16 de agosto de 2008

Sai de cena Caymmi, gênio atemporal da MPB

Dorival Caymmi - o Buda Nagô, na definição muito apropriada de Gilberto Gil - não sai de cena com sua morte, ocorrida na manhã deste triste sábado, 16 de agosto de 2008. Em seus 94 anos de vida, Caymmi deixa como herança obra sem paralelos na música popular brasileira. Obra relativamente pequena (cerca de 120 músicas) para sua longa trajetória, mas de uma grandeza ímpar e imensurável que vai manter vivo, ao longo dos tempos, seu autor, nascido em Salvador, na sua amada Bahia, em 30 de abril de 1914.

Sem se inserir em nenhuma corrente da música brasileira, a música de Dorival Caymmi - nascida na segunda metade nos anos 20, com a composição de tosca toada intitulada No Sertão - constitui um gênero por si só. Sua obra pode ser dividida em três vertentes: as canções praieiras, os sambas buliçosos cheio de requebros e os sambas-canções. Estes brotaram com mais assiduidade a partir dos anos 40, quando Caymmi já estava ambientado no Rio de Janeiro da fase pré-Bossa Nova. Mas, já em 1932, o compositor criava Adeus, seu primeiro samba-canção, antecipando o apego ao gênero quando veio para o Rio, em 1938.

Toda a obra de Dorival Caymmi prima pelo requinte e exala uma modernidade que já estava em intuitiva sintonia com as conquistas estilísticas da bossa hoje cinqüentenária (não por acaso, João Gilberto sempre cantou os sambas do autor de Saudade da Bahia e Samba da Minha Terra). Mas requinte, no caso de Caymmi, nunca foi sinônimo de rebuscamento. Seu cancioneiro ostenta a simplicidade sofisticada somente alcançada pelos gênios. Dentro desta obra atemporal, os temas praieiros são especialmente originais com suas imagens poéticas que descrevem todo o encanto do mar através de versos minimalistas, exatos. São nas canções praieiras que a voz grave de Caymmi - doce e profunda como o próprio mar - se revela mais sedutora, carregada de aura de ancestralidade que confere ao compositor baiano um status de quase divindade. São nas canções marinhas que o violão de Caymmi - aprendido na juventude de forma autodidata - se revela especialmente inventivo. Em O Mar, uma das várias obras-primas do compositor no gênero, tal violão parece reproduzir o movimento sinuoso da maré. Coisa de gênio...

Nos sambas buliçosos, urdidos e sacudidos com manemolência toda própria, Caymmi pintou o retrato definitivo da velha Bahia, com suas pretas do acarajé, suas 365 igrejas e as musas como Adalgisa. As mulheres, aliás, foram temas recorrentes na obra sensual de Dorival Caymmi. Marina, por exemplo, é da época em que o compositor privilegiava os sambas-canções, inebriado com a atmosfera enfumaça das boates cariocas. E, a propósito dos sambas-canções, vale ressaltar que, com Caymmi, o gênero nunca pecou pelo excesso de dramaticidade ou por qualquer mínimo sentimentalismo. O amor, ou a falta de, foi abordado com a costumeira elegância pelo mestre em músicas como Não Tem Solução, Nem Eu, Você Não Sabe Amar e Só Louco, entre outras.

Enfim, como compositor, Dorival Caymmi foi ilimitado - como certa vez o caracterizou outro gigante da música brasileira, um tal de Tom Jobim (1927 - 1994). Com o qual, aliás, Caymmi já deve estar se confraternizando - no seu tempo todo próprio - no olimpo reservado aos grandes criadores da música popular. Descanse em paz, Buda Nagô, que a sua obra já é do povo, como você sonhou...

18 Comments:

Blogger Unknown said...

um gênio.

16 de agosto de 2008 às 13:52  
Anonymous Anônimo said...

Perfeito Mauro. Beleza de texto! Digno do grande Dorival Caymmi! Meus sentimentos à família e só faltou citar o reconhecimento internacional com Carmem Miranda. Abraços,

Marcelo Barbosa - Brasília (DF)

"É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar
Saveiro partiu de noite, foi"

16 de agosto de 2008 às 14:01  
Blogger Mauro Ferreira said...

Dorival Caymmi - o Buda Nagô, na definição muito apropriada de Gilberto Gil - não sai de cena com sua morte, ocorrida na manhã deste triste sábado, 16 de agosto de 2008. Em seus 94 anos de vida, Caymmi deixa como herança obra sem paralelos na música popular brasileira. Obra relativamente pequena (cerca de 120 músicas) para sua longa trajetória, mas de uma grandeza ímpar e imensurável que vai manter vivo, ao longo dos tempos, seu autor, nascido em Salvador, na sua amada Bahia, em 30 de abril de 1914.

Sem se inserir em nenhuma corrente da música brasileira, a música de Dorival Caymmi - nascida na segunda metade nos anos 20, com a composição de tosca toada intitulada No Sertão - constitui um gênero por si só. Sua obra pode ser dividida em três vertentes: as canções praieiras, os sambas buliçosos cheio de requebros e os sambas-canções. Estes brotaram com mais assiduidade a partir dos anos 40, quando Caymmi já estava ambientado no Rio de Janeiro da fase pré-Bossa Nova. Mas, já em 1932, o compositor criava Adeus, seu primeiro samba-canção, antecipando o apego ao gênero quando veio para o Rio, em 1938.

Toda a obra de Dorival Caymmi prima pelo requinte e exala uma modernidade que já estava em intuitiva sintonia com as conquistas estilísticas da bossa hoje cinqüentenária (não por acaso, João Gilberto sempre cantou os sambas do autor de Saudade da Bahia e Samba da Minha Terra). Mas requinte, no caso de Caymmi, nunca foi sinônimo de rebuscamento. Seu cancioneiro ostenta a simplicidade sofisticada somente alcançada pelos gênios. Dentro desta obra atemporal, os temas praieiros são especialmente originais com suas imagens poéticas que descrevem todo o encanto do mar através de versos minimalistas, exatos. São nas canções praieiras que a voz grave de Caymmi - doce e profunda como o próprio mar - se revela mais sedutora, carregada de aura de ancestralidade que confere ao compositor baiano um status de quase divindade. São nas canções marinhas que o violão de Caymmi - aprendido na juventude de forma autodidata - se revela especialmente inventivo. Em O Mar, uma das várias obras-primas do compositor no gênero, tal violão parece reproduzir o movimento sinuoso da maré. Coisa de gênio...

Nos sambas buliçosos, urdidos e sacudidos com manemolência toda própria, Caymmi pintou o retrato definitivo da velha Bahia, com suas pretas do acarajé, suas 365 igrejas e as musas como Adalgisa. As mulheres, aliás, foram temas recorrentes na obra sensual de Dorival Caymmi. Marina, por exemplo, é da época em que o compositor privilegiava os sambas-canções, inebriado com a atmosfera enfumaça das boates cariocas. E, a propósito dos sambas-canções, vale ressaltar que, com Caymmi, o gênero nunca pecou pelo excesso de dramaticidade ou por qualquer sentimentalismo. O amor, ou a falta de, foi abordado com a costumeira elegância pelo mestre em músicas como Não Tem Solução, Nem Eu, Você Não Sabe Amar e Só Louco, entre outras.

Enfim, como compositor, Dorival Caymmi foi ilimitado - como certa vez o caracterizou outro gigante da música brasileira, um tal de Tom Jobim (1927 - 1994). Com o qual, aliás, Caymmi já deve estar se confraternizando - no seu tempo todo próprio - no olimpo reservado aos grandes criadores da música popular. Descanse em paz, Buda Nagô, que a sua obra já é do povo, como você sonhou...

16 de agosto de 2008 às 14:04  
Anonymous Anônimo said...

Lindo texto Mauro!Simples e total como Caymmi.Que a família,e especialmente sua filha Nana, extraordinária em todos sentidos,saibam que todo o Brasil é também parte dessa família que tanto nos orgulha.

16 de agosto de 2008 às 15:44  
Anonymous Anônimo said...

Me aproximei da obra de Cyammi de uns dois anos para cá e fiquei apaixonado.
É de uma simplicidade cheia de sofisticação...assim eu defino sua obra.

Glauber 97

16 de agosto de 2008 às 17:48  
Anonymous Anônimo said...

Parabéns pelo texto. Inspiradíssimo!!

16 de agosto de 2008 às 18:58  
Anonymous Anônimo said...

rosemberg

obrigado dorival por tudo.

16 de agosto de 2008 às 19:01  
Anonymous Anônimo said...

Disse bem, Mauro. O patriarca dos Caymmi compôs pouco, mas compôs bem. E muito.

Ou vão dizer que boa parte da obra da "esfinge benigna", como o apelidou João Ubaldo Ribeiro, não tem seu lugar guardado na história da mepebê?

Sua morte foi tranqüila. Como sua vida. Talvez até isso tenha conseguido: impor seu próprio tempo à morte.

Felipe dos Santos Souza

16 de agosto de 2008 às 19:32  
Anonymous Anônimo said...

Descanse em paz o Grande Maestro.

16 de agosto de 2008 às 20:55  
Anonymous Anônimo said...

Emanuel Andrade

Mais triste é perceber que com a partida de Caymmi desse plano a gente vai ficando cada vez mais pobre. E olhe que lembrava ontem da falta que um Vinícius, Betinho, Dom Hélder, Drummond, Tom Jobim, Elis, Paulo Gracindo, Jorge Amado entre tantos outros fazem... e agora eis que Dorival é pescado. Ainda bem que ele nos deixa um grande legado musical e poético. Mas o que vai ficando, pelo amor de Deus, é de fazer dó. A MPB cada vez mais medíocre, cheia de gente dissimulada e oportunistas. Mas ainda sobra uma dúzia de coisas finas. Que Dorival tenha um lugar bem sagrado lá no outro plano, com as luzes que o inspoirou o Sábado em Copacabana. Sem dúvida, foi um valentão da vida!

16 de agosto de 2008 às 23:54  
Anonymous Anônimo said...

Sua obra é imensa, e me lembro, emocionada, desta, desde sempre pelo menos na minha vida ...

"É tão tarde
A manhã já vem
Todos dormem
A noite também
Só eu velo por você, meu bem
Dorme, anjo
O boi pega neném

Lá no céu deixam de cantar
Os anjinhos foram se deitar
Mamãezinha precisa descansar
Dorme, anjo
Papai vai lhe ninar

Boi, boi, boi
Boi da cara preta
Pega essa menina
Que tem medo de careta"

Valeu, Dorival!!!!!!

16 de agosto de 2008 às 23:57  
Anonymous Anônimo said...

Ninguém canta suas canções de amor como Nana.

Ninguém canta os temas praieiros e ligados à Bahia como Bethânia.

Felizmente estes arautos estão aí para traduzí-lo.

17 de agosto de 2008 às 14:35  
Anonymous Anônimo said...

BETHÂNIA COM CERTEZA DEVE ESTAR DESOLADÍSSIMA! EM MARICOTINHA, APÓS CANTAR: "SÁBADO EM COPACABANA" DIZ COM ALEGRIA QUE ADORA CANTAR A CANÇÃO CITADA E QUE MELHOR AINDA, QUE FOI FEITA POR UM BAIANO, ALIÁS O MAIOR DE TODOS: DOIVAL C.

"DESCANSE EM PAZ E QUE A OBRA DESTE GRANDE ARTISTA BAIANO TENHA UMA GRANDE HOMENAGEM DA IMPRENSA DE TODOS OS SEGMENTOS, VALERÁ MUITO À PENA!!!"

17 de agosto de 2008 às 15:47  
Anonymous Anônimo said...

Mauro disse bem. Significativa a ênfase na atemporalidade. Há 70 anos, Caymmi vem sendo interpretado pelos melhores músicos brasileiros. E sempre soa atual.

Além disso, deixou-nos de presente o Dori e a Nana, artistas de primeira. Somos gratos.

17 de agosto de 2008 às 19:10  
Anonymous Anônimo said...

A imprensa brasileira cobriu com o devido espaço o falecimento de Caymmi. Os lutos oficiais no Rio e na Bahia são de regra. No exterior, tem uma nota singela no NYT. Se interessar, é só entrar na página do jornal (www.nyt.com) e digitar 'caymmi' no mecanismo de busca.

17 de agosto de 2008 às 19:26  
Anonymous Anônimo said...

Li a notícia da morte de Dorival Caymmi quando estava surfando em http://cotonete.clix.pt/. É uma enorme perda para a MPB e para o mundo inteiro. Mas deu para conhecer um site muito completo, fiquei fã!

18 de agosto de 2008 às 07:04  
Blogger Márcio said...

Caymmi, único e atemporal! Não haverá outro como ele, capaz de cantar a Bahia mística e forte e um Rio de Janeiro urbano e apaixonado. Sua obra já o fizera imortal em vida. Viva Dorival Caymmi!

18 de agosto de 2008 às 11:14  
Anonymous Anônimo said...

Tava na hora de Gal se juntar a Nana e fazerem um belo tributo ao velho Dorival. E se pudessem garimpar o lado B dele seria maravilhoso!!!

18 de agosto de 2008 às 15:57  

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