30 de dezembro de 2006

Retrô 2006 - Caetano voltou mais jovial em 'Cê'

Caetano Veloso esquentou o mercado fonográfico em 2006 com CD que gerou devoção e repúdio na mesma proporção. Editado em setembro, com tiragem inicial de 50 mil cópias, se tornou um dos discos mais discutidos do compositor (na foto de Javier Scian com o trio que toca no álbum). Por conta dos flertes com o rock indie e das inflamadas letras de calor sexual, caiu logo nas graças do público jovem sem seduzir os fãs tradicionais do velho baiano. O fato é que, aos 64 anos, Caetano surpreendeu ao buscar juventude e modernidade. E decepcionou muito como melodista.

Houve tempo em que Caetano, um eterno visionário tropicalista, compunha grandes canções. E era sempre moderno. Mas o tempo da profícua inspiração melódica já pareceu ter passado... Em seu 40º disco, o compositor soou moderno, mas driblou a escassez de boas melodias com a estranheza sadia dos arranjos. No álbum , Caetano se valeu da inventividade instrumental - que deu ao disco aura de jovialidade - para desviar o foco da melodia das canções. O repertório foi formado por 12 inéditas de safra recente, a grande maioria aquém da grife de um compositor que, em quatro décadas de carreira fonográfica, numerosas vezes até atingiu a genialidade.

Claro que houve boas músicas em . Minhas Lágrimas, balada de tonalidade ibérica, foi a melhor delas. Ao misturar influências de Lou Reed e Peninha, Não me Arrependo - de versos confessionais dirigidos pelo compositor à ex-mulher, Paula Lavigne - se impôs pela beleza melódica e se aproximou da estrutura mais clássica da canção, tendo sido, não por acaso, escolhida para promover o CD nas rádios. Rocks também se destacou pelo tom irado dos versos.

No todo, o disco ofereceu experimentalismos executados por músicos antenados com a cena indie. Com a formação clássica do rock, o trio que tocou no CD - o guitarrista Pedro Sá (co-produtor do CD ao lado de Moreno Veloso), o baterista Marcelo Callado e o baixista Ricardo Dias Gomes - deu a Caetano base segura para os altos vôos instrumentais. Mas a qualidade irregular do repertório pesou sempre numa balança em que, do outro lado, havia a obra de Caetano nos anos 70 e 80. Em Velô, álbum de 1984, Caetano já flertava com o rock de maneira mais cínica e inspirada do que fez em em faixas como Outro (mais um recado a Paula Lavigne: "Você nem vai me conhecer / Quando eu passar por você / De cara alegre e cruel"). Da mesma forma, a incursão pelo rap - na épica O Herói, o toque sócio-político do CD - soou pálida na comparação com Haiti, a obra-prima de 1993 lançada no disco Tropicália 2.

Pautado por distorções, microfonias e (propositais) estranhezas (como Waly Salomão, tributo ao escritor morto em 2003 que se arrastou em clima psicodélico que não honra a poética afiada dos versos), foi um disco de alto teor erótico, destilado na letra do samba torto Musa Híbrida, na descrição pormenorizada da Deusa Urbana que intitula razoável balada e - sobretudo - em Homem (apologia ao macho feita sem a pretendida verve de Rita Lee) e em Porquê?, o tema de sotaque lusitano em que Caetano se limitou a repetir, em três únicos versos, termos usados pelos portugueses para designar seu orgasmo. Foi um CD indie até demais da conta...

Completaram o repertório a concretista Um Sonho - em que a boa referência foi o poeta Augusto dos Anjos - e Odeio, quase paródia do baticum eletrônico que invadiu as pistas nos últimos anos. Na teoria, pareceu ótimo. Na prática, decepcionou porque nem sempre houve inspiração melódica condizente com a vivacidade dos arranjos. Na salutar busca da modernidade, Caetano contou apenas com duas ou três grandes canções. Mas sai de 2006 com (justo) lugar de honra na discografia multifacetada do artista.

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Queira o Mauro ou não, Cê é demais e fez Caetano renovar seu público.

30 de dezembro de 2006 às 13:41  
Anonymous Anônimo said...

Mas Mauro, pelamordedeus, quando é que você vai dar o braço a tor"Cê"r? Pegue algum grande clássico do Caê e me mostre onde está a complexidade musical! Esse seu repúdio ao disco parece ingênuo por uma série de motivos... primeiro de tudo, porque desconsidera o fato de que Caetano nunca se destacou como um grande musicista, diferente de seus companheiros de geração (Milton, Edu, Guinga e até o Chico dos últimos anos).

Segundo porque leva a crer que ele vinha compondo grandes canções e desistiu de tudo pra se tornar indie e soar moderno. Mas o que significa Jacques Morelenbaum na carreira do baiano senão um arranjador capaz de vestir de pompa melodias simples? O ótimo "Livro" (adorado pela crítica internacional) é um belo exemplo disso... melodias fáceis, arranjos elaborados, letras inteligentes e interpretações únicas. É isso o que Caetano - quase - sempre ofereceu, e muito bem. Reduzir "Cê" a um desacerto jovial é uma atitude um pouco careta... canções como "Odeio", "Deusa Urbana", "Um sonho" figuram muito bem entre as grandes composições de Caetano e transbordam vivacidade por trazerem em sua sonoridade os lampejos do rock e da ira que têm interessado à antena-Caetano.

Quem sabe, se estivessem formatadas no velho esquema de orquestração mpbística com que Morelenbaum vinha amofinando o som do Caetano, elas agradassem ao numeroso público de senhoras que quer ouvir belos sucessos e ir dormir em paz. Caetano lançou um desafio, e nele estão contidos os melhores ingredientes de sua longa trajetória. Esse é o meu modesto ponto de vista (e de mais algumas pessoas que vêm lotando os shows e cantando junto ao velho mestre)

Abraços e um 2007 luminoso pra você!

30 de dezembro de 2006 às 16:41  
Anonymous Anônimo said...

cê fez o publico de caetano esquentar, e o show mais ainda...

gal tb precisou de Profana e Bem Bom pra esquentar...
Bethania precisou de As canções que voce fez pra mim...
Gil precisou de Kaya...
marisa de memórias,...


enfim....

30 de dezembro de 2006 às 23:33  
Anonymous Anônimo said...

Cê não é um disco fácil de ouvir. Pelo menos prá mim.
Mas não posso deixar de concordar com o que escreveu o Paulo.Penso mais ou menos assim.
Caetano demostrou coragem e vontade de arriscar.
Humberto

1 de janeiro de 2007 às 17:55  
Anonymous Anônimo said...

Voces não estam interpretando bem as palavras do Mauro e eu concordo com ele.Ser criativo e inovador não necessariamente esta inerente auma mudança radical de estilo ou ritmo musical.Verter essa obra do Caetano para qualquer estlo musical continuará da mesma forma bastante mediana para padrões já alcançados pelo grande Caetano,isso como exemplo.

2 de janeiro de 2007 às 10:43  

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