23 de outubro de 2008

Como os sonhos, a música de Lô não envelhece

Resenha de CD / DVD
Título: Intimidade
Artista: Lô Borges
Gravadora: Som Livre
Cotação: * * * *

Como bom mineiro, Lô Borges é quieto. A ponto de ele nunca ter tirado partido do fato de, ainda iniciante, ter dividido com Milton Nascimento os créditos do Clube da Esquina, o emblemático álbum duplo de 1972 que deu forma e visibilidade ao movimento mineiro de BH batizado com o mesmo nome do LP. Lô lançou alguns bons discos nos anos 70 - sempre recolhido à sua grande significância - até que sua carreira fonográfica foi se tornando espaçada. Intimidade é seu primeiro DVD e foi gravado na série da Som Livre que já rendeu títulos de Guilherme Arantes e Oswaldo Montenegro. Não se limita a registrar um show íntimo em que Lô revisa sua obra diante de pequena platéia de amigos no Estúdio Acústico, em Belo Horizonte (BH). Através de depoimentos, costurados com os 19 números musicais, o DVD revela (um pouco) da alma do artista e de seu cotidiano guiado pela música, como ressalta Seu Salomão - o patriarca dos Borges, de quem Lô herdou o nome - em frase lapidar ("A vida dele tem um só capítulo: música"). Além de funcionar como (ótima) coletânea de sua obra.

Editado também em CD, o registro intimista do show conta um convidado especial na sua admiração pelos sons da esquina mineira: Samuel Rosa, com quem Lô dividiu o palco numa série de espetáculos feitos no embalo de suas parcerias. O grande sucesso dessa coerente conexão é Dois Rios, refinada canção gravada pelo Skank no álbum Cosmotron (2003) e rebobinada por Samuel em Intimidade ao lado de Lô. O vocalista do Skank canta também Clube da Esquina 2, um dos marcos do cancioneiro pop mineiro dos anos 70. "Lô e a turma dele são os Beatles brasileiros", depõe Samuel com exagero permitido por sua sincera devoção ao Clube da Esquina. São dois rios, mas somente um afluente - os Fab Four - a conectar o Skank à turma capitaneada por Milton e Lô em 1972.

Antes dos Beatles, houve a bossa hoje cinqüentenária e - antes de cantar Sem Não, a bossa que compôs com Caetano Veloso e que gravou num de seus melhores discos, Meu Filme (1996) - Lô enfatiza que a batida diferente de João Gilberto também ecoou nas esquinas de Minas, mexendo com a cabeça e os sons de garotos que, na época, ainda nem sonhavam mudar o mundo. E, como os sonhos, a música de Lô Borges nunca envelhece, emoldurada numa aparente simplicidade que esconde ousadias harmônicas. Basta ver e ouvir no DVD, em seqüência ou de forma aleatória, músicas como O Trem Azul, Feira Moderna, Nuvem Cigana, Um Girassol da Cor do seu Cabelo, Paisagem na Janela e Para Lennon & McCartney, entre outras, para entender a importância do artista na arquitetura do pop brasileiro. Contudo, no caso, é preciso apreciá-las com ouvidos generosos, pois, no quesito afinação, Lô nunca foi um dos sócios mais ilustres do Clube - deficiência que salta aos ouvidos num registro pautado pela informalidade. O que conta em Intimidade é o clima de balanço. É ter a oportunidade de saber - através de depoimento de Márcio Borges, parceiro e irmão mais velho de Lô - que Tudo que Você Podia Ser teve inspiração no calor dos movimentos estudantis que agitaram os anos 60. Ou ainda de ver que, mesmo estruturado no violão, como enfatizado em Equatorial, o cancioneiro de Lô também pode ser eventualmente formatado ao piano - como em Universo Paralelo.

Com antigos ou novos parceiros, casos de Chico Amaral (Segundas Mornas Intenções e Um Dia e Meio) e César Maurício (Tudo em Cores pra Você), a música de Lô Borges continua jovem e, se propagada pela mídia, como aconteceu com a envolvente canção Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor, gravada por Milton Nascimento no álbum Pietá (2002), ainda é capaz de cativar admiradores em qualquer esquina de Minas, do Brasil e do mundo.

10 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Como bom mineiro, Lô Borges é quieto. A ponto de ele nunca ter tirado partido do fato de, ainda iniciante, ter dividido com Milton Nascimento os créditos do Clube da Esquina, o emblemático álbum duplo de 1972 que deu forma e visibilidade ao movimento mineiro de BH batizado com o mesmo nome do LP. Lô lançou alguns bons discos nos anos 70 - sempre recolhido à sua grande significância - até que sua carreira fonográfica foi se tornando espaçada. Intimidade é seu primeiro DVD e foi gravado na série da Som Livre que já rendeu títulos de Guilherme Arantes e Oswaldo Montenegro. Não se limita a registrar um show íntimo em que Lô revisa sua obra diante de pequena platéia de amigos no Estúdio Acústico, em Belo Horizonte (BH). Através de depoimentos, costurados com os 19 números musicais, o DVD revela (um pouco) da alma do artista e de seu cotidiano guiado pela música, como ressalta Seu Salomão - o patriarca dos Borges, de quem Lô herdou o nome - em frase lapidar ("A vida dele tem um só capítulo: música"). Além de funcionar como (ótima) coletânea de sua obra.

Editado também em CD, o registro intimista do show conta um convidado especial na sua admiração pelos sons da esquina mineira: Samuel Rosa, com quem Lô dividiu o palco numa série de espetáculos feitos nos últimos dois anos. O marco oficial dessa parceria é Dois Rios, a sofisticada canção gravada pelo Skank no álbum Cosmotron (2003) e rebobinada por Samuel em Intimidade ao lado de Lô. O vocalista do Skank canta também Clube da Esquina 2, um dos marcos do cancioneiro pop mineiro dos anos 70. "Lô e a turma dele são os Beatles brasileiros", depõe Samuel com exagero permitido por sua sincera devoção ao Clube da Esquina. São dois rios, mas somente um afluente - os Fab Four - a conectar o Skank à turma capitaneada por Milton e Lô em 1972.

Antes dos Beatles, houve a bossa hoje cinqüentenária e - antes de cantar Sem Não, a bossa que compôs com Caetano Veloso e que gravou num de seus melhores discos, Meu Filme (1996) - Lô enfatiza que a batida diferente de João Gilberto também ecoou nas esquinas de Minas, mexendo com a cabeça e os sons de garotos que, na época, ainda nem sonhavam mudar o mundo. E, como os sonhos, a música de Lô Borges nunca envelhece, emoldurada numa aparente simplicidade que esconde ousadias harmônicas. Basta ver e ouvir no DVD, em seqüência ou de forma aleatória, músicas como O Trem Azul, Feira Moderna, Nuvem Cigana, Um Girassol da Cor do seu Cabelo, Paisagem na Janela e Para Lennon & McCartney, entre outras, para entender a importância do artista na arquitetura do pop brasileiro. Contudo, no caso, é preciso apreciá-las com ouvidos generosos, pois, no quesito afinação, Lô nunca foi um dos sócios mais ilustres do Clube - deficiência que salta aos ouvidos num registro pautado pela informalidade. O que conta em Intimidade é o clima de balanço. É ter a oportunidade de saber - através de depoimento de Márcio Borges, parceiro e irmão mais velho de Lô - que Tudo que Você Podia Ser teve inspiração no calor dos movimentos estudantis que agitaram os anos 60. Ou ainda de ver que, mesmo estruturado no violão, como enfatizado em Equatorial, o cancioneiro de Lô também pode ser eventualmente formatado ao piano - como em Universo Paralelo.

Com antigos ou novos parceiros, casos de Chico Amaral (Segundas Mornas Intenções e Um Dia e Meio) e César Maurício (Tudo em Cores pra Você), a música de Lô Borges continua jovem e, se propagada pela mídia, como aconteceu com a envolvente canção Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor, gravada por Milton Nascimento no álbum Pietá (2002), ainda é capaz de cativar admiradores em qualquer esquina de Minas, do Brasil e do mundo.

23 de outubro de 2008 às 19:28  
Anonymous Anônimo said...

Pô, Mauro, confesso que fiquei bastante satisfeito com este post sobre o Lô e com a resenha sobre o show da Marina. Dez pra ti!

Passei a infância ouvindo Lô e Marina, dentre outras figuras de grande relevância para a música brasileira e, agora, depois de "velho", fico feliz em saber que alguns - sensatos - críticos ainda prezam pela boa música brasileira, aquela que soa verdadeira e que, "numa aparente simplicidade, esconde ousadias harmônicas", como escreveste acima. Legal isso!

Lô e Marina estão dentre meus ídolos, por assim dizer. Dele, cito "A Via Láctea", "Ela" e "Chuva na Montanha", que não mencionaste em teu texto, como outros grandes clássicos, atemporais!

Marina, mesmo à meia voz, nos proporciona viagens maravilhosas com "Três", "Alguma Prova" e "Pra ver meu bem corar", dentre outras pérolas.

Fantásticos!

23 de outubro de 2008 às 19:40  
Anonymous Anônimo said...

Lô nunca se vendeu ao mercado. Ele é super talentoso, simpático e tem um astral altíssimo!! Sucesso!!

23 de outubro de 2008 às 20:15  
Anonymous Anônimo said...

Olá Mauro. Como bom fã do Skank não poderia deixar de discordar de ti quanto a primeira pareceria de Lô Borges com Samuel Rosa, ela aconteceu no CD Maquinarama (2000) e a música era "A última guerra" que também contava com Rodrigo F. Leão como autor.

24 de outubro de 2008 às 05:35  
Anonymous Anônimo said...

Lô Borges é um dos meus preferidos. Quem dera o pop brasileiro tivesse sempre o nível de uma 'Nuvem Cigana' ou de um 'Equatorial'.

24 de outubro de 2008 às 10:31  
Anonymous Anônimo said...

Sopros de vida inteligente na música brasileira (não divulgada), quando vêm a público nos causam novos ânimos.
Numa época em que comprar um CD tem que ser planejado no orçamento do mês e muito mais pela falta de acesso ao que acontece na melhor produção musical do país, ler este post realmente incentiva aquele hábito esquecido de entrar numa loja e revirar as prateleiras abarrotadas de música de mau gosto. Sem saudosismo, mas seria legal se esses músicos fizessem herdeiros que agregasse a modernidade (sim, novas influências) sem matar as intenções.

24 de outubro de 2008 às 10:59  
Anonymous Anônimo said...

Esse som é muito enjoado, é uma calmaria que enerva.

Jose Henrique

24 de outubro de 2008 às 17:20  
Blogger Gustavo :: ovatsuG said...

Interessante que ainda ontem estava eu assistindo ao DVD Beto Guedes 50 Anos e pensando: "Poxa, o Lô Borges não tem ainda um DVD. Seria tão legal se fosse gravado um!" e hoje encontro aqui essa informação.

24 de outubro de 2008 às 22:45  
Anonymous Anônimo said...

Pimentão da Luz disse

Lô é a pura sintonia do Clube da Esquina, merece tal projeto.
Agora, alguém já descobriu o que esse José Henrique pensa que é? O cara só quer ser a bala que atravessou Jonh Lennon. Meu Deus...

27 de outubro de 2008 às 15:01  
Anonymous Anônimo said...

Não deve ter sido coincidência o Rei de Minas Milton Nascimento ter escolhido o "moleque" Lô para dividir um disco com ele.
Lô é um baita compositor e um bom cantor... um dos "donos" das rodinhas de violão país afora.
Quando conheci "Um Girassol da Cor de Seu Cabelo" achei que seria a definitiva, aí veio "Clube da Esquina nº2", "Sonho Real"... e parei de achar qualquer coisa sobre Lô. Sobre Lô duas certezas:
é craque e merecia ser titular na seleção musical brasileira, sem tanto entra e sai.

15 de novembro de 2008 às 21:01  

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