3 de novembro de 2006

'Pirata' é mergulho íntimo de Bethânia nos rios

Resenha de CD
Título:
Pirata
Artista:
Maria Bethânia
Gravadora: Quitanda / Biscoito Fino
Cotação:
* * * * *

O artesanato que ilustra capa e encarte do CD Pirata - o delicado trabalho de costura feito por família de bordadeiras que vivem nas proximidades do Rio São Francisco - é uma imagem perfeita para traduzir o espírito do álbum. Dos dois discos temáticos sobre as águas lançados simultaneamente por Maria Bethânia, Pirata é o de textura bem mais artesanal. Remete logo a Brasileirinho, o incensado álbum editado pela intérprete em 2003, inclusive pelo caráter (eventualmente) folclórico. Ambos primam pelo requinte.

Criada entre os rios que atravessavam a interiorana Santo Amaro de Purificação (BA), Maria Bethânia esteve imersa nas memórias dessas águas para formatar o conceito de Pirata, CD centrado nos rios, apesar do nome que remete ao mar (Dentro do Mar Tem Rio é o conceito que abrange os dois álbuns e nomeia o show que estréia em São Paulo, em 10 de novembro). Como seu gêmeo Mar de Sophia, Pirata costura elementos que sempre moldaram a obra teatral da cantora para formar mosaico auto-referente que inclui cantigas folclóricas, sambas de roda, poesia e compositores recorrentes na discografia (extremamente) coerente de Bethânia.

Se Bethânia adentrou as matas em Brasileirinho, ela se joga nos rios de sua infância em Pirata, entre textos de Guimarães Rosa e a súplica por sertão mais chuvoso, feita em Meu Divino São José. Para reforçar seu conceito de que o rio deságua no mar, Bethânia regrava fado do mano Caetano Veloso, Os Argonautas. Caetano está representado ainda por Onde Eu Nasci Passa um Rio, outro tema recorrente no repertório da cantora. Nada parece gratuito.

Entre a lembrança de um Dorival Caymmi nada óbvio (História pro Sinhozinho) e uma recriação superior de O Tempo e o Rio, a intérprete pisa no terreiro de Jovelina Pérola Negra. Pedra mais surpreendente deste rio caudaloso, Águas de Cachoeira é samba gravado pela autora em 1993, em um disco de pouca repercussão comercial e artística (Vou na Fé). A faixa tem deliciosa levada carioca realçada pelo arranjo do maestro convidado Rildo Hora.

A veia sertaneja da artista pulsa firme em De Papo pro Ar - com a viola caipira de Jaime Alem, diretor musical dos dois discos - e em A Saudade Mata a Gente. São contrapontos para a sensualidade de Eu que Não Sei Quase Nada do Mar, a inédita parceria de Ana Carolina com Jorge Vercilo que tem pegada radiofônica por conta do refrão-chiclete. Já Vanessa da Mata reafirma a origem ruralista no samba Sereia de Água Doce, que evoca brejeiramente lenda do folclore brasileiro sobre os rios com grande inspiração. É luxo só!

Por conta do andamento baiano de sambas como Santo Amaro, composto por Roque Ferreira com Délcio Carvalho e arranjado pelo violonista Luiz Brasil, Pirata tem leveza que quase inexiste no mais denso e suntuoso Mar de Sophia. Mas tem melancolia também, expressa em Francisco, Francisco - uma obra-prima de Roberto Mendes e Capinam. É, em síntese, um mergulho íntimo e pessoal de Maria Bethânia em águas que já lhe são bem familiares.

1 Comments:

Anonymous Vanessa said...

essa mulher é tudo!

13 de outubro de 2009 às 19:00  

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