8 de setembro de 2009

Arnaldo explica seu disco inspirado pelo Iê Iê Iê

Décimo título da discografia solo de Arnaldo Antunes (incluindo o CD com a trilha sonora de balé do Grupo Corpo), Iê Iê Iê está chegando às lojas com distribuição da Microservice. Gravado pelo selo de Arnaldo, Rosa Celeste, com patrocínio obtido pelo projeto Natura Musical, o álbum dialoga com signos, ritmos e timbres do rótulo criado para designar a música pop produzida na primeira metade dos anos 60. Hábil no trato com as palavras, o ex-titã (visto acima na sequência de fotos clicadas por Fernando Lazlo com base na estética do disco) explica o conceito de Iê Iê Iê no release que escreveu para acompanhar o kit enviado à imprensa com o álbum e um libreto que traduz de forma visual as 12 músicas inéditas do projeto. Eis o texto de Arnaldo sobre Iê Iê Iê:

"Iê iê iê é uma palavra que não está no dicionário, mas todo mundo sabe o que significa. Música jovem de uma época, com seu repertório de timbres, trejeitos, colares, carros e cabelos, o termo traduz um estilo que parece ter ficado parado no tempo, como se fosse um nome que se dava ao rock’n'roll antes de ele se chamar rock’n'roll. Espécie de proto-rock, que se desdobrou em muitos afluentes de tendências e fusões.

Citado pelos Beatles em She Loves You (yeah yeah yeah) e por Serge Gainsbourg em Chez Les Ye Ye Ye, a expressão caiu na boca dos brasileiros para nomear a música da Jovem Guarda, motivando, na época, entre as mais diversas reações, os ternos versos de Adoniran Barbosa: “Eu gosto dos meninos desse tal de iê iê iê / Porque com eles canta a voz do povo / E eu que já fui uma brasa / Se assoprar eu posso acender de novo”.

A decisão de chamar esse disco de IÊ IÊ IÊ veio antes da sua feitura. Eu, que, em geral, decido os títulos somente depois dos trabalhos concluídos, sabia dessa vez, desde o início, que queria fazer um disco de iê iê iê, chamado IÊ IÊ IÊ. Um pouco pelo sabor das coisas que vinha compondo, um pouco pelo desejo de voltar a uma sonoridade mais dançante, depois de dois discos (um de estúdio, Qualquer, e outro ao vivo, também registrado em DVD, Ao Vivo no Estúdio) gravados com uma formação mais leve, apenas com instrumentos de cordas (violões, guitarras, baixo) e piano (substituído no Ao Vivo por teclados ou sanfona); sem bateria nem qualquer instrumento de percussão.

Um tanto por temperamento, mas também por herança tropicalista, sempre fiz discos marcados pela diversidade e pela mistura, livres da idéia de “gênero musical”. Talvez por isso mesmo (pelo desafio de fazer algo diferente), quis que essa minha volta a um som de banda com bateria, tivesse uma face mais coesa. Cheguei assim ao desejo de fazer um disco de gênero, com possíveis variações rítmicas, mas mantendo um campo de referências no que podemos chamar de iê iê iê. Não por saudosismo, mas pelo anseio de revitalizar o estilo, numa linguagem mais contemporânea e com letras que tentam incorporar novas questões e pontos de vista a ele. As referências são muitas: surf music, Jovem Guarda, a primeira fase dos Beatles, trilhas dos filmes de faroeste, o twist, Rita Pavone, programas de auditório e todo um repertório da cultura pop que se traduz em canções contagiantes e de apelo direto. Gosto da idéia de dar a um disco o nome de um gênero. Lembro do Rock’n’ Roll, de John Lennon, que me marcou fortemente. Mas, ao passo em que ele abordava uma modalidade musical que continuou existindo, mudando e se atualizando, seu repertório apresentava clássicos, relidos com emoção e verdade na voz de Lennon. Já IÊ IÊ IÊ não é um álbum de releituras, mas de canções inéditas, a maior parte delas feita recentemente (por mim, com alguns parceiros como Marisa Monte, Carlinhos Brown, Liminha, Paulo Miklos, Branco Mello, Ortinho, Betão Aguiar e Marcelo Jeneci, entre outros), dentro desse estilo, ou ao menos concebidas como algo próximo a ele, nas melodias, timbres, ritmos e vocais. Para amarrar ainda mais o conceito, compus, com Marisa Monte e Carlinhos Brown, a faixa-título, que abre o disco apresentando um refrão que repete a expressão 'iê iê iê'. Gravamos todo o disco com uma mesma banda, formada pelos músicos que já vinham me acompanhando nos trabalhos anteriores — Chico Salem (violão e guitarra), Betão Aguiar (baixo) e Marcelo Jeneci (teclados) — somados a Edgard Scandurra na guitarra e Curumim na bateria. Todos também responsáveis pelos vocais, que têm presença marcante no disco. Para produzir, convidei Fernando Catatau, cujo trabalho na banda Cidadão Instigado tem muita afinidade com o tipo de sonoridade e timbragem que eu estava buscando. Catatau deu sugestões muito originais para o som e contribuiu inventivamente para os arranjos, além de tocar algumas guitarras e participar dos coros. Não poderia deixar de mencionar a importância do competente Yuri Kalil, nosso engenheiro de gravação e mixagem, que também soube, em seu estúdio Totem, criar um ambiente onde nos sentíssemos inteiramente em casa. E de outros músicos que participaram especialmente em algumas faixas: Régis Damasceno, Clayton Martin, Lana Beauty e Michele Abu. Para mim, esse disco tem ainda um gosto de retorno a algo do início de minha carreira, quando formamos os Titãs, que nos dois primeiros anos de existência tinham o nome de Titãs do Iê Iê." Arnaldo Antunes

P.S.: Já tinha terminado de escrever este release quando soube que Erasmo Carlos está lançando um disco novo, chamado Rock’n'Roll (como o de John Lennon, que eu cito no texto). Achei uma coincidência simbolicamente interessante o fato de ele, que começou sua carreira nos anos 60, dentro do que chamavam de iê iê iê, lançar esse disco na mesma época em que eu, que comecei nos 80, dentro do que chamavam de rock, esteja lançando meu IÊ IÊ IÊ.

4 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Décimo título da discografia solo de Arnaldo Antunes (incluindo o CD com a trilha sonora de balé do Grupo Corpo), Iê Iê Iê está chegando às lojas com distribuição da Microservice. Gravado pelo selo de Arnaldo, Rosa Celeste, com patrocínio obtido pelo projeto Natura Musical, o álbum dialoga com signos, ritmos e timbres do rótulo criado para designar a música pop produzida na primeira metade dos anos 60. Hábil no trato com as palavras, o ex-titã (visto acima na sequência de fotos clicadas por Fernando Lazlo com base na estética do disco) explica o conceito de Iê Iê Iê no release que escreveu para acompanhar o kit enviado à imprensa com o álbum e um libreto que traduz de forma visual as 12 músicas inéditas do projeto.

8 de setembro de 2009 às 09:38  
Anonymous Luc said...

Cacoete da arte contemporânea, esse de explicar tintim por tintim a produção do artista. Muitas vezes, a explicação é melhor do que o produto.

Música boa fala por si.

8 de setembro de 2009 às 11:09  
Anonymous Anônimo said...

Eu ia comentar na resenha, mas o faço aqui mesmo:

Se essa era a intenção de Arnaldo, foi cumprida. E bota cumprida nisso.

Substituíssem a voz dele pela do Robertão em "O que você quiser", trocassem o acompanhamento da banda pelo lendário RC7 tocando o mesmo arranjo e ninguém ia nem notar a diferença...

Acho que o CD é meio "primo-irmão" de "Saiba". É como se pegassem uma letra "fofinha" do repertório daquele ("Pedido de Casamento", ou até o sucesso do disco, "Consumado") e tivessem botado ritmo.

É. Eu disse que gostava mais do Arnaldo gritalhão, mas o "Iê Iê Iê" ficou à feição. Conseguiu recuperar o ritmo de "Saiba" e "Paradeiro" sem esquecer a doçura tão brilhantemente explorada em "Qualquer" e "Ao Vivo no Estúdio". Combina mais com Arnaldo.

Felipe dos Santos Souza

8 de setembro de 2009 às 11:23  
Anonymous Eugenio said...

Estou ansioso pelo novo disco do Arnaldo Antunes, sou sempre curioso em relação a seus trabalhos (para mim, o letrista mais inovador da geração dos anos 80). Por falar nesse geração, Iê Iê Iê é também o nome de um disco do Kid Abelha, de 93, que lançou "Eu tive um sonho".

8 de setembro de 2009 às 14:46  

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