27 de dezembro de 2006

Retrô 2006 - O bagulho muito lúcido de MV Bill

Exibido no Fantástico, programa global das noites de domingo, um contundente documentário sobre o cotidiano das crianças coaptadas pelo tráfico de drogas projetou MV Bill (foto) e preparou terreno para o lançamento em junho do terceiro disco do rapper da Cidade de Deus (RJ). Surpreendendo o ouvinte que ansiava pelo mesmo tom do filme, Bill incorporou um pouco de Zeca Pagodinho e outro tanto de Bezerra da Silva no CD intitulado Falcão - O Bagulho É Doido em clara referência ao bom documentário Falcão- Meninos do Tráfico.

A associação pareceu improvável para quem identificava em Bill o cara sempre marrento que fazia um rap duro, de batidas secas, em seus dois álbuns anteriores, Traficando Informação (1999) e Declaração de Guerra (2002). Mas o mercado esteve doido em 2006, Bill precisava vender disco e o fato é que o rapper suavizou seu discurso no terceiro trabalho. Foi difícil não associar a letra de Falso Profeta (Pára de Caô) - uma crítica aos pastores evangélicos que pregam a palavra de Deus de olho no dinheiro dos fiéis - aos versos malandros dos sambas gravados por Bezerra da Silva. Da mesma forma, Estilo Vagabundo, sobre divertida briga de casal, trouxe irreverência típica de Zeca Pagodinho. Bill soou mais leve.

Outras faces da favela começaram a aparecer no trabalho de Bill - radicado na Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. E a maior surpresa do CD foi um samba-rock!! Minha Flecha na sua Mira (Me Leva) reeditou aquela levada cristalizada na virada dos anos 60 para os 70. Houve, ainda, a base de tom bossa-novista de 9 da Manhã, o tema que encerrou o disco. Mas, verdade seja dita, todas as nuances e variações rítmicas suavizaram a música de Bill sem descaracterizá-la. Falcão - O Bagulho É Doido não foi um disco conceitual sobre o envolvimento de menores com o tráfico de drogas - como o documentário e o livro que o antecederam - mas não fugiu do assunto. Todas as conexões morro-asfalto que sustentam o tráfico foram expostas com clareza por Bill na faixa-título. Coube ao ouvinte decidir se queria o discurso contundente sobre drogas ou a leve crônica de costumes da favela. Ou ainda ignorar MV Bill e o problema social que violenta o Rio de Janeiro.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

não dá para ignorar que existe tráfico, rap (com gente de talento) e que a vida não é só cor de rosa.

27 de dezembro de 2006 às 11:51  

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