13 de janeiro de 2009

Gloriosa, Marília Pêra acerta no erro de Jenkins

Resenha de Teatro
Título: Gloriosa
Texto: Peter Quilter
Direção: Charles Möeller
Direção Musical: Claudio Botelho
Elenco: Marília Pêra (em foto de Robert Schwenck), Eduardo
Galvão e Guida Vianna
Cotação: * * * *
Em cartaz no Teatro Fashion Mall (RJ)

Versátil atriz vocacionada para o canto, Marília Pêra já encarnou intérpretes de universos musicais díspares como Carmen Miranda (1909 - 1955), Dalva de Oliveira (1917 - 1972) e Maria Callas (1923 - 1977). Contudo, para entrar na pele de Florence Foster Jenkins (1868 - 1944), a cantora lírica retratada no musical Gloriosa, a atriz teve que desaprender a arte do canto para ter credibilidade no papel da lendária Jenkins, pianista que, por impossibilidade de tocar seu instrumento devido a um acidente, resolve se lançar na carreira de cantora lírica sem ter o menor talento para o ofício. É nesse persistente erro de Jenkins que Marília Pêra acerta mais uma vez e brilha ao protagonizar essa comédia musical que estreou na Inglaterra em agosto de 2005 e chegou ao Rio de Janeiro na sexta-feira, 9 de janeiro de 2009, após breves temporadas de ajustes em cidades como Niterói (RJ) e Santos (SP).

Espetáculo de Charles Möeller e Cláudio Botelho, Gloriosa não é propriamente um musical como tantos assinados pela dupla. É, a rigor, uma comédia em que a música assume papel central por conta da devoção cega de Jenkins ao canto lírico. Por errar praticamente todas as notas das árias a que se propunha a cantar, a milionária nascida na Pensilvânia se tornou alvo de piada e de deboche. No entanto, talvez por uma questão de humanidade, fãs ilustres como Cole Porter (1891 - 1964) também iam aos recitais armados pela pretensa cantora nos saguões de hotéis luxuosos. Em suas apresentações, Jenkins contava com o acompanhamento do pianista Cosme McMoon, interpretado com competência por Eduardo Galvão. De início interessado nas vantagens financeiras propostas pela cantora, McMoon aos poucos se deixa seduzir pela personalidade carismática de Jenkins, que chegou a lotar o Carnegie Hall (NY, EUA) em 1944 num recital de críticas tão negativas que, além de destruir a ilusão de Jenkins, a levaram a um enfarte que provocaria a sua morte, algumas semanas depois.

Com sua notável habilidade, Marília deixa aos poucos o espectador entrever as fragilidades e carências de Jenkins. E dá show de profissionalismo nos números musicais - como Mein Herr Marquis (Ária da Risada de Adele) e A Rainha da Noite (da ópera A Flauta Mágica, de Mozart) - em que precisa desafinar e errar o que ela, Marília, sabe fazer certo pelo dom natural e pela disciplina com que vem aprimorando esse dom ao longo de uma carreira... gloriosa. Talento ratificado no pungente número final, Ave Maria (Bach e Gounod), quando, numa licença dramatúrgica, o texto faz com que o espectador ouça Jenkins com a afinação e o brilho que (supostamente) a desastrada cantora lírica sempre pensou ter (ou fingiu pensar ter...). Impossível não se emocionar.

Com figurinos deslumbrantes de Kalma Murtinho (e as roupas excêntricas de Jenkins eram um show à parte em seus recitais) e intervenções comunicativas de Guida Vianna (em especial na pele da empregada mexicana que não se entende com sua patroa), Gloriosa tem o fino acabamento da dupla Möeller & Botelho e, acima de tudo, é o veículo para Marília Pêra atestar mais uma vez o talento ímpar que a coloca entre as melhores atrizes do mundo.

14 Comments:

Blogger Mauro Ferreira said...

Versátil atriz vocacionada para o canto, Marília Pêra já encarnou intérpretes de universos musicais díspares como Carmen Miranda (1909 - 1955), Dalva de Oliveira (1917 - 1972) e Maria Callas (1923 - 1977). Contudo, para entrar na pele de Florence Foster Jenkins (1868 - 1944), a cantora lírica retratada no musical Gloriosa, a atriz teve que desaprender a arte do canto para ter credibilidade no papel da lendária Jenkins, pianista que, por impossibilidade de tocar seu instrumento devido a um acidente, resolve se lançar na carreira de cantora lírica sem ter o menor talento para o ofício. É nesse persistente erro de Jenkins que Marília Pêra acerta mais uma vez e brilha ao protagonizar essa comédia musical que estreou na Inglaterra em agosto de 2005 e chegou ao Rio de Janeiro na sexta-feira, 9 de janeiro de 2009, após breves temporadas de ajustes em cidades como Niterói (RJ) e Santos (SP).

Espetáculo de Charles Möeller e Cláudio Botelho, Gloriosa não é propriamente um musical como tantos assinados pela dupla. É, a rigor, uma comédia em que a música assume papel central por conta da devoção cega de Jenkis ao canto lírico. Por errar praticamente todas as notas das árias a que se propunha a cantar, a milionária nascida na Pensilvânia se tornou alvo de piada e de deboche. No entanto, talvez por uma questão de humanidade, fãs ilustres como Cole Porter (1891 - 1964) também iam aos recitais armados pela pretensa cantora nos saguões de hotéis luxuosos. Em suas apresentações, Jenkins contava com o acompanhamento do pianista Cosme McMoon, interpretado com competência por Eduardo Galvão. De início interessado nas vantagens financeiras propostas pela cantora, McMoon aos poucos se deixa seduzir pela personalidade carismática de Jenkins, que chegou a lotar o Carnegie Hall (NY, EUA) em 1944 num recital de críticas tão negativas que, além de destruir a ilusão de Jenkins, a levaram a um enfarte que provocaria a sua morte, algumas semanas depois.

Com sua notável habilidade, Marília deixa aos poucos o espectador entrever as fragilidades e carências de Jenkins. E dá show de profissionalismo nos números musicais - como Mein Herr Marquis (Ária da Risada de Adele) e A Rainha da Noite (da ópera A Flauta Mágica, de Mozart) - em que precisa desafinar e errar o que ela, Marília, sabe fazer certo pelo dom natural e pela disciplina com que vem aprimorando esse dom ao longo de uma carreira... gloriosa. Talento ratificado no pungente número final, Ave Maria (Bach e Gounod), quando, numa licença dramatúrgica, o texto faz com que o espectador ouça Jenkins com a afinação e o brilho que (supostamente) a desastrada cantora lírica sempre pensou ter (ou fingiu pensar ter...). Impossível não se emocionar.

Com figurinos deslumbrantes de Kalma Murtinho (e as roupas excêntricas de Jenkins eram um show à parte em seus recitais) e intervenções comunicativas de Guida Vianna (em especial na pele da empregada mexicana que não se entende com a patroa), Gloriosa tem o fino acabamento da dupla Möeller & Botelho e, acima de tudo, é o veículo para Marília Pêra atestar mais uma vez o talento ímpar que a coloca entre as melhores atrizes do mundo.

13 de janeiro de 2009 às 11:18  
Anonymous Anônimo said...

Marilia Pera é gloriosa mesmo.

Florence Foster Jenkins também era, à sua maneira. É 'magistral' sua versão da ária da Rainha da Noite, cantada em alemão macarrônico e na qual ela não acerta uma nota sequer desde o início (o que dizer da famosa sequência de agudos). O mesmo se aplica à Tabatière à Musique, de Liadoff, na qual a cantora dá a impressão de estar com enfisema.

A anti-arte de FF Jenkins é muito digna, já que ela acreditava piamente naquilo que fazia.

Uma boa pedida é o disco The Glory (????) of the Human Voice, que comprei há uns 15 anos, em uma viagem. Se agradar, tem também Anna Russell e PDQ Bach (estes na seara da paródia) e a 'magnífica' Natália de Andrade, que nada deixa a dever a FF Jenkins. Gloriosamente péssima.

Estão lá no Youtube, para quem quiser ver.

13 de janeiro de 2009 às 11:35  
Anonymous Anônimo said...

Mauro, se permite, uma boa amostra da arte da portuguesa Natalia de Andrade, que canta em nossa língua pátria (embora nada se entenda), pode ser degustada em

http://creolina-na-alma.blogs.sapo.pt/tag/nat%C3%A1lia+de+andrade

13 de janeiro de 2009 às 11:43  
Anonymous Anônimo said...

Uma vez, pode até ser engraçado. Mas quala graça de ouvir alguém cantar errado sempre?

13 de janeiro de 2009 às 11:44  
Anonymous Anônimo said...

Marilia Pêra é mesmo gloriosa, uma grande artista. O número final é lindíssimo.
Guida Vianna se sai muito bem como a mulher que interrompe o show indignada, dizendo toda a verdade sobre a voz da cantora.
Mas o espetáculo em si, não achei tudo isso... Piadas repetitivas e sem graça.

Florence: "Você tocou maravilhosamente bem, como sempre!"
Cosme: "E você cantou... hã... como sempre!"


Enfim, esperava mais.

13 de janeiro de 2009 às 11:59  
Anonymous Anônimo said...

Amigos foram ver e constataram a chatce de ficar ouvindo desafinações horas seguidas... Nem Marilia consegue salvar tal fato. E as piadas da peça não são lá as melhores...

13 de janeiro de 2009 às 12:23  
Anonymous Anônimo said...

Marília Pera é tão boa, mas tão boa, que mesmo que a peça fosse ruim, ainda seria boa.

13 de janeiro de 2009 às 13:08  
Anonymous Anônimo said...

Luc,

Desculpe, mas ouvi uma gravação da Florence cantando a ária "Rainha da Noite" e chega a doer no ouvido.

Por mais que eu queira respeitá-la como ser humano, não dá para aceitá-la como cantora.

abração,
Denilson

13 de janeiro de 2009 às 14:06  
Anonymous Anônimo said...

Obrigada, Luc pela dica, não a conhecia e lá no You tube pude matar a curiosidade.Somente o talento de Marilia Pera para dar verdade a uma persongem tão singular e sem criticar a personagem. Quero assistir.

13 de janeiro de 2009 às 14:13  
Anonymous Anônimo said...

Tem um trecho da peça no you tube.Super engraçado.Finalmente nossa grande atriz volta ao cômico com aquela dose de tragédia que somente os maiores sabem fazer.Grande,grande,grande!

13 de janeiro de 2009 às 15:17  
Anonymous Anônimo said...

Marília já fez coisas brilhantes mas não concordo com suas propaladas (?) qualidades vocais. Difícil alguém cantar bonito com aquele timbre. Sem dúvida que a atriz é dedicada, mas seu esmero não evitou intervenções medíocres em, por ex, Elas por Ela (apesar de incensado por parte da imprensa) e Vitor ou Vitória (se bem que não consegui assistir a segunda parte - saí no intervalo). Suas Carmem e Dalva ficaram marcadas mais por suas qualidades como atriz do que por seus dotes vocais.

Marília é multifacetada (vai de uma Juliana inesquecível - no drama - a uma Rafaela adorável - no escracho). Mas com relação ao canto vale unicamente seu esforço.

De qualquer forma irei conferir a peça quando vier a SP. Assisto (ou pelo menos tento) tudo o que vem à cena com esta atriz comprometidíssima com sua arte.

13 de janeiro de 2009 às 16:26  
Anonymous Anônimo said...

É como você diz, Denilson. FF Jenkins é inaceitável.

Talvez por isso tenha uma legião de 'admiradores' fiéis, assim como os filmes de Ed Wood e a arte trash.

Ao mesmo tempo, Jenkins serve de efeito-comparação para alguns que insistem em considerar trivial (e não uma maravilha da natureza) a afinação perfeita de Gal Costa.

13 de janeiro de 2009 às 16:36  
Anonymous Anônimo said...

Concordo com lu velso. Acho Marilia uma grande atriz - embora com vários cacoetes de interpretação - mas como cantora deixa muito a desejar. E ela sabe disso. Marilia é inteligente e tem bom senso portanto não é por falsa modéstia que ela reconhece suas profundas limitações vocais. Neste sentido, Bibi Ferreira ainda é nosa única atriz de grande porte que canta igualmente grande (com timbre e interpretação pungentes).

Tb corroboro o comentário de Luc quando lembra a afinação imperturbável de Gal Costa.

13 de janeiro de 2009 às 19:11  
Anonymous Anônimo said...

MP é daquelas artistas brasileiras hiperdimensionadas (tipo Marisa Monte). Em minha opinião sua trajetória é cheia de altos e baixos. Está realmente convincente como Jenkins, esteve fantástica como Chanel, mas foi desenvolvendo ao longo do tempo uma postura física impertigada e um andamento para sua fala que leva a todas as suas interpretações. Seria técnico não fosse asséptico.
Ninguem questiona o talento e dedicação de Marilia (ou Marisa) mas devagar com o andor para não pagar o mico de ouvir a criança berrar no fim da fila: O REI TÁ NU!

16 de janeiro de 2009 às 09:15  

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