2009 às 00:28  
Anonymous Anônimo said...

Curioso como Ney abre e fecha o cd c/ duas pérolas do romantismo consideradas bregas, e o "recheia" c/ canções delicosas, cheio de malícia, sensualidade, humor, dando banhos em "Fascinação", "A bela e a fera", e a fascinante "As Ilhas", entre outras.
Beijo Bandido é mesmo uma maravilhosa viagem, tão instigante e sedutora quanto o seu prórprio intérprete. Pena que Ney não incluiu uma versão própria de "Incinero", a delicosa salsa que ele interpretou brilhantemente no cd de Zé Paulo Becker. Mas soube que ele incluirá no show, ótimo!

23 de outubro de 2009 às 01:17  
Anonymous Gabi said...

Adoro essas "reentrâncias" de Ney no mundo das palavras, o jeito que ele as pronuncia, descobrindo ângulos, desvãos nas letras das canções, que ninguém imaginaria. Isso dele quase sempre superar as demais gravações ou pelo menos conseguir tirar uma faceta mais criativa de algo já batido, acho que vem exatamente disso. Os arranjos, realmente esplendorosos, surgem como consequência. E o melhor, desta vez, é que o Ney safo, provocante, continua ali. Desde a imagem da capa -perfeita p/ os versos "... um beijo bandido, um sonho refém"- até a voz no ouvido de "A cor do desejo", é Ney no melhor estilo abusado e subversivo, mesmo em repertório romântico.

23 de outubro de 2009 às 03:04  
Blogger José Carlos Lima said...

O Brasil tem a obrigação de atentar para o conjunto da obra de Ney Matogrosso e preparar para ele uma grande festa no aniversário de 70 anos. Ney, como Oscar Niemeyer, não tem idade. Sempre belos

24 de outubro de 2009 às 05:15  
Blogger Claudio Almeida said...

Gostei da capa. Quero ouvir o disco.

24 de outubro de 2009 às 09:01  

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