Cartola 100 Anos - A sublime intuição de gênio
Cartola (1908 - 1980) completaria 100 anos neste sábado, 11 de outubro de 2008. Se vivo fosse, o compositor de As Rosas Não Falam e O Mundo É um Moinho certamente estaria gratificado por ver sua obra irretocável sendo saudada em discos, shows e nas reportagens que pipocam a toda hora na mídia. "Longa é a Arte, tão breve a vida", já disse um outro gênio da música brasileira, Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994), na letra de sua Querida. A existência terrena de Cartola - visto acima na ilustração de João Pinheiro que abrilhanta a capa do CD Cartola para Todos, editado esta semana pela gravadora MCD - nem foi tão breve assim. Driblando as dificuldades de uma biografia guerreira, que o levou a sobreviver como guardador de carros em Ipanema (RJ) até ser redescoberto em 1956 por Sérgio Porto, o mestre viveu 72 anos e partiu no auge, quando o Brasil já cantava as suas músicas. Mas longa é mesmo a Arte - sobretudo quando feita com especial talento. E a obra de Cartola, burilada com perfeito acabamento poético e musical, é um desses casos cuja gênese não encontra explicação racional. Criado pobre, no Morro de Mangueira (RJ), berço da escola de samba carioca que ajudou a fundar, Cartola parece ter composto suas músicas pautado por uma genialidade intuitiva. Sem estudo ou formação musical formal, mínima que seja, o compositor lapidou sozinho jóias do alto quilate de Acontece, Autonomia e Cordas de Aço. A educação musical, se houve, foi a da vida do morro, escola dos bambas. Contudo, o refinamento da obra de Cartola nunca teve paralelos dentro do Morro de Mangueira. E, mesmo fora, são poucos os compositores brasileiros que conseguem lhe fazer frente. Talvez porque, como os melhores bluesmen dos Estados Unidos, Cartola sempre tenha trazido consigo um lamento e um talento espontâneo que o ligam à África-mãe. Elo com a matriz de todos os sons que ficou mais evidente quando em 1974, já aos 66 anos, Cartola obteve a chance - inexplicavelmente tardia - de gravar seu primeiro LP, iniciando então carreira fonográfica que seguiria regular até sua morte, em 30 de novembro 1980. Ao cantar suas músicas, Cartola mostrou algo de ancestral na voz rústica. Morreu pobre, provavelmente sem receber os devidos autorais por uma obra que começou a ser gravada em dezembro de 1929 - quando Francisco Alves (1898 - 1952) entrou no estúdio da extinta gravadora Odeon para fazer o registro de Que Infeliz Sorte para um disco de 78 rotações por minuto - e atingiu seu pico de registros nos anos 60 e 70. Tivesse sua existência tido menos senões, Cartola poderia ter saboreado o inverno de seu tempo com justa calmaria financeira. Contudo, a riqueza maior, inexorável, reside no fino acabamento de obra laureada com a longevidade destinada apenas ao que é eterno. E a música de Cartola - palmas para o mestre! - é eterna desde sempre.
10 Comments:
Cartola (1908 - 1980) completaria 100 anos neste sábado, 11 de outubro de 2008. Se vivo fosse, o compositor de As Rosas Não Falam e O Mundo É um Moinho certamente estaria gratificado por ver sua obra irretocável sendo saudada em discos, shows e nas reportagens que pipocam a toda hora na mídia. "Longa é a Arte, tão breve a vida", já disse um outro gênio da música brasileira, Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994), na letra de sua Querida. A existência terrena de Cartola - visto acima na ilustração de João Pinheiro que abrilhanta a capa do CD Cartola para Todos, editado esta semana pela gravadora MCD - nem foi tão breve assim. Driblando as dificuldades de uma biografia guerreira, que o levou a sobreviver como guardador de carros em Ipanema (RJ) até ser redescoberto em 1956 por Sérgio Porto, o mestre viveu 72 anos e partiu no auge, quando o Brasil já cantava as suas músicas. Mas longa é mesmo a Arte - sobretudo quando feita com especial talento. E a obra de Cartola, burilada com perfeito acabamento poético e musical, é um desses casos cuja gênese não encontra explicação racional. Nascido pobre, no Morro de Mangueira (RJ), berço da escola de samba carioca que ajudou a fundar, Cartola parece ter composto suas músicas pautado por uma genialidade intuitiva. Sem estudo ou formação musical formal, mínima que seja, o compositor lapidou sozinho jóias do alto quilate de Acontece, Autonomia e Cordas de Aço. A educação musical, se houve, foi a da vida do morro, berço dos bambas. Contudo, o refinamento da obra de Cartola nunca entrou paralelos dentro do Morro de Mangueira. E, mesmo fora, são poucos os compositores brasileiros que conseguem lhe fazer frente. Talvez porque, como os melhores bluesmen dos Estados Unidos, Cartola sempre tenha trazido consigo um lamento e um talento espontâneo que o ligam à África-mãe. Elo com a matriz de todos os sons que ficou mais evidente quando em 1974, já aos 66 anos, Cartola obteve a chance - inexplicavelmente tardia - de gravar seu primeiro LP, iniciando então carreira fonográfica que seguiria regular até sua morte, em 30 de novembro 1980. Ao cantar suas músicas, Cartola mostrou algo de ancestral na voz rústica. Morreu pobre, provavelmente sem receber os devidos autorais por uma obra que começou a ser gravada em dezembro de 1929 - quando Francisco Alves (1898 - 1952) entrou no estúdio da extinta gravadora Odeon para registrar Que Infeliz Sorte para um disco de 78 rotações por minuto - e atingiu seu pico de registros nos anos 60 e 70. Tivesse sua existência tido menos senões, Cartola poderia ter saboreado o inverno de seu tempo com justa calmaria financeira. Contudo, a riqueza maior, inexorável, reside no fino acabamento de obra laureada com a longevidade destinada apenas ao que é eterno. E a música de Cartola - palmas para o mestre - é eterna desde sempre.
Até que enfim um texto inspirado! Parabéns ao crítico! Mandou muito bem apesar de que ainda não quero muito papo com Vossa Senhoria!
Sem abraço,
Marcelo Barbosa - Brasília (DF)
PS: Poderia nos informar se os shows que estão acontecendo serão transformados ao menos em dvd! Muito obrigado.
Bela e oportuna resenha, Mauro. Há um erro de digitação: a obra de Cartola nunca "encontrou" paralelos.
Mauro falou tudo: Cartola conseguiu fazer obras que doem no peito de tanto lamento, sem ser lamurioso em exagero. A elegância de "As Rosas não Falam" encontra poucos pares na mepebê. Se é que encontra.
Agora, quando fazia coisas mais sorridentes, também era brilhante. "Ciência e Arte", gravada por Gilberto Gil em "Quanta", é um samba-enredo de truz.
Enfim, é gênio.
"Minha vida foi que nem um filme de mocinho. Acabei vencendo no final", ele disse. De goleada, eu acrescento.
Felipe dos Santos Souza
só uma correção Mauro: Cartola nasceu no bairro do Catete e só foi para o Morro da Mangueira aos 11 anos.
parabéns pelo belo texto!
mauro,
acrescentando ao comentário das 10:46PM: o texto impresso com os comentários não foi corrigido. o mesmo aconteceu no post do "samba meu" da MR.
parabéns pelo belo e emocionante texto. CARTOLA (todo maiúsculo) é gênio. à propósito, outro gênio, noel, faria 100 anos em 2010.
PS: o show do canecão - 2ª feira, tinha que virar DVD.
Mas o que é esse Cd Cartola para todos? Você citou mas não deu a informação.
Cordas de Aço com Gal Costa é a melhor gravação de uma música do Cartola. Em seguida vem Leny Andrade com O Mundo é um Moinho. Magistrais.
Que belo texto. E que bela ilustração.
Como disse Hermínio Bello de Carvalho: "Cartola não existiu! Foi um sonho que a gente teve!"
Um gênio. Algo que dificilmente acontecerá de novo na cultura brasileira.
Quanto às gravações, queria destacar também Olivia Byington cantando "Acontece" acompanhada ao piano pelo João Carlos Assis Brasil. E Ney Matogrosso cantando "A Sorrir". Emocionantes.
Quem quiser dar uma conferida na bela homenagem que o grupo curitibano O Tao do Trio fez ao Cartola, www.myspace.com/otaodotrio
abração a todos,
Denilson
Que belo texto. E que bela ilustração [2]
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