4 de outubro de 2008

No escuro do cinema, 'Morcego' ilumina Macalé

Resenha de filme
Título: Jards Macalé - Um
Morcego na Porta Principal
Direção: Marco Abujamra
e João Pimentel
Cotação: * * * *
Em exibição no Festival do Rio 2008
* 4 de outubro (Estação Vivo Gávea 3,
às 13h30m e às 20h10m)

Logo na primeira cena de Um Morcego na Porta Principal, Jards Macalé ameaça processar Marco Abujamra e João Pimentel, diretores do documentário que retrata uma das personagens mais estranhas da música brasileira. "Tenho medo que vocês destruam tudo o que construí", confessou Macalé diante das câmeras. Pois o parceiro de Waly Salomão (1943 - 2003) em Vapor Barato não tem o que temer. Em exibição no Festival do Rio 2008, o filme de Abujamra e Pimentel joga luz sobre a figura de Macalé sem desconstruir a imagem excêntrica arquitetada pelo próprio compositor. Ao contrário, Morcego... se alimenta das histórias colecionadas por Macalé para construir narrativa saborosa que prende a atenção do espectador em 71 minutos. Veja sem medo...

O humor permeia o roteiro, assinado pelos diretores. Somente o causo contado por Dori Caymmi já vale o ingresso: indignado pelo fato de Dori ter acrescentado um acorde na sua música Tarde Demais, Macalé abordou o colega num lotação e se fez passar por seu amante, inconformado por Dori o estar traindo com a "safada daquela mulher". Armado o barraco, Macalé desceu do ônibus e Dori seguiu viagem, constrangido diante da cena de vingança. Dez!

Entre cenas hilárias, o filme deixa de lado a verve do artista para ressaltar suas qualidades musicais. "O violão de Macalé é um dos que traduziu melhor os sons da Bossa Nova e do samba carioca", avaliza Gilberto Gil, ele próprio dono de suingue todo próprio ao violão. A militância política de Macao também é naturalmente enfocada. Num raro momento em que a narrativa escapa do tom convencional (incondizente com o espírito da obra de Macalé), o filme lança mão da sobreposição de vozes dos entrevistados (Capinam e Nelson Motta, entre outros) para recordar a vaia monumental tomada por Macalé ao defender Gothan City no IV Festival Internacional da Canção, em 1969. Foi quando ele pronunciou a célebre frase metafórica a que o filme se refere no bom título - "Há um morcego na porta principal" - para aludir à mordaça do regime militar que apertava o cinto naquele ano de chumbo. Em 1973, ao encenar o espetáculo O Banquete dos Mendigos no Museu de Arte Moderna (RJ), com adesão de nomes como Chico Buarque e Paulinho da Viola, Macalé atiçaria ainda mais a ira dos homi. "Acabamos no zero, mas, como ato político, foi fundamental", contabiliza Macalé em depoimento para o documentário, ressaltando que a intenção inicial do espetáculo - angariar fundos para ele próprio, então às voltas com dificuldades de trabalho - acabou se perdendo diante da proporção política tomada pelo evento, que reuniu uma multidão em torno do MAM.

A fama de maldito no mercado fonográfico - rótulo criado pela imprensa e alimentado por atitudes do próprio Macalé, que chegou a dizer publicamente que todos os diretores de gravadoras eram "atravessadores" - também rende alguns óbvios takes. "Maldito é a mãe", esbraveja Macalé, cujo comportamento transgressor já começa na infância. É hilária a cena em que ele contabiliza os colégios de que foi expulso, para desespero de sua mãe, Dona Lygia, entrevistada no filme em sua casa em Penedo (RJ). Mas a coisa fica séria quando Abel Silva recorda a noite em que Macalé, depressivo, decidiu que ia morrer. Enfim, com o auxílio de vídeos feitos em Super 8 e de trechos da entrevista retrospectiva concedida pelo artista a Jaguar em talk-show no Rio de Janeiro (RJ), Um Morcego na Porta Principal traça perfil simpático de Macalé sem mergulhar fundo na alma da figura que aborda com justa generosidade. Talvez justamente por não tentar explicar a personagem é que o documentário resulte tão bacana...

4 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Logo na primeira cena de Um Morcego na Porta Principal, Jards Macalé ameaça processar Marco Abujamra e João Pimentel, diretores do documentário que retrata uma das personagens mais estranhas da música brasileira. "Tenho medo que vocês destruam tudo o que construí", confessou Macalé diante das câmeras. Pois o parceiro de Waly Salomão (1943 - 2003) em Vapor Barato não tem o que temer. Em exibição no Festival do Rio 2008, o filme de Abujamra e Pimentel joga luz sobre a figura de Macalé sem desconstruir a imagem excêntrica arquitetada pelo próprio compositor. Ao contrário, Morcego... se alimenta das histórias colecionadas por Macalé para construir narrativa saborosa que prende a atenção do espectador em 71 minutos. Veja sem medo...

O humor permeia o roteiro, assinado pelos diretores. Somente o causo contado por Dori Caymmi já vale o ingresso: indignado pelo fato de Dori ter acrescentado um acorde na sua música Tarde Demais, Macalé abordou o colega num lotação e se fez passar por seu amante, inconformado por Dori o estar traindo com a "safada daquela mulher". Armado o barraco, Macalé desceu do ônibus e Dori seguiu viagem, constrangido diante da cena de vingança. Dez!

Entre cenas hilárias, o filme deixa de lado a verve do artista para ressaltar suas qualidades musicais. "O violão de Macalé é um dos que traduziu melhor os sons da Bossa Nova e do samba carioca", avaliza Gilberto Gil, ele próprio dono de suingue todo próprio ao violão. A militância política de Macao também é naturalmente enfocada. Num raro momento em que a narrativa escapa do tom convencional (incondizente com o espírito da obra de Macalé), o filme lança mão da sobreposição de vozes dos entrevistados (Capinam e Nelson Motta, entre outros) para recordar a vaia monumental tomada por Macalé ao defender Gothan City no Festival Internacional da Canção de 1969. Foi quando ele pronunciou a célebre frase metafórica a que o filme se refere no bom título - "Há um morcego na porta principal" - para aludir à mordaça do regime militar que apertava o cinto naquele ano de chumbo. Em 1973, ao encenar o espetáculo O Banquete dos Mendigos no Museu de Arte Moderna (RJ), com adesão de nomes como Chico Buarque e Paulinho da Viola, Macalé atiçaria ainda mais a ira dos homi. "Acabamos no zero, mas, como ato político, foi fundamental", contabiliza Macalé em depoimento para o documentário, ressaltando que a intenção inicial do espetáculo - angariar fundos para ele próprio, então às voltas com dificuldades de trabalho - acabou se perdendo diante da proporção política tomada pelo evento, que reuniu uma multidão em torno do MAM.

A fama de maldito no mercado fonográfico - rótulo criado pela imprensa e alimentado por atitudes do próprio Macalé, que chegou a dizer publicamente que todos os diretores de gravadoras eram "atravessadores" - também rende alguns óbvios takes. "Maldito é a mãe", esbraveja Macalé, cujo comportamento transgressor já começa na infância. É hilária a cena em que ele contabiliza os colégios de que foi expulso, para desespero de sua mãe, Dona Lygia, entrevistada no filme em sua casa em Penedo (RJ). Mas a coisa fica séria quando Abel Silva recorda a noite em que Macalé, depressivo, decidiu que ia morrer. Enfim, com o auxílio de vídeos feitos em Super 8 e de trechos da entrevista retrospectiva concedida pelo artista a Jaguar em talk-show no Rio de Janeiro (RJ), Um Morcego na Porta Principal traça perfil simpático de Macalé sem mergulhar fundo na alma da figura que aborda com justa generosidade. Talvez justamente por não tentar explicar a personagem é que o documentário resulte tão bacana...

4 de outubro de 2008 às 09:56  
Anonymous Anônimo said...

Mauro,
Pessoalmente não tenho certeza, mas foi mesmo em 69 que Macalé defendeu Ghotan city? Eu achava, não sei porque, que era em 1975.
Fiquei com vontade de ver o filme. Li uma entrevista dele tempos atràs e achei muito divertida. Bem, musicalmente ja sabemos que ele é o demais.
Viva Macalé.A propòsito não tem explicação não terem saido ainda em cd os primeiros Cds do Home com uma qualidade de audio compativel com sua qualidade de mùsico.
Humberto

4 de outubro de 2008 às 09:58  
Anonymous Anônimo said...

quem sabe agora com o filme alguém se disponha a editar em cd o famoso lp o banquete dos mendigos, é uma obra que não deveria estar esquecida

4 de outubro de 2008 às 16:25  
Anonymous Anônimo said...

Concordo plenamente, acho o Jards uma figura extraordinária, tem umas músicas ótimas. infelizmente minha geração não tem acesso á sua obra...Se não fosse a biscoito fino onde estaria o 'morcego'?!

10 de outubro de 2008 às 00:14  

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