Bio romanceada não decifra o enigma de Milton
Resenha de livro
Título: Travessia
A Vida de Milton Nascimento
Autoria: Maria Dolores
Editora: Record
Cotação: * * *
Milton Nascimento é difícil enigma que ainda permanece indecifrado. Se teve a improvável oportunidade de desvendá-lo, Maria Dolores - jornalista criada na interiorana cidade de Três Pontas (MG), assim como o artista que biografa com texto fluente e enxuto - não o fez. "O Milton é assim mesmo, misterioso. O jeito dele não dá pistas nunca", corrobora o parceiro Caetano Veloso (em depoimento na página 139 do livro).
Travessia - A Vida de Milton Nascimento refaz os passos do genial cantor e compositor em narrativa romanceada que cativa e prende a atenção. Mas ainda não é o retrato definitivo de Bituca, por demais idealizado em um livro cujo mérito é a reconstituição precisa da saga profissional do astro. O homem - com todas as contradições inerentes a qualquer mortal - fica esmaecido face à abordagem do percurso público do artista de talento descomunal.
Mesmo sem procurar decifrar a alma de Milton com profundidade, como Regina Echeverria fez com Elis Regina em Furacão Elis, Maria Dolores não se furta a contar episódios desagradáveis que marcaram a vida do sensível autor de San Vicente e Cais. Como as tristes manifestações de racismo que o impediram de ser o anjo nas procissões da Semana Santa e de entrar no clube que depois, hipocritamente, o homenageou quando Travessia conquistou o Brasil no II Festival Internacional da Canção, em 1967. Ou a justa irritação de Milton com o fato de, já famoso, correr o mundo com seus shows e receber pouco (ou nenhum) dinheiro do falecido empresário Márcio Ferreira. Ou ainda as provações vividas em São Paulo no início da carreira, quando Milton chegou a passar fome enquanto tentava se firmar nos bailes da vida. Sem falar no diabetes que quase lhe tirou a vida em 1996 e que rendeu boatos na imprensa de que a doença do cantor seria aids. E na proibição de pisar em São Paulo em meados dos anos 70. A arbitrariedade cometida pela ditadura contra Milton o afastou forçosamente do filho, Pablo, e fez o artista sofrer calado - outra imposição do duro regime da época. A (triste) passagem é das mais tocantes do livro.
Vicissitudes à parte, o contato inicialmente visceral de Milton com Márcio Borges - o amigo com quem o artista dividiu a paixão pelo cinema na juventude - exemplifica toda a magia fraterna das esquinas mineiras, revividas com detalhes que encantarão quem não leu o ótimo livro Os Sonhos Não Envelhecem, escrito por Márcio e editado em 1996 (vale correr atrás deste - já raro - livro).
Enfim, a travessia pública de Milton Nascimento, de Três Pontas para o mundo, é história interessante que Maria Dolores conta com o aval do biografado. Para quem admira o artista, a biografia é altamente recomendada, ainda que fique muito longe de decifrar o enigma do homem de uma genialidade singular capaz de fazê-lo atravessar as fronteiras com música tão mineira quanto universal.
Título: Travessia
A Vida de Milton Nascimento
Autoria: Maria Dolores
Editora: Record
Cotação: * * *
Milton Nascimento é difícil enigma que ainda permanece indecifrado. Se teve a improvável oportunidade de desvendá-lo, Maria Dolores - jornalista criada na interiorana cidade de Três Pontas (MG), assim como o artista que biografa com texto fluente e enxuto - não o fez. "O Milton é assim mesmo, misterioso. O jeito dele não dá pistas nunca", corrobora o parceiro Caetano Veloso (em depoimento na página 139 do livro).
Travessia - A Vida de Milton Nascimento refaz os passos do genial cantor e compositor em narrativa romanceada que cativa e prende a atenção. Mas ainda não é o retrato definitivo de Bituca, por demais idealizado em um livro cujo mérito é a reconstituição precisa da saga profissional do astro. O homem - com todas as contradições inerentes a qualquer mortal - fica esmaecido face à abordagem do percurso público do artista de talento descomunal.
Mesmo sem procurar decifrar a alma de Milton com profundidade, como Regina Echeverria fez com Elis Regina em Furacão Elis, Maria Dolores não se furta a contar episódios desagradáveis que marcaram a vida do sensível autor de San Vicente e Cais. Como as tristes manifestações de racismo que o impediram de ser o anjo nas procissões da Semana Santa e de entrar no clube que depois, hipocritamente, o homenageou quando Travessia conquistou o Brasil no II Festival Internacional da Canção, em 1967. Ou a justa irritação de Milton com o fato de, já famoso, correr o mundo com seus shows e receber pouco (ou nenhum) dinheiro do falecido empresário Márcio Ferreira. Ou ainda as provações vividas em São Paulo no início da carreira, quando Milton chegou a passar fome enquanto tentava se firmar nos bailes da vida. Sem falar no diabetes que quase lhe tirou a vida em 1996 e que rendeu boatos na imprensa de que a doença do cantor seria aids. E na proibição de pisar em São Paulo em meados dos anos 70. A arbitrariedade cometida pela ditadura contra Milton o afastou forçosamente do filho, Pablo, e fez o artista sofrer calado - outra imposição do duro regime da época. A (triste) passagem é das mais tocantes do livro.
Vicissitudes à parte, o contato inicialmente visceral de Milton com Márcio Borges - o amigo com quem o artista dividiu a paixão pelo cinema na juventude - exemplifica toda a magia fraterna das esquinas mineiras, revividas com detalhes que encantarão quem não leu o ótimo livro Os Sonhos Não Envelhecem, escrito por Márcio e editado em 1996 (vale correr atrás deste - já raro - livro).
Enfim, a travessia pública de Milton Nascimento, de Três Pontas para o mundo, é história interessante que Maria Dolores conta com o aval do biografado. Para quem admira o artista, a biografia é altamente recomendada, ainda que fique muito longe de decifrar o enigma do homem de uma genialidade singular capaz de fazê-lo atravessar as fronteiras com música tão mineira quanto universal.
10 Comments:
é o artista que importa, não?
Emanuel Andrade disse...
Mesmo assim, indepedente das críticas, já imagino o que a galera quer saber sobre o Milton. Basta o sempre argumento confuso de Caetano. Ora, Milton é um compositor que não abre pra nenhum trem. Fez história. Tem clássicos de fazer inveja a qualquer Tom , Vinicius, Chico etc.
Se o livro tem fatos curiosos já vale. E esse negócio de exigir a discografia é algo meio pedagógico não?. O site dele já tem tudo. O que vale são histórias.
E MARIA DOLORES é uma gata. Mostrou ser uma boa repórter no JÔ e está à mil de milhares de alunos de jornalismo que saem da faculdade sem nada pra dizer.
Milton é uma dessas dívidas que só vou resgatar numa próxima vez. Embora eu reconheça sua importância como artista, sua voz de timbre único, cortante, não consigo me emocionar minimamete com suas apresentações e o acho excessivamente frio e asséptico para o meu gosto. Lamento sinceramente pq devo estar perdendo alguma coisa bem especial.
Tentei bravamente me envolver com sua obra mas foi em vão.
MAURO, ESTOU CURIOSO SOBRE ALGUM PROJETO NOVO DO BITUCA JA QUE PIETA JA FAZ TEMPO E NINGUEM FALA NADA A RESPEITO. TENS ALGUM FATO NOVO?
Germano, Milton tem alguns projetos engatilhados (trilhas sob encomenda), mas já planeja disco de inéditas. Deve sair em 2007 ou, no máximo, em 2008.
E o DVD novo do Milton, Mauro? Vc não vai fazer resenha não?
Eu achei bem bacana mesmo. Mostra que o "Pietá" foi um grande show, apesar de a crítica não ter dado muita bola.
Abraço,
Felipe.
Lucca, passaremos pelo mesmo processo de purificação (???). Por mais que tente, MN não me fala aos pelos.
Almas não foram feitas para serem decifradas
Afinal, qual é o enigma de Milton?
Estimado,
Gostaria de fazer apenas um comentário.
Como o ex-empresário do Milton, Márcio Ferreira já é falecido e não tem o direito de defender-se, me sinto no direito de fazê-lo quando convivi de perto com situações que desmentem o trecho do livro no qual induzem que Márcio levava vantagem financeiro sobre a carreira de Milton.
Milton nunca comprou o papel higiênico de sua casa, nunca soube quanto saía uma turnê mundial ou mesmo qual o custo de um disco. Milton era resguardado de qualquer inconveniente que o pudesse abalar emocionalmente.
Não é a toa que aquela aparição no "Sai de Baixo" no ano de 1996 que deu origem aos boatos de Aids, se deram após alguns meses da morte me Márcio.
Márcio se ocupava da vida do Milton como um pai e hoje depois de 12 anos de sua morte, vejo que o Milton com o olhar vazio e triste que encontro é em grande reflexo dessa falta de contenção que o Márcio provia a ele.
Márcio faleceu sem nenhuma grande fortuna. Sim com os direitos de fotos e vídeos de Milton. Agora me conte. Alguém conhece alguma gravadora que não tenha direitos sobre a maioria das músicas de seus artistas? Alguém conhece músicos que tenham direitos sobre a maioria de suas imagens? Marisa Monte é uma das poucas excessões.
A morte de Márcio foi uma fatalidade que nem Milton, nem sua equipe havia previsto e por isso a situação de seu de maneira mais difícil.
Atenciosamente.
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