Soraya evoca mais Dolores no bis com Ithamara
Título: Dolores Duran, Bis
Artistas: Soraya Ravenle e Ithamara Koorax
Local: Teatro Sesc Ginástico (RJ)
Data: 25 de novembro de 2009
Fotos: Mauro Ferreira
Cotação: * * * 1/2
Em cartaz no Sesc Quitandinha, em Petrópolis (RJ), em
11 e 12 de dezembro de 2009 - Ingressos de R$ 5 a R$ 20
Em 1999, a (boa) atriz e cantora Soraya Ravenle ganhou merecida projeção no meio teatral ao encarnar Dolores Duran (1930 - 1959) no musical Dolores. Dez anos depois, a artista volta a abordar o repertório da compositora de A Noite do meu Bem - 50 anos depois da morte de Dolores, ocorrida em 24 de outubro de 1959 - em um show dividido com sua irmã também cantora, Ithamara Koorax. Bem, as vozes de Soraya e Ithamara não são irmãs... Soraya canta num registro mais leve, condizente com a delicadeza da obra de Dolores. Ithamara tende para o grave e, não raro, carrega nas tintas. Mas, juntas, essas vozes resultam harmoniosas já no primeiro dos cinco duetos do show Dolores Duran, Bis - justamente a obra-prima A Noite do meu Bem - numa interação que também alcança bons momentos em Castigo e em Fim de Caso, canções também entoadas em dueto. Contudo, no decorrer do show dirigido pela atriz Stella Miranda, os blocos individuais das cantoras sinalizam o desnível de intenções entre as irmãs, com saldo favorável para Soraya, hábil tanto nas canções como nos temas nordestinos e nos sambas. Já Ithamara escorrega no terreno do exibicionismo vocal. Sua interpretação de Cry me a River (Arthur Hamilton) é um show de notas jogadas fora. Notas que, embora altas, põem o show para baixo. Dolores pede leveza...
Em cena, as cantoras fazem algumas gracinhas e leem textos um tanto formais que montam ralo perfil biográfico de Dolores. Por ser atriz, Soraya parece mais à vontade com os textos e com os causos que conta em seu set individual, no qual enfatiza o ecletismo de Dolores como intérprete. O bloco inicia com o xote Na Asa do Vento, parceria de João do Vale (1934 - 1996) com Luiz Vieira, gravada por Dolores em 1956. Na sequência, Estrada da Saudade (Luiz Vieira e Max Cold) mantém a cantora no caminho nordestino, do qual Soraya sai em seguida para transitar por samba (A Banca do Distinto, de Billy Blanco), samba-canção (Bom É Querer Bem, Fernando Lobo) e até música italiana, Nel Blu Dipinto Di Blu, o hit mundial de Domenico Modugno (1928 - 1994) que é mais conhecido como Volare. É número em que Soraya arrisca tons mais expansivos, incentivando a participação do público que lotou o teatro Sesc Ginástico, no Rio de Janeiro (RJ), na noite desta quarta-feira, 25 de novembro de 2009. Volare vem depois de número de maior voltagem emocional, Canção da Volta (Ismael Neto e Antônio Maria), entremeada com versos de Menino Grande, da lavra de Antônio Maria (1921 - 1964). Soraya realça a irmandade das obras de Maria e Dolores - parentesco já esmiuçado pelo dramaturgo Paulo Pontes (1940 - 1996) no musical Brasileiro: Profissão Esperança. No fim de seu bloco, a atriz-cantora ainda esboça um registro aveludado para My Funny Valentine (Richard Rodgers e Lorenz Hart), mostrando ser uma intérprete tão eclética quanto Dolores. Que, ao longo dos anos 50, gravou todas estas músicas cantadas por Soraya Ravenle.
Enquanto Soraya encerra My Funny Valentine, Ithamara volta à cena para poder emendar o número com sua interpretação exibicionista de Cry me a River. Nessa volta, já deu para perceber que o bloco de Ithamara sairia do tom e do espírito da própria Dolores, cuja imagem real é evocada em cena na forma de fotos projetadas na tela posicionada ao fundo do palco. Na sequência, Ithamara revive um samba menos inspirado do repertório da homenageada, Tome Continha de Você (Dolores Duran e Edson Borges), em ritmo veloz e num link com a Bossa Nova que culmina com citação de Desafinado (Tom Jobim e Newton Mendonça). Mas é em Ternura Antiga (Dolores e J. Ribamar) que Ithamara começa a encontrar a empatia popular, alcançada plenamente em Noite de Paz e, em menor grau, em O Negócio É Amar, a parceria póstuma de Dolores com Carlos Lyra que Ithamara entoa com certa leveza. Ainda que tenda quase sempre a sublinhar em demasia o tom emotivo das letras, a cantora reafirma o poder de sua voz nas passagens a capella de Solidão. Pena que nem sempre ponha tal artilharia vocal em favor do repertório e do próprio prazer do público, que - no caso de Dolores Duran, Bis - não parece interessado em malabarismos vocais. Floreios, aliás, dispensáveis quando se trata da obra de Dolores Duran. Tanto que o show volta a encantar no encerramento, quando Ithamara - então já com Soraya de volta ao palco - une forças e vozes com a irmã para cantar as duas parcerias de Dolores com Tom Jobim (1927 - 1994). Por Causa de Você é defendida em registro que combina a letra em português e os versos em inglês escritos por Ray Gilbert e, no roteiro, a cargo de Ithamara. Uma iluminada Estrada do Sol fecha o show. Aliás, quase, pois o bis reserva surpresa: a entrada em cena da única filha de Dolores, Fernanda Duran, que se junta às irmãs para entoar A Noite do meu Bem. Sem vocação para o canto, Fernanda tem justificada sua afetiva presença no show somente pelo parentesco com a compositora que, embora morta precocemente, aos 29 anos, deixou obra antológica que resiste esplendidamente ao tempo, mas requer vozes sensíveis, como ela.
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Em 1999, a (boa) atriz e cantora Soraya Ravenle ganhou merecida projeção no meio teatral ao encarnar Dolores Duran (1930 - 1959) no musical Dolores. Dez anos depois, a artista volta a abordar o repertório da compositora de A Noite do meu Bem - 50 anos depois da morte de Dolores, ocorrida em 24 de outubro de 1959 - em um show dividido com sua irmã também cantora, Ithamara Koorax. Bem, as vozes de Soraya e Ithamara não são irmãs... Soraya canta num registro mais leve, condizente com a delicadeza da obra de Dolores. Ithamara tende para o grave e, não raro, carrega nas tintas. Mas, juntas, essas vozes resultam harmoniosas já no primeiro dos cinco duetos do show Dolores Duran, Bis - justamente a obra-prima A Noite do meu Bem - numa interação que também alcança bons momentos em Castigo e em Fim de Caso, canções também entoadas em dueto. Contudo, no decorrer do show dirigido pela atriz Stella Miranda, os blocos individuais das cantoras sinalizam o desnível de intenções entre as irmãs, com saldo favorável para Soraya, hábil tanto nas canções como nos temas nordestinos e nos sambas. Já Ithamara escorrega no terreno do exibicionismo vocal. Sua interpretação de Cry me a River (Arthur Hamilton) é um show de notas jogadas fora. Notas que, embora altas, põem o show para baixo. Dolores pede leveza...
Em cena, as cantoras fazem algumas gracinhas e leem textos um tanto formais que montam ralo perfil biográfico de Dolores. Por ser atriz, Soraya parece mais à vontade com os textos e com os causos que conta em seu set individual, no qual enfatiza o ecletismo de Dolores como intérprete. O bloco inicia com o xote Na Asa do Vento, parceria de João do Vale (1934 - 1996) com Luiz Vieira, gravada por Dolores em 1956. Na sequência, Estrada da Saudade (Luiz Vieira e Max Cold) mantém a cantora no caminho nordestino, do qual Soraya sai em seguida para transitar por samba (A Banca do Distinto, de Billy Blanco), samba-canção (Bom É Querer Bem, Fernando Lobo) e até música italiana, Nel Blu Dipinto Di Blu, o hit mundial de Domenico Modugno (1928 - 1994) que é mais conhecido como Volare. É número em que Soraya arrisca tons mais expansivos, incentivando a participação do público que lotou o teatro Sesc Ginástico, no Rio de Janeiro (RJ), na noite desta quarta-feira, 24 de novembro de 2009. Volare vem depois de número de maior voltagem emocional, Canção da Volta (Ismael Neto e Antônio Maria), entremeada com versos de Menino Grande, da lavra de Antônio Maria (1921 - 1964). Soraya realça a irmandade das obras de Maria e Dolores - parentesco já esmiuçado pelo dramaturgo Paulo Pontes (1940 - 1996) no musical Brasileiro: Profissão Esperança. No fim de seu bloco, a atriz-cantora ainda esboça um registro aveludado para My Funny Valentine (Richard Rodgers e Lorenz Hart), mostrando ser uma intérprete tão eclética quanto Dolores. Que, ao longo dos anos 50, gravou todas estas músicas cantadas por Soraya Ravenle.
Enquanto Soraya encerra My Funny Valentine, Ithamara volta à cena para poder emendar o número com sua interpretação exibicionista de Cry me a River. Nessa volta, já deu para perceber que o bloco de Ithamara sairia do tom e do espírito da própria Dolores, cuja imagem real é evocada em cena na forma de fotos projetadas na tela posicionada ao fundo do palco. Na sequência, Ithamara revive um samba menos inspirado do repertório da homenageada, Tome Continha de Você (Dolores Duran e Edson Borges), em ritmo veloz e num link com a Bossa Nova que culmina com citação de Desafinado (Tom Jobim e Newton Mendonça). Mas é em Ternura Antiga (Dolores e J. Ribamar) que Ithamara começa a encontrar a empatia popular, alcançada plenamente em Noite de Paz e, em menor grau, em O Negócio É Amar, a parceria póstuma de Dolores com Carlos Lyra que Ithamara entoa com certa leveza. Ainda que tenda quase sempre a sublinhar em demasia o tom emotivo das letras, a cantora reafirma o poder de sua voz nas passagens a capella de Solidão. Pena que nem sempre ponha tal artilharia vocal em favor do repertório e do próprio prazer do público, que - no caso de Dolores Duran, Bis - não parece interessado em malabarismos vocais. Floreios, aliás, dispensáveis quando se trata da obra de Dolores Duran. Tanto que o show volta a encantar no encerramento, quando Ithamara - então já com Soraya de volta ao palco - une forças e vozes com a irmã para cantar as duas parcerias de Dolores com Tom Jobim (1927 - 1994). Por Causa de Você é defendida em registro que combina a letra em português e os versos em inglês escritos por Ray Gilbert e, no roteiro, a cargo de Ithamara. Uma iluminada Estrada do Sol fecha o show. Aliás, quase, pois o bis reserva surpresa: a entrada em cena da única filha de Dolores, Fernanda Duran, que se junta às irmãs para entoar A Noite do meu Bem. Sem vocação para o canto, Fernanda tem justificada sua afetiva presença no show somente pelo parentesco com a compositora que, embora morta precocemente, aos 29 anos, deixou obra antológica que resiste esplendidamente ao tempo, mas requer vozes sensíveis como ela.
De fato tens razão Mauro. A clássica Cry me a River foi composta para a grande Julie London, musa inspiradora da Bossa Nova que, longe do virtuosismo vocal, sabia explorar como ninguém suas interpretações a partir do que permitia sua voz rouca e sensual. Mesmo Ella Fitzgerald, rainha dos malabarismos vocais, quando toma essa canção, a aborda de forma sutil evitando qualquer exibicionismo. Deslize de Ithamara que esqueceu as lições de suas, sem dúvidas, fontes de inspiração.
Ithamara é uma grande cantora com uma grande voz, mas sempre erra quando tem que cantar o que não é jazz. Grita demais e faz muitos floreios desnecessários. Ela tinha que estudar maneiras mais suaves de cantar e colocar sua linda voz nas canções sem agredi-las.
Analisando friamente as muitas cantoras que surgem nos tempos atuais, sem expressão, sem técnica, sem carisma,sem nada.... serão as Itamaras Koorax de amanhã.
Nada contra a Itamara, ela de fato canta super bem, mas não teve o devido reconhecimento, o que dirá as outras?
Como é boa essa valorização cada vez maior da Dolores cantora. A compositora é definitiva, a gente sabe. Mas ficava sempre faltando dar crédito à Dolores intérprete de canções alheias, dos sambas e dos baiões.
Adiléa, a gente gosta à beça de você.
Ithamara tem seu valor e acho que no jazz encontrou seu caminho e o trilha muito bem. Seus trabalhos iniciais são irregulares - em termos de repertório e de interpretação, a exemplo de Rio Vermelho (em que ela interpreta Cry Me a River e Ternura Antiga) e o Ithamara Ao Vivo (em que ela interpreta "As Vitrines", "Basta um Dia" e "A Carrocinha Pegou"!). Por outro lado, ela é muito talentosa, apesar das derrapadas. Acho que é uma intérprete que veio para ficar.
Não perceber o que a canção pede é um erro comum entre os intérpretes. Quando isso ocorre, sobra ao intérprete mostrar a si ao invés de mostrar a canção, se exibir acima dela. Eu acho que Ithamara não consegue ter esse discernimento, porque ela faz isso há muito tempo.
Esse show na versão Soraya Ravenle/Leny Andrade ficou super bom.
Excelente crítica, Mauro. Adoro a Soraya e fiquei com vontade de ver!!
Eu acho que Ithamara não consegue ter esse discernimento, porque ela faz isso há muito tempo.(2) Penso exatamente igual. Acho q Ithamara por saber que tem grande e potente voz pode fazer o que quiser com ela com qq canção e não é o caso. Tem muitas canções que esses exageros não cabem. As canções de Dolores, assim como as de Maysa, Fátima Guedes, Lupicínio Rodrigues e tantos outros são para serem cantadas de formas calmas, ternas, com sentimento e não com shows vocais!!!
Eu parei de ir aos shows da Ithamara. Saio com dor de cabeça de tanto que ela faz daqueles floreios vocais um show à parte, no mau sentido. É o maior exemplo de grande voz desperdiçada.
Ithamara Koorax é uma grande cantora, respeitada por grandes músicos de jazz. Tem seu valor, seus floreios vocais são pra quem entende de música.
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