27 de maio de 2008

Gil se conecta à rede de tensões da vida hi-tech

Resenha de CD
Título: Banda Larga
Cordel
Artista: Gilberto Gil
Gravadora: Warner Music
Cotação: * * *

Nas lojas somente a partir de 17 de junho, mas já disponível para audição no canal Sonora (do portal Terra), o primeiro disco de inéditas de Gilberto Gil desde Quanta (1997) conecta o artista à rede de tensões que pautam o universo hi-tech. Ao mesmo tempo em que festeja a inclusão digital do Brasil interiorano no discurso verborrágico feito na letra da música que dá título ao CD Banda Larga Cordel, entre ecos de sons nordestinos, o compositor capta o primitivismo que ainda rege parte desse universo. Em O Oco do Mundo, o maior destaque da irregular safra de inéditas, Gil rumina definições sobre uma esfera sombria que aterroriza e até retém o Homem num estágio mais primitivo. De alta voltagem poética, a música vem carregada de sujeiras, distorções e recursos eletrônicos (utilizados na medida).

Musicalmente, Gil se equilibra bem entre o acústico e o eletrônico - universos paralelos cuja dicotomia e interação geram a reflexão esboçada em Máquina de Ritmo. Às vezes, ele até se excede com os timbres artificiais como em La Renaissance Africaine, que incorpora versos em francês. Mas, no todo, a conexão com a modernidade tecnológica é feita sob medida. E, nesse mundo moderno, a balada Os Pais - gravada com suingue inexistente na recente gravação original de Jorge Mautner, parceiro de Gil na música - capta bem as tensões que regem as relações entre pais e filhos neste universo de maior liberalidade. Inclusive tecnológica.

A idéia inicial de Gil era fazer um disco de sambas. E alguns deles passaram pelo filtro de Banda Larga Cordel. Canô saúda o centenário de Dona Canô com manemolência baiana. Samba de Los Angeles foi extraído de Nightingale, álbum de 1978, o primeiro gravado pelo artista especialmente para o mercado norte-americano. Confirmando seu apurado senso rítmico, o cantor deita e rola nas quebradas deste samba. Assim como nas de Gueixa no Tatame e de Formosa, única faixa não autoral entre as 17 músicas do CD. Formosa é da lavra fina de Baden Powell (1937 - 2000) e Vinicius de Moraes (1913 - 1980). De contorno menos inspirado, Amor de Carnaval completa o time de sambas do disco.

Ao se distanciar do universo do samba, uma esfera do cordel se desenrola a partir do universo musical nordestino que moldou a obra do baiano Gil, fã de Luiz Gonzaga (1913 - 1989). A malícia da região dá o tom do bom xote Despedida de Solteira - em que o cantor narra a aventura de uma cabrita lésbica à beira do altar - e de Não Grude, Não, tema em que Gil tangencia o forró de contorno mais pop. O viés mais malicioso da música do Nordeste ecoa de forma torta até em Olho Mágico, balada de atmosfera soul em que Gil tenta duplo sentido ao unir palavras como quer e alho.

Duas canções mais interiorizadas abrem espaço para reflexões existenciais. Em Não Tenho Medo da Morte, Gil divaga sem grande expressão pelo tema da finitude. Já em A Faca e o Queijo - uma das músicas mais envolventes do disco, feita para Flora Gil para satisfazer desejo expressado pela mulher do compositor - o artista corajosamente lança mão de um discurso direto para assumir as transformações que moldam o amor maduro. "O ardor da paixão já não nos adorna mais", admite Gil em (poético) verso.

No todo, nem sempre as músicas de Banda Larga Cordel acompanham o vigor do discurso. Mas o disco é bom e conecta Gilberto Gil a um mundo tecnológico que o compositor de Lunik 9 e Cérebro Eletrônico já observava, com astúcia, desde os anos 60.

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

é essa capa feia que vai pra loja?

27 de maio de 2008 às 17:37  
Anonymous Anônimo said...

...se o disco for bom...a capa fica sendo linda!

28 de maio de 2008 às 10:14  
Anonymous Anônimo said...

Gostei da capa. Às vezes é bom fugir dos padrões.

28 de maio de 2008 às 12:52  
Anonymous Anônimo said...

inacreditavel que este post tenha tido tao pouca repercussao Mauro...

28 de maio de 2008 às 22:51  
Anonymous Anônimo said...

pensei a mesma coisa que o anônimo das 10:51. Mas a repercussão não é pequena apenas no blog, mas na imprensa inteira. Quando foi lançado disco de inéditas do Chico ano passado, que a rigor só tinha de inéditas mesmo cerca de 50% de seu disco, a imprensa noticiou/elogiou amplamente.

Quero muito ouvir este disco do Gil, artista genial.

29 de maio de 2008 às 17:16  
Anonymous Anônimo said...

Gil, um dos grandes nomes da geração mais genial da música brasileira, já não canta como antes. Algumas gravações recentes, como a de "Chiclete com Banana" no disco "Cidade do Samba" chegam a ser absolutamente constrangedoras. E sua produção autoral também já não é grandes coisas. Pelas críticas que já li e pelo pouco que já ouvi, esse disco tá parecendo que não vai escapar à regra. Agora é aguardar para escutá-lo.

1 de junho de 2008 às 17:40  

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