Resenha de CD e DVDTítulo: Beth Carvalho Canta oSamba da Bahia ao VivoArtista: Beth CarvalhoGravadora: Andança / EMI MusicCotação: * * * *Referência de boa qualidade no samba carioca, Beth Carvalho pegou a ponte aérea em 1993 para gravar a produção dos bambas de São Paulo. Editado pela Velas, o disco
Beth Carvalho Canta o Samba de São Paulo sepultou a frase infeliz de Vinicius de Moraes de que Sampa era o túmulo do samba. Treze anos depois, em agosto de 2006, a artista saiu novamente de seu quintal e foi à Bahia - em tese, o berço do samba - para gravar a produção de compositores baianos em dois shows restrito a convidados. Lançados neste início de novembro, o CD e o DVD
Beth Carvalho Canta o Samba da Bahia ao Vivo renovam o repertório da artista, que vinha degastando sua discografia nos últimos anos com redundantes registros de shows.
Para cantar com ela a maioria das 34 músicas, dispostas no DVD em 30 faixas (o CD reúne 22 músicas em 18 faixas), a intérprete arregimentou estelar time de convidados que abrange cantores (Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Margareth Menezes, Danilo Caymmi, Carlinhos Brown), bons compositores de atuação normalmente confinada aos bastidores (Roberto Mendes, Edil Pacheco, Riachão, Nelson Rufino, Walter Queiroz) e o baticum do Olodum, que dá suingue peculiar a dois sucessos mais contemporâneos,
Verdade e
Samba pras Moças, popularizados no toque informal de Zeca Pagodinho.
A direção do vídeo - a cargo de Lula Buarque de Holanda - nunca justifica a grife
hype da Conspiração Filmes. A única contribuição menos trivial do diretor foi entremear os números com imagens em sépia da velha Bahia. Imagens à parte, Beth seduz ao cantar o samba da Bahia. Não tanto quando reverencia Dorival Caymmi (
O Samba da Minha Terra,
João Valentão e
Maracangalha), mas - sobretudo - quando ela recebe emblemáticas cantoras da terra do compositor de
Oração de Mãe Menininha, que encerra o show no clima religioso que, afinal, permeia boa parte do samba da Bahia. Daniela Mercury mostra ótima divisão em
Chiclete com Banana (Gordurinha e Almira Castilho, 1959). Dona de iluminada presença cênica, Ivete Sangalo exibe bom samba no pé e o habitual carisma, dividindo
Brasil Pandeiro (Assis Valente, 1941) com a anfitriã. Já Margareth Menezes não exibe toda sua força em
Dindinha Lua e em
Filho da Bahia. Neste samba, Beth jamais consegue reeditar a levada contagiante da gravação que projetou nacionalmente Fafá de Belém em 1975. Na seara de Fafá, Beth se sai melhor em
Siriê, revivida com o autor Edil Pacheco. Por sua vez, Mariene de Castro se revela graciosa em
Raiz, sublime parceria de Roberto Mendes com Jota Velloso que Gal Costa lançou em 1992 e que a própria Mariene já regravara em seu belo primeiro CD,
Abre Caminho.
Nem tudo é
samba da Bahia. A inclusão de
Desde que o Samba É Samba se justifica somente pela autoria ilustre de Caetano Veloso - a despeito de toda a beleza do samba e da presença de Caetano, que une vozes com a anfitriã e com a
mana Maria Bethânia - esta com a habitual imponência - em
De Manhã, samba de Caetano que Bethânia gravou em 1965. É um número de alto valor histórico. Mas Beth acerta sobretudo quando evoca as tradições do samba de roda ao lado de Gilberto Gil, das baianas do Gantois e do Grupo Nicinha de Samba de Roda. A animada turma revive nove temas tradicionais do gênero que é a grande matriz do samba da Bahia. Com desenvoltura, Gil também participa de
Mancada, o samba de seu primeiro álbum (
Louvação, 1967) que Beth revive numa das melhores surpresas do repertório - a rigor, muito mais calcado em sucessos do que em temas que definem o caráter do samba baiano.
A presença de compositores clássicos como Riachão - elétrico em
Cada Macaco no seu Galho e em
Vá Morar com o Diabo - legitima a incursão de Beth Carvalho pelo samba baiano. Fica claro no DVD que as estrelas da terra recebem a artista carioca com verdadeira hospitalidade. A admiração genuína pela obra de Beth transparece nos depoimentos do
making of. Já o documentário
Quero Ver as Cadeiras Bulir careceu de roteiro mais bem amarrado. Há cenas e depoimentos que procuram explicar a gênese (e as tradições) do samba de roda, mas fica a sensação de que o material colhido não foi aproveitado da melhor maneira possível. Talvez tenha faltado uma narração que costurasse os depoimentos. Ou um fio condutor que tivesse ordenado as cenas de forma mais clara. Ainda assim, o filme valoriza a pisada firme de Beth Carvalho no terreiro baiano.