D2 se converte ao samba para celebrar Bezerra
Resenha de CD
Título: Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva
Artista: Marcelo D2
Gravadora: EMI Music
Cotação: * * * 1/2
Título: Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva
Artista: Marcelo D2
Gravadora: EMI Music
Cotação: * * * 1/2
Bezerra da Silva (1927 – 2005) se tornou evangélico no fim da vida sem que a conversão alterasse a sua imagem de “malandro” e “cantor de bandido”. “Na verdade, eu sou um cronista / Que transmite o dia a dia do meu povo sofredor”, alertou em Partideiro sem Nó na Garganta (Adelzonilton, Nilo Dias e Franco Teixeira, 1992), um dos 14 sambas incluídos na seleção final do CD Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva, recém-lançado pela EMI Music. O rapper se converte em sambista e cantor ao abordar com reverência repertório que guarda afinidades temáticas com o cancioneiro do Planet Hemp – a ponto de os versos de A Semente (Roxinho, Tião Miranda, Felipão e Walmir da Purificação, 1987) se ajustarem com naturalidade ao canto de D2, assumido usuário de maconha. Mais do que pela temática, o sexto álbum solo do rapper soa inusitado na discografia do artista por reproduzir a sonoridade tradicional do samba de morro. Mérito do produtor Leandro Sapucahy - com quem D2 dialoga nos versos de A Necessidade (José Garcia e Jorge Garcia, 1977), com direito a improvisos autorreferentes na letra – e do pianista Jota Moraes, recrutado para fazer os arranjos de todas as faixas. Até um trio feminino de vocalistas (Carla Pietro, Keilla Santos e Neth Bonfim) foi arregimentado para evocar o coro do conjunto As Gatas, presença recorrente em discos de samba dos anos 70 e 80. Entre sambas que fazem valiosas crônicas sociais sob a ótica do povo marginalizado - caso de Meu Bom Juiz (Beto sem Braço e Serginho Meriti, 1986) - e outros que recorrem a humor mais popularesco, como Minha Sogra Parece Sapatão (Roxinho, Tião Miranda e 1000tinho, 1983), D2 se revela hábil cantor de partido alto. E, de quebra, ainda lembra que o irreverente Na Aba (Trambique, Paulinho Correa e Ney Silva, 1982) – samba associado a Martinho da Vila por conta da bem-sucedida gravação de 1984 – foi, a rigor, lançado por Bezerra dois anos antes. Três anos depois de fazer sucesso com Pega Eu (Criolo Doido, 1979), quando o partideiro pernambucano – radicado no Rio de Janeiro (RJ) desde os anos 50 - ainda dava seus primeiros passos na carreira fonográfica e gravava pela pequena CID. Com capa que parodia a imagem antológica do álbum Eu Não Sou Santo (1992), com o detalhe de que o rapper-sambista é crucificado com microfones no lugar de armas, o CD Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva é tributo tão reverente quanto linear à obra de um sambista indigesto por dar voz – como os rappers, aliás – a uma parcela da sociedade que as elites preferem ignorar ou, então, manter calada. Viva Bezerra!!
7 Comments:
Bezerra da Silva (1927 – 2005) se tornou evangélico no fim da vida sem que a conversão alterasse a sua imagem de “malandro” e “cantor de bandido”. “Na verdade, eu sou um cronista / Que transmite o dia a dia do meu povo sofredor”, alertou em Partideiro sem Nó na Garganta (Adelzonilton, Nilo Dias e Franco Teixeira, 1992), um dos 14 sambas incluídos na seleção final do CD Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva, recém-lançado pela EMI Music. O rapper se converte em sambista e cantor ao abordar com reverência repertório que guarda afinidades temáticas com o cancioneiro do Planet Hemp – a ponto de os versos de A Semente (Roxinho, Tião Miranda, Felipão e Walmir da Purificação, 1987) se ajustarem com naturalidade ao canto de D2, assumido usuário de maconha. Mais do que pela temática, o sexto álbum solo do rapper soa inusitado na discografia do artista por reproduzir a sonoridade tradicional do samba de morro. Mérito do produtor Leandro Sapucahy - com quem D2 dialoga nos versos de A Necessidade (José Garcia e Jorge Garcia, 1977), com direito a improvisos autorreferentes na letra – e do pianista Jota Moraes, recrutado para fazer os arranjos de todas as faixas. Até um trio feminino de vocalistas (Carla Pietro, Keilla Santos e Neth Bonfim) foi arregimentado para evocar o coro do conjunto As Gatas, presença recorrente em discos de samba dos anos 70 e 80. Entre sambas que fazem valiosas crônicas sociais sob a ótica do povo marginalizado - caso de Meu Bom Juiz (Beto sem Braço e Serginho Meriti, 1986) - e outros que recorrem a humor mais popularesco, como Minha Sogra Parece Sapatão (Roxinho, Tião Miranda e 1000tinho, 1983), D2 se revela hábil cantor de partido alto. E, de quebra, ainda lembra que o irreverente Na Aba (Trambique, Paulinho Correa e Ney Silva, 1982) – samba associado a Martinho da Vila por conta da bem-sucedida gravação de 1984 – foi, a rigor, lançado por Bezerra dois anos antes. Três anos depois de fazer sucesso com Pega Eu (Criolo Doido, 1979), quando o partideiro pernambucano – radicado no Rio de Janeiro (RJ) desde os anos 50 - ainda dava seus primeiros passos na carreira fonográfica e gravava pela pequena CID. Com capa que parodia a imagem antológica do álbum Eu Não Sou Santo (1992), com o detalhe de que o rapper-sambista é crucificado com microfones no lugar de armas, o CD Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva é tributo tão reverente quanto linear à obra de um sambista indigesto por dar voz – como os rappers, aliás – a uma parcela da sociedade que as elites preferem ignorar ou, então, manter calada. Viva Bezerra!
Beleza de final, Mauro. Gostei bastante da sua resenha, do disco em si, uma homenagem sincera e honesta, sendo que o D2 saiu-se MUITO MELHOR do que o Leandro no seu tributo a Roberto Ribeiro.
Destaca-se também a caprichada arte gráfica do cd, fotos legais, sem contar a sessão de classificados. Abraços,
Marcelo Barbosa - Brasília (DF)
PS: O dueto com o Sapucahy sem dúvida é uma das melhores faixas do disco, sem contar a faixa Minha sogra parece sapatão (a que mais gostei). Legal também o recado final, inclusive descrito no encarte.
PS2: Salve Ratinho! Só agora li a sua matéria; sem contar que foi um dos autores do samba campeão da Caprichosos de Pilares no Acesso (82), o popularíssimo Moça Bonita não paga, sobre a feira livre. Descanse em paz!
PS3: E que beleza a caixa da minha cantora! PENA que você só resenhou a da Gal, merecia uma crítica (viu, meu caro crítico?), tamanho capricho do selo/gravadora Discobertas. Pena que faltaram as letras nos encartes. E Dona Elisabeth já provava que era A MELHOR em repertório desde os primórdios. Privilégio de POUCAS no Samba, inclusive as que utilizavam-se da ajuda de maridos.
Há muito que venho ouvindo com muito gosto os raps de D2. Criativo, provocador, às vezes oportunista. De qualquer forma, um grande artista por quem a música popular vem sendo influenciada. Por outro lado, Bezerra eu gosto desde seus discos de "coco" até a estruturação do partido alto. Grande sambista, gravou com grande maestria músicas que se tornaram clássicos marginais, mas infelizmente nunca clássicos da MPB. Dois grandes artistas que se admiravam, agora a D2 resta admirar Bezerra. Ainda não ouvi o disco, mas a intenção de D2 já estabelece o milagre da música.
Se Bezerra era a voz do morro, D2 se perfaz como a voz do novo.
Esse disco deve ser muito bacana.
Tomara que a popularidade do raso e ralo Marcelo D2 junto à galera jovem lance um pouco de luz sobre a obra revolucionária e corajosa do Bezerra da Silva.
abração,
Denilson
Mauro, preciso de uma luz.
Acabo de comprar o CD e ouvir e me parece que há algo errado com a sonoridade, a forma como os instrumentos se sobressaem sobre a voz de D2 que é fraca. O que você pode dizer sobre isso? Achei que a voz de D@ em muitas vezes está mais baixa que o som dos instrumentos.
Obrigado
Detalhe, o Cd tem 15 faixas, mas rola pela net alguns com 18 faixas.
Gill, o D2 gravou mais de 20 sambas (22 ou 24, agora estou em dúvida) para selecionar os 14. Algumas sobras já foram lançadas em formato digital. Quanto à sonoridade, houve a intenção - bem-sucedida, a meu ver - de reproduzir o som dos discos do Bezerra. Abs, MauroF
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