11 de maio de 2008

Grande CD noturno da grande cantora da noite

Resenha de CD
Título: Até Sangrar
Artista: Áurea Martins
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * * * 1/2

Diplomada na escola da noite carioca, Áurea Martins não teve a carreira e a projeção que merecia. É e sempre foi uma das grandes cantoras nacionais. Foi revelada em 1969 ao vencer a quarta edição do programa de calouros A Grande Chance, comandado pelo polêmico apresentador Flávio Cavalcanti (1923 - 1986), mas acabou circunscrita já nos anos 70 ao círculo dos bares, boates e bailes da vida noturna carioca. Nesta altura da vida da intérprete, o lançamento de seu terceiro álbum não vai corrigir a injustiça sofrida pela artista no mercado fonográfico. Até Sangrar vem se somar a uma espaçada discografia que inclui somente um LP gravado em 1972 com arranjos de Luiz Eça (1936 -1992) e um CD de limitada repercussão editado de forma independente em 2003 - ambos fora de catálogo (o LP nunca foi editado em CD). Contudo, Até Sangrar - álbum concebido por Hermínio Bello de Carvalho e pelo pianista Zé-Maria Rocha - atesta para a posteridade a excelência do canto de Áurea Martins. Grandes arranjadores - Terra Trio, Francis Hime, João de Aquino, João Donato, Cristóvão Bastos e o citado Zé-Maria Rocha - armam a cama para Áurea deitar e rolar na interpretação de repertório de tom amargurado.
O disco tem atmosfera noturna, densa, esfumaçada. É como se Áurea estivesse cantando para seus fiéis ouvintes no escuro de uma boate. E com que maestria ela desfia dores de amores platônicos (Ilusão à Toa, unida por afinidade sentimental a Pensando em ti), amores maltratados (Nada por mim, a parceria de Paula Toller com Herbet Vianna que é a única música de universo mais contemporâneo, unida por afinidade temática a Baralho da Vida, jóia obscura de Ulisses de Oliveira), amores torturados por sentimentos de vingança (Há um Deus, Até o Amargo Fim, Ocultei) e amores eventualmente esperançosos (Sem Mais Adeus, com Áurea acompanhada apenas pelo piano tocado e arranjado por Francis Hime, que ainda volta como cantor em Embarcação, tema que encerra o disco). Em essência, Áurea Martins passeia majestosa pelo universo dolorido do samba-canção. Até Sangrar é daqueles discos em que os intérpretes parecem cantar com um punhal cravado no peito. Não por acaso, Lupicínio Rodrigues (1914 - 1974) é o autor que predomina em repertório que também inclui Herivelto Martins (1912 - 1992), aliás outro compositor mestre nas dores de amores.
Dentro deste universo sofrido, em que até mesmo a música de João Donato (piano, vocal e arranjo em Até Quem Sabe) adquire aura mais densa, Áurea divide o microfone com colegas que - como ela -também encararam a noite carioca do Rio de Janeiro na primeira metade dos anos 70. Emílio Santiago pôs sua voz aveludada em Valsa Dueto, parceria pouco conhecida de Carlos Lyra com Vinicius de Moraes (1913 - 1980). Em grande momento, Alcione desfia com a colega os meandros folhetinescos da Vida de Bailarina, sucesso marcante de Ângela Maria na década de 50. No todo, apesar do ranço exageradamente passadista do repertório, Até Sangrar honra a voz de Áurea Martins pela excelência dos arranjos e produção. É o grande CD desta grande cantora da noite.

23 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Jamais tinha ouvido falar nesta senhora. Li uma crítica bem escrita, dias atrás, fiquei curiosa e pedi o CD na Biscoito Fino. Desde então não canso de escutá-lo. Quanta personalidade! e que garganta!

Concordo com vc. Outro pezinho na contemporaneidade faria bem ao canto intenso de Áurea.

maria

11 de maio de 2008 às 17:28  
Anonymous Anônimo said...

UAU! ESTE DEVE SER PARA OUVIR TOMANDO UM TINTO BEM ENCORPADO.

11 de maio de 2008 às 19:43  
Anonymous Anônimo said...

Não conheço a voz dela, mas tô com uma vontade imensa de ouvir esse CD! Só um detalhe a respeito do texto, que com certeza foi um trocar de teclas: o ano em que Vinicius de Moraes faleceu saiu 1908 (o que faz ele ter morrido antes do seu nascimento...)

11 de maio de 2008 às 22:21  
Blogger Ju Oliveira said...

o cd é realmente muito bom, mas tem que gostar de samba canção. Se não, não é pra você.

Único porém: Francis Hime cantando na última música (Embarcação) estraga a faixa. Esse cara devia se mancar. Cantar no seu próprio disco é uma coisa, agora um compositor que é um péssimo cantor ir estragar a gravação de outro artista é um pouco demais. O fato dele ser casado com a dona da gravadora que está lançando o cd só torna o negócio ainda mais feio.

Eu que estava louca por uma bela gravação recente de Embarcação, fiquei a ver navios...

12 de maio de 2008 às 00:06  
Anonymous Anônimo said...

OLHA A ALCIONE AÍ DE NOVO !

12 de maio de 2008 às 08:21  
Anonymous Anônimo said...

Realmente, Embarcação ainda precisa de um registro melhor. Além de Francis, só conhecia com a Simone que ali não deu o seu melhor.
Será que a Bethânia não se interessaria??!!É uma música tão linda...

12 de maio de 2008 às 09:16  
Anonymous Anônimo said...

Pelo menos a Alcione dessa vez foi mais seletiva. Tem participado de certos projetos um tanto quanto ruins.

12 de maio de 2008 às 10:07  
Anonymous Anônimo said...

..."não teve a carreira e a projeção que merecia".Claro, país preconceituoso ligando sempre as aparências estéticas visuais, a cor da pele, o baticum do bumbum e a submissão feminina à música, é de se esperar essas consequências

12 de maio de 2008 às 10:12  
Anonymous Anônimo said...

"Até Sangrar é daqueles discos em que os intérpretes parecem cantar com um punhal cravado no peito."

Nossa, que comparação cafona!!!

12 de maio de 2008 às 10:58  
Anonymous Anônimo said...

Deve ser bonito, mas não estou podendo com música deprê. É Bebel Gilberto (parabéns pelo aniversário hoje), Marisa Monte e Haydn. Lupicínio, só no ano que vem.

12 de maio de 2008 às 11:06  
Anonymous Anônimo said...

Quero conhecer o trabalho dela, pelo jeito vai valer muito a pena.

12 de maio de 2008 às 11:16  
Anonymous Anônimo said...

10:12,
VC TEM RAZÃO, A COR DA PELE É QUE INFLUENCIA, SÓ TEMOS CANTORAS LOIRAS NESSE PAÍS, ALCIONE, SANDRA DE SÁ, JOVELINA PÉROLA NEGRA, ELIZETH CARDOSO - O POVO RACISTA !!!

12 de maio de 2008 às 11:44  
Anonymous Anônimo said...

Luc!Acho música triste fudamental para exorcisar a tristeza.Música bela como a da Áurea tem essa capacidade.E viva o grande produtor Hermínio Bello de Carvalho!O José Milton e outros tantos deviam se espelhar bastante neste homem.

12 de maio de 2008 às 12:10  
Anonymous Anônimo said...

A julgar pelos comentários, esse cd devia ser vendido junto com kit com whisky 12 anos e charutos havana.

12 de maio de 2008 às 14:31  
Anonymous Anônimo said...

Saúdo a redescoberta de Áurea. Mas o fato é que em meio a tanta coisa insossa tomar um vinho encorpado pode até causar estranheza, mas aos poucos vai acostumando o paladar.

Em tempo "Embarcação" já recebeu uma ótima gravação, cheia de nuvens de Olivia Hime.

12 de maio de 2008 às 14:48  
Anonymous Anônimo said...

Embarcação é linda e é interpretada com grandeza por Olivia Hime no cd ÁLBUM MUSICAL,do Francis Hime, atualmente do catálogo da Biscoito Fino. O disco traz outras interpretações bem interessantes, como as de Milton Nascimento, Gal Costa e Maria Bethânia.

12 de maio de 2008 às 20:41  
Anonymous Anônimo said...

Para quem não viu e ouviu a Aurea Martins, basta ir no You tube que lá tem vídeo disponivel dela.

13 de maio de 2008 às 00:01  
Anonymous Anônimo said...

Eu conheço Áurea há anos. Nunca se firmou porque lhe falta personalidade; a voz se parece muito com a de Leny Andrade.
O disco é bom de ouvir só até a metade; depois torna-se igual... arrastado e recheado de dramalhão, bem como Hermínio Bello gosta...

13 de maio de 2008 às 09:34  
Blogger Jorge Reis said...

Embarcação é uma de minhas canções preferidas, há o registro com Simone (regular), do Fracis (regular) e o da Olivia (prefiro não comentar), realmente a canção merecia um registro definitivo, Bethania não sei se seria o caso, talvez quisesse transformar a canção em samba de roda com direito a pratinho e tudo.
Quanto a Áuea, existe um outro CD dela com o grande José Luiz Mazziotti, que também é excelente.

13 de maio de 2008 às 09:40  
Anonymous Anônimo said...

Se a voz parece a da Leny Andrade, não quero nem ouvir.

13 de maio de 2008 às 13:48  
Anonymous Anônimo said...

Não tem nada a ver com Leny Andrade! Ai meu Deus! As duas tem registro grave, e ambas excelentes cantoras, só isso.

14 de maio de 2008 às 01:10  
Anonymous Anônimo said...

Vocês parem de implicar com a Leny Andrade.

Ela tem uma trajetória impecável no jazz, na bossa nova e em parte da MPB. Levem em conta o conjunto da obra, por favor.

14 de maio de 2008 às 11:07  
Anonymous Anônimo said...

Ah a Leny Andrade é um saco, mas é uma ótima cantora, a minha fase Leny já passou. Vou ouvir o da Áurea, só acho que o Hermínio produz essas cantoras (assim como a Zezé Gonzaga), sempre como se estivesse fazendo um disco para a Elisete, ou para reverenciar a Elisete, o que é um pouco triste.

16 de maio de 2008 às 21:37  

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