24 de dezembro de 2006

Retrô 2006 - Baleiro reverencia Sampaio e Hilst

Zeca Baleiro (foto) saboreou um de seus anos mais produtivos em 2006. Além de lançar mais dois DVDs, Vô Imbolá e Baladas do Asfalto & Outros Blues ao Vivo, aumentando para cinco os títulos de sua rica videografia, o cantor e compositor maranhense inaugurou em março seu selo, Saravá Discos, com dois originais e importantes CDs. Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé - De Ariana para Dionísio foi centrado na poesia crua da paulista Hilda Hilst (1930 - 2004). Já Cruel trouxe à tona inédita - e vigorosa - produção do compositor capixaba Sérgio Sampaio (1947 - 1994), autor de Eu Quero É Botar meu Bloco na Rua. Belas iniciativas prejudicadas pelas distribuições deficientes dos álbuns.

Foi por iniciativa de Hilda Hilst que Baleiro se tornou parceiro da poeta. Ao receber cópia do primeiro álbum do compositor, Por Onde Andará Stephen Fry? (1997), lhe enviada pelo próprio artista, Hilst ligou, propôs a parceria e mandou disquete com sua obra poética. A história foi contada com orgulho por Baleiro no encarte do CD, concebido a partir do tal disquete. Ao descobrir o livro Júbilo Memória Noviciado da Paixão, o cantor decidiu musicar todos os versos do capítulo que dá título ao disco. Pronto o repertório, ele começou a gravar o álbum em abril de 2003 e o concluiu dois anos depois - com luxuosas participações especiais.

O resultado foi excelente. Com o aval da escritora e a colaboração do violonista Swami Jr. nos excelentes arranjos de base, o cantor buscou sonoridade medieval que se encaixasse nos poemas já em essência muito musicais de Hilst. Instrumentos como harpa, oboé e fagote ajudaram a criar o clima. Mas o charme do álbum foi ter contado com a adesão de dez cantoras nas interpretações das dez canções. Pela ordem de entrada no CD, o time foi formado por Rita Ribeiro, Verônica Sabino, Maria Bethânia, Jussara Silveira, Ângela RoRo, Ná Ozzetti, Zélia Duncan, Olívia Byington, Mônica Salmaso e Ângela Maria. Com exceção da Sapoti, deslocada por conta de seu estilo naturalmente empostado, todas as intérpretes pareceram à vontade no despudorado universo poético de Hilst. O tom linear do repertório garantiu a uniformidade das canções. A Canção V, interpretada por RoRo, se revelou especialmente inspirada, mas, no todo, o trabalho exibiu bom acabamento melódico. A poesia apaixonada de Hilda Hilst caiu bem na boa música de Zeca Baleiro.

Maior valor documental teve Cruel, pois ninguém diria em 1972 que o bloco de Sérgio Sampaio seguiria por ruas marginais depois do estouro nacional do compacto com a explosiva marcha-rancho Eu Quero É Botar meu Bloco na Rua, carro-chefe da obra ácida do cantor e compositor, natural da mesma Cachoeiro de Itapemirim (ES) que viu o nascimento de Roberto Carlos. Empurrado cruel (e erroneamente) para o vácuo reservado aos malditos da música brasileira, Sampaio teve trajetória errante que Baleiro procurou encerrar com dignidade com a edição de Cruel, o CD que o artista se preparava para gravar, em 1994, quando morreu sem a chance de retomar sua discografia que, até então, compreendia apenas os três essenciais álbuns Eu Quero É Botar meu Bloco na Rua (1973), Tem que Acontecer (1976) e Sinceramente (1982).

Doze anos depois da gestação de Cruel, o selo de Baleiro lançou o álbum que acabou tendo caráter póstumo por força do destino. A partir de bons registros caseiros de voz e violão, deixados em fita enviada a Baleiro por iniciativa da família de Sampaio, o autor de Lenha produziu, finalizou e editou aquele que, em 1994, deveria ter sido o primeiro CD de Sampaio. Dono de uma poesia pungente, Sampaio foi enquadrado na marginália, mas Cruel reafirmou que ele tinha tudo para ter militado no mainstream. Das 14 músicas, 12 eram inéditas. A faixa-título fora gravada por Luiz Melodia, em 1997, no CD 14 Quilates. Já o samba Rosa Púrpura de Cubatão tinha entrado no Balaio do Sampaio, o tributo produzido por Baleiro em 1998. No mais, foi tudo novidade. E o impressionante é que tal coleção de sambas e canções estava à altura de Sampaio...

Em suma, Cruel não foi a raspa do tacho, a sobra requentada do almoço. Roda Morta (Reflexões de um Executivo) exemplificou a mordacidade atemporal de Sampaio (no caso específico, com letra de seu parceiro Sérgio Natureza). "O triste nisso tudo é tudo isso / Quer dizer tirando nada / Só me resta o compromisso / Com os dentes cariados da alegria / Com desgosto e a agonia / Da manada dos normais", alfinetavam os versos iniciais. Outro destaque entre as boas canções foi Pavio Curto, pontuada pelo violoncelo de Lui Coimbra. Deu para perceber que a música de Sampaio conservava o frescor do início e continuava saudavelmente corrosiva. Bastava ouvir os sambas Polícia Bandido Cachorro Dentista (com versos atualíssimos) e Rosa Púrpura de Cubatão para comprovar que seu inquieto bloco não poderia ter seguido os desvios impostos pela indústria da música aos inconformados. Por valorizar Sampaio, Zeca Baleiro merece um lugar de honra na retrospectiva de 2006.

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Artistas brasileiros sao artistas de sonho. I've discovered Chico Buarque, Caetano Veloso, etc... when I was young, e agora a nova generaçao... I had the chance to see Lenine e Karnak in Paris: me enamorei!!!Esso è uma declaraçao de amor aos artistas brasileiros, who do my days more sunny!Sorry for this horrible "portenglish"!
Excellent blog! ^^

24 de dezembro de 2006 às 10:01  
Anonymous Anônimo said...

MARISA MONTE DE SAIA ESSE BALEIRO
FERA COMO A DIVA CARIOCA

25 de dezembro de 2006 às 07:47  
Anonymous Anônimo said...

Zeca Baleiro é infinitamente melhor que a Marisa Monte, quando o assunto é composição

26 de dezembro de 2006 às 12:48  
Anonymous Anônimo said...

Zeca merecia mais espaço . Assim como : Lenine e Moska .
Marisa e ela ainda tem outra coisa em comum . O Ukulele ( ou seria Ukelele ? ) .

27 de dezembro de 2006 às 04:04  

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